sexta-feira, 25 de março de 2011

XI DOMINGO TEMPO COMUM


* DOMINGO


«A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos»


LEITURA I – Ex 19,2-6a

Naqueles dias, os filhos de Israel partiram de Refidim e chegaram ao deserto do Sinai, onde acamparam, em frente da montanha. Moisés subiu à presença de Deus. O Senhor chamou-o da montanha e disse-lhe: «Assim falarás à casa de Jacob, isto dirás aos filhos de Israel: ‘Vistes o que Eu fiz ao Egipto, como vos transportei sobre asas de águia e vos trouxe até Mim. Agora, se ouvirdes a minha voz, se guardardes a minha aliança, sereis minha propriedade especial entre todos os povos. Porque toda a terra Me pertence; mas vós sereis para Mim um reino de sacerdotes, uma nação santa’».

LEITURA II – Rom 5,6-11

Irmãos: Quando ainda éramos fracos, Cristo morreu pelos ímpios no tempo determinado. Dificilmente alguém morre por um justo; por um homem bom, talvez alguém tivesse a coragem de morrer. Mas Deus prova assim o seu amor para connosco. Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores. E agora, que fomos justificados pelo seu sangue, com muito mais razão seremos por Ele salvos da ira divina. Se, na verdade, quando éramos inimigos, fomos reconciliados com Deus pela morte de seu Filho, com muito mais razão, depois de reconciliados, seremos salvos pela sua vida. Mais ainda: também nos gloriamos em Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo, por quem alcançámos agora a reconciliação.

EVANGELHO – Mt 9,36-10,8

Naquele tempo, Jesus, ao ver as multidões, encheu-Se de compaixão, porque andavam fatigadas e abatidas, como ovelhas sem pastor. Jesus disse então aos seus discípulos: «A seara é grande, mas os trabalhadores são poucos. Pedi ao Senhor da seara que mande trabalhadores para a sua seara». Depois chamou a Si os seus doze discípulos e deu-lhes poder de expulsar os espíritos impuros e de curar todas as doenças e enfermidades. São estes os nomes dos doze apóstolos: primeiro, Simão, chamado Pedro, e André, seu irmão; Tiago, filho de Zebedeu, e João, seu irmão; Filipe e Bartolomeu; Tomé e Mateus, o publicano; Tiago, filho de Alfeu, e Tadeu; Simão, o Cananeu, e Judas Iscariotes, que foi quem O entregou. Jesus enviou estes Doze, dando-lhes as seguintes instruções: «Não sigais o caminho dos gentios, nem entreis em cidade de samaritanos. Ide primeiramente às ovelhas perdidas da casa de Israel. Pelo caminho, proclamai que está perto o reino dos Céus. Curai os enfermos, ressuscitai os mortos, sarai os leprosos, expulsai os demónios. Recebestes de graça, dai de graça».

Reflexão

O texto que hoje nos é proposto inclui a introdução e uma parte da descrição do chamamento e do envio dos discípulos. Na introdução (cf. Mt 9,36-38), Mateus explica que essa missão à qual Deus chama os discípulos é expressão da solicitude de Deus, que quer oferecer ao seu Povo a salvação. Mateus – que escreve para uma comunidade onde existia um número significativo de crentes de origem judaica – vai usar, para transmitir esta mensagem, imagens retiradas do Antigo Testamento e muito familiares para os judeus.
Nas palavras de Jesus, Israel é uma comunidade abatida e desnorteada, cujos pastores (os líderes religiosos judeus) se demitiram das suas responsabilidades. Eles são esses maus pastores de que falavam os profetas (cf. Ez 34; Zac 10,2). O coração de Deus está, no entanto, cheio de compaixão por este rebanho abatido e desanimado; Deus vai, então, assumir as suas responsabilidades, no sentido de conduzir o seu Povo para as pastagens onde há vida.
Duas notas ainda: a referência à “messe” indica que essa missão é urgente e que já não há muito tempo para a levar a cabo (nos profetas, a “messe” aparece ligada à imagem do juízo iminente de Deus – cf. Is 17,5; Jer 13,24; Jl 4,12-13); a referência ao “pedido” que deve ser feito ao Senhor da “messe” é um apelo a que a comunidade contemple a missão como uma obra de Deus, que deve ser levada a cabo com os critérios de Deus (por isso, a comunidade deve rezar – a fim de se aperceber dos projectos, das perspectivas e dos critérios de Deus – antes de empreender a tarefa de anunciar o Evangelho).
Vem depois o chamamento dos discípulos (cf. Mt 10,1-4). Mateus começa por deixar claro que a iniciativa é de Jesus: “chamou-os”. Não há qualquer explicação sobre os critérios que levaram a essa escolha: falar de vocação e de eleição é falar de um mistério insondável, que depende de Deus e que o homem nem sempre consegue compreender e explicar.
Depois, Mateus aponta o número dos discípulos (“doze”). Porquê exactamente “doze”? Trata-se de um número simbólico, que lembra as doze tribos que formavam o antigo Povo de Deus. Estes “doze” discípulos representam simbolicamente a totalidade do Povo de Deus, do novo Povo de Deus.
Em seguida, Mateus define a missão que Jesus lhes confiou (“deu-lhes poder de expulsar os espíritos impuros e de curar todas as doenças e enfermidades”). Os espíritos impuros, as doenças e as enfermidades representam tudo aquilo que escraviza o homem e que o impede de chegar à vida em plenitude. A missão dos discípulos é, pois, lutar contra tudo aquilo – seja de carácter físico, seja de carácter espiritual – que destrói a vida e a felicidade do homem (podemos dizer que a missão dos discípulos é lutar contra o “pecado”).
Finalmente, Mateus aponta os nomes dos “Doze” (Simão Pedro, André, Tiago filho de Zebedeu, João, Filipe, Bartolomeu, Tomé, Mateus, Tiago filho de Alfeu, Tadeu, Simão o cananeu e Judas Iscariotes). As listas apresentadas pelos vários evangelistas apresentam diferenças, seja na ordem dos nomes, seja nos próprios nomes (Tadeu é, na lista de Lucas, Judas). Em qualquer caso, Pedro encabeça sempre a lista e Judas Iscariotes fecha-a. Estes dois são talvez as duas personagens mais fortes e que, ao longo da caminhada com Jesus, devem ter assumido algum protagonismo no grupo dos discípulos.
O último passo é o envio dos discípulos – evidentemente antecedido de um conjunto de instruções para a missão (cf. Mt 10,5-8).
Em primeiro lugar (vers. 5-6), Jesus vai definir os destinatários da missão: numa primeira fase, são “as ovelhas perdidas da casa de Israel”. Esta interpretação “restritiva” da missão explica-se a partir da forma como o cristianismo se expandiu em termos geográficos: primeiro pela Palestina e só depois fora das fronteiras da Palestina; provavelmente, também terá a ver com as tensões existentes na comunidade de Mateus, onde alguns judeo-cristãos tinham dificuldade em aceitar que o Evangelho fosse anunciado aos pagãos. Mais tarde, Mateus vai deixar claro que, na segunda fase, o anúncio se destina, também aos pagãos. Porquê? Porque a “casa de Israel” rejeitou Jesus e a sua proposta do “Reino” (cf. Mt 21,43).
Em segundo lugar (vers. 7-8a.b.c.d), apontam-se os sinais que devem acompanhar o anúncio da chegada do “Reino”: a cura dos doentes, a ressurreição dos mortos, a expulsão dos demónios. O anúncio não deve constar de palavras apenas, mas de gestos concretos que sejam sinal vivo dessa libertação que o “Reino” traz.
Em terceiro lugar (vers. 8e), aparece um apelo à gratuidade: os discípulos não podem partir para a missão a pensar em colher dividendos pessoais, ou em satisfazer interesses egoístas. A expressão “recebestes de graça, dai de graça” convida a fazer da própria vida um dom gratuito ao “Reino”, sem esperar em troca qualquer paga.
Repare-se como em todo o discurso a missão dos discípulos aparece como um prolongamento da missão de Jesus. O anúncio, que é confiado aos discípulos, é o anúncio que Jesus fazia (o “Reino”); os gestos que os discípulos são convidados a fazer para anunciar o “Reino” são os mesmos que Jesus fez; os destinatários da mensagem que Jesus apresentou são os mesmos da mensagem que os discípulos apresentam… Ao apresentar a missão dos discípulos em paralelo e em absoluta continuidade com a missão de Jesus, Jesus convida a Igreja (os discípulos) a continuar na história a obra libertadora que Ele começou em favor do homem.


* 2ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: 2 Coríntios 6, 1-10

Irmãos: como colaboradores de Deus, exortamo-vos a não receber em vão a graça de Deus. 2Pois Ele diz: No tempo favorável, ouvi-te e, no dia da salvação, vim em teu auxílio. É este o tempo favorável, é este o dia da salvação. 3Não damos em nada qualquer motivo de escândalo, para que o nosso ministério não seja desacreditado. 4Ao contrário, em tudo nos recomendamos como ministros de Deus, com muita paciência nas tribulações,nas necessidades e nas angústias, 5nos açoites e nas prisões, nos tumultos e nas fadigas,nas vigílias e nos jejuns, 6pela pureza e pela ciência, pela magnanimidade e pela bondade, pelo Espírito Santo e pelo amor sem fingimento, 7pela palavra da verdade e pelo poder de Deus, pelas armas ofensivas e defensivas da justiça; 8na honra e na desonra, na má e na boa fama; tidos por impostores e, no entanto, verdadeiros; 9por desconhecidos e, no entanto, bem conhecidos; por agonizantes e, no entanto, eis-nos com vida; por condenados e, no entanto, livres da morte; 10por tristes, nós que estamos sempre alegres; por pobres, nós que enriquecemos a muitos; por nada tendo e, no entanto, tudo possuindo.

Evangelho: Mateus 5, 38-42

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 38«Ouvistes o que foi dito: Olho por olho e dente por dente. 39Eu, porém, digo-vos: Não oponhais resistência ao mau. Mas, se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra. 40Se alguém quiser litigar contigo para te tirar a túnica, dá-lhe também a capa. 41E se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha, caminha com ele duas. 42Dá a quem te pede e não voltes as costas a quem te pedir emprestado.»

Reflexão

Paulo apresenta-se como um homem de contrastes, simultaneamente lutador e hipersensível. Os seus escritos são, por vezes, bastante difíceis de compreender exactamente por causa da insistência nos contrastes, nos paradoxos, com que não só procura evidenciar o aspecto desconcertante do mistério de Cristo, mas também como apresenta a sua vida de discípulo e de apóstolo. No texto que escutamos aparecem-nos vários desses contrastes referentes à sua vida e acção apostólica: somos tidos por impostores e, no entanto, verdadeiros; por desconhecidos e, no entanto, bem conhecidos; por agonizantes e, no entanto, eis-nos com vida; por condenados e, no entanto, livres da morte; por tristes, nós que estamos sempre alegres; por pobres, nós que enriquecemos a muitos; por nada tendo e, no entanto, tudo possuindo (vv. 8-10). É assim a vida do cristão, particularmente daquele que mais directamente se empenha no apostolado. O temperamento de Paulo era especialmente adequado para ilustrar a situação extraordinária do cristão neste mundo, situação tantas vezes marcada por contrastes e oposições. Em todas essas situações, o Apóstolo revela transparência, sabedoria, tolerância, sinceridade, amor. É o estilo do homem evangélico vencedor, capaz de perder algo de si mesmo, ou que lhe pertence, para beneficiar a muitos. É a “cultura” do discípulo de Jesus, que sabe carregar a cruz como momento favorável, como dia de salvação.
No evangelho, Jesus convida os discípulos a viveram de modo desconcertante. Em vez de responderem ao mal com o mal, que é a reacção mais espontânea, até codificada no Antigo Testamento (“Olho por olho, dente por dente”), os discípulos devem contrapor ao mal o bem. É o contraste fundamental. «Se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a outra» (v. 39). Pode parecer uma atitude estúpida. Mas é profundamente cristã. S. Paulo vê-a como coisa divina.
«Dá a quem te pede e não voltes as costas a quem te pedir emprestado» (v. 42). Quando damos algo aos outros, não o retiramos da nossa riqueza. Poderíamos orgulhar-nos ou fazer pesar a nossa “generosidade” sobre aqueles a quem damos. Damos da nossa pobreza. Assim mantemo-nos humildes, pois, se ajudamos os outros, é por graça de Deus que o fazemos. É o paradoxo da vida apostólica e espiritual. O Senhor deixa-nos na nossa pobreza, na nossa humildade. Mas é aí, em mais uma situação paradoxal, que se manifesta o seu poder! Embora «pobres, enriquecemos a muitos», porque deixamos Deus actuar na nossa pobreza. Quem é pobre, não é pobre só porque reduz ao mínimo as suas exigências, mas porque tem muito para dar aos outros. A generosidade do dom é a medida da nossa pobreza. Permanecer pobres, usando muitos bens, é o testemunho de muitos santos, que realizaram obras grandiosas; é um dos testemunhos mais necessários na nossa sociedade de bem-estar, onde a abundância dos bens, em vez de abrir os corações à generosidade, muitas vezes os fecha, encerrando cada vez mais os homens no seu egoísmo.
Há religiosos que, por especial vocação, se sentem impelidos a servir Cristo Pobre, partilhando a condição social dos pobres (cf. Cst 50), e contentando-se com o que os pobres têm. Partilhando a vida dos sem recursos, a sua insegurança, as suas privações, demonstram que nenhuma situação social é pobre de bens espirituais e que a bondade de Deus até se inclina sobre os pobres com predilecção. Realiza-se, deste modo, a palavra do Senhor: «Bem-aventurados, vós, os pobres...» (Lc 6, 20). Será um anúncio credível e convincente, se o religioso que o proclama, demonstra, com a sua pobreza, que é bem-aventurado, porque é testemunho vivo de Cristo Pobre, que tem predilecção pelos pobres e se faz uma só coisa com eles. «A nossa predilecção irá para aqueles que têm maior necessidade de ser considerados e amados: estamos todos solidários com os nossos irmãos que se consagram ao seu serviço» (Cst 51).


* 3ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: 2 Coríntios 8, 1-9

Queremos dar-vos a conhecer, irmãos, a graça que Deus concedeu às igrejas da Macedónia. 2No meio das muitas tribulações com que foram provadas, a sua superabundante alegria e extrema pobreza transbordaram em tesouros de generosidade. 3Sou testemunha de que, segundo as suas possibilidades, e até além delas, com toda a espontaneidade 4e com muita insistência, pediram-nos a graça de participar neste serviço em favor dos santos. 5E indo além das nossas expectativas, deram-se a si mesmos, primeiro ao Senhor e depois a nós, pela vontade de Deus. 6Por isso, pedimos a Tito que, tal como a havia começado, levasse a bom termo, entre vós, esta obra de generosidade. 7Mas, dado que tendes tudo em abundância - fé, dom da palavra, ciência, toda a espécie de zelo e amor que em vós despertámos - cuidai também de sobressair nesta obra de caridade. 8Não o digo como quem manda, mas para pôr ainda à prova a sinceridade do vosso amor, servindo-me do zelo dos outros. 9Conheceis bem a bondade de Nosso Senhor Jesus Cristo que, sendo rico, se fez pobre por vós, para vos enriquecer com a sua pobreza.

Evangelho: Mateus 5, 43-48

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 43«Ouvistes o que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. 44Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem. 45Fazendo assim, tornar-vos-eis filhos do vosso Pai que está no Céu, pois Ele faz com que o Sol se levante sobre os bons e os maus e faz cair a chuva sobre os justos e os pecadores. 46Porque, se amais os que vos amam, que recompensa haveis de ter? Não fazem já isso os cobradores de impostos? 47E, se saudais somente os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos? 48Portanto, sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste.»

Reflexão

É curioso o modo como Paulo introduz o discurso que a Liturgia hoje nos propõe: «Queremos dar-vos a conhecer, irmãos, a graça que Deus concedeu às igrejas da Macedónia» (v. 1). Esta «graça» é, nada mais, nada menos, que a generosidade em favor da igreja de Jerusalém. Ser generoso é uma graça! Numa primeira reacção, poderíamos argumentar que não foi Deus que enviou recursos económicos à igreja de Jerusalém. Foram, sim, os Macedónios, que deram da sua própria pobreza. Mas Paulo chama a este esforço de partilha generosa uma graça de Deus, invertendo em certo sentido a situação. Mas é esta a leitura mais profunda deste gesto, como de toda a acção generosa. Isto, por duas razões. Primeiro porque, o que deram, afinal, tinham-no recebido de Deus; Deus ofereceu-lhes a possibilidade de ser generosos, passando a outros os dons que lhes tinha dado; poder dar é uma graça de Deus; a vontade de dar também é graça de Deus. A segunda razão é que, dando desinteressadamente, recebem de verdade o dom de Deus. A graça concedida por Deus às igrejas da Macedónia é a de viver no amor de Deus, receber o amor de Deus, participar activamente no seu amor. Não se pode receber o amor de Deus sem o transmitir a outros. Quem transmite o amor de Deus vive verdadeiramente nele, e recebe-o cada vez em maior grau. É este o sentido cristão da generosidade: união ao amor de Deus, condição para que este amor nos seja dado com uma generosidade cada vez maior, com aquela munificência de que fala Jesus no Evangelho, quando diz que o Pai faz surgir o sol para os bons e para os maus, e chover para os justos e injustos.
O fascinante projecto evangélico, que Jesus vai delineando, desafia os discípulos a uma perfeição semelhante à de Deus: «Sede perfeitos como é perfeito o vosso Pai celeste» (v. 48). Este Pai está «no céu». Esta expressão simboliza a elevação, a pureza, o espaço alargado do Reino. Assim deve ser o amor dos discípulos: elevado, puro, largo. O discípulo não encerra ninguém nas categorias de próximo e inimigo, de aliado e perseguidor, de mau e bom, de amigo e irmão. Em todos vê, simplesmente, um filho do Pai que está no céu e, portanto, um irmão. Se alguém persiste em ser perseguidor, mau, o cristão não o julga tal, mas ama-o, reza por ele, faz-lhe bem. Jesus não generaliza. Aponta casos muito concretos de que devemos amar, para não corrermos o risco de dizer que amamos a todos, não amando ninguém.
Como religiosos, é nossa tarefa lutar contra a miséria, aliviá-la e, se houver irmãos que têm o carisma de partilhar efectivamente a vida dos "miseráveis", há que encorajá-los e ajudá-los o mais possível nessa difícil missão. Mas o critério supremo da vida religiosa, como do cristianismo, não é a pobreza mas, sempre e só, a caridade. A pobreza evangélica é para libertar o religioso da escravidão da riqueza; mas também o liberta da escravidão da miséria. Para estar livre e se dedicar ao serviço da caridade, à oração, à actividade apostólica, o religioso não pode estar sujeito à preocupação diária de ganhar o pão, o vestuário, a digna habitação, meios de que não pode prescindir, enquanto vive nesta terra. Sem o necessário para viver, adeus liberdade! Afogar-se-ia fatalmente na luta pela sobrevivência, com todas as tensões e complicações, também psicológicas, que daí derivam. A vida religiosa, entre outras coisas, deve ser testemunho da verdadeira pobreza cristã, isto é, de um nível de vida digno da pessoa humana, que não é certamente o nível da indigência e da miséria. Os primeiros cristãos julgaram justamente um dever que entre eles não houvesse alguém «necessitado» (cf. Act 4, 34). No texto da primeira leitura, Paulo, ao solicitar ajuda para a igreja de Jerusalém, anota: «Não se trata de, ao aliviar os outros, vos fazer entrar em apuros, mas sim de que haja igualdade». (2 Cor 8, 13). Que todos tenham, pelo menos, o necessário para viver. «Que haja igualdade!».


* 4ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: 2 Coríntios 9, 6-11

Irmãos, ficai sabendo: Quem pouco semeia, também pouco colherá; mas quem semeia com generosidade, com generosidade também colherá. 7Cada um dê como dispôs em seu coração, sem tristeza nem constrangimento, pois Deus ama quem dá com alegria. 8E Deus tem poder para vos cumular de toda a espécie de graça, para que, tendo sempre e em tudo quanto vos é necessário, ainda vos sobre para as boas obras de todo o género. 9Como está escrito: Distribuiu, deu aos pobres; a sua justiça permanece para sempre. 10Aquele que dá a semente ao semeador e o pão em alimento, também vos dará a semente em abundância e multiplicará os frutos da vossa justiça. 11Assim, sereis enriquecidos em tudo, para exercer toda a espécie de generosidade que suscitará, por nosso intermédio, a acção de graças a Deus.

Evangelho: Mateus 6, 1-6.16-18

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 1«Guardai-vos de fazer as vossas boas obras diante dos homens, para vos tornardes notados por eles; de outro modo, não tereis nenhuma recompensa do vosso Pai que está no Céu. 2Quando, pois, deres esmola, não permitas que toquem trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo: Já receberam a sua recompensa. 3Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita, 4a fim de que a tua esmola permaneça em segredo; e teu Pai, que vê o oculto, há-de premiar-te.» 5«Quando orardes, não sejais como os hipócritas, que gostam de rezar de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. 6Tu, porém, quando orares, entra no quarto mais secreto e, fechada a porta, reza em segredo a teu Pai, pois Ele, que vê o oculto, há-de recompensar-te. 16«E, quando jejuardes, não mostreis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto para que os outros vejam que eles jejuam. Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa. 17Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, 18para que o teu jejum não seja conhecido dos homens, mas apenas do teu Pai que está presente no oculto; e o teu Pai, que vê no oculto, há-de recompensar-te.»

Reflexão

«Deus ama quem dá com alegria», afirma Paulo. Com estas palavras, o Apóstolo procura estimular a generosidade dos Coríntios para com a igreja de Jerusalém. Deus é o primeiro dador. Ele mesmo está na alegria, é alegre. Por isso, tem particular predilecção e aprova o «alegre dador». Esta formulação do texto original aumenta a qualidade da pessoa. Deus ama, não só aquele que faz dons com alegria, mas ama sobretudo o dador alegre, isto é, aquele que é alegre e faz dons simultaneamente como unitária personalidade. Este passar do fazer dons com alegria (episódios de bondade) ao ser feliz dador (continuidade) é outro máximo a que somos chamados, como filhos de Deus.
Jesus quer que entremos em comunhão com o Pai, dador de todos os bens. Deu-se a nós na Eucaristia para que, em comunhão com Ele, entremos em comunhão com o Pai. A recta intenção, ou sinceridade no amor, que nos leva a fazer o bem sem esperar recompensa, é condição para entrarmos em comunhão com Ele e com o Pai. Havemos de procurar a comunhão com Deus, e nada mais. Havemos de fazer o bem porque Deus ama o bem e porque, fazendo o bem estamos em comunhão com Ele. Que vale a recompensa terrena, diante da alegria de estar em comunhão com Deus? Jesus alerta-nos para tudo isto com imagens exageradas, que tocam a nossa fantasia e ficam impressas na memória: «Quando deres esmola, não permitas que toquem trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, a fim de serem louvados pelos homens. Em verdade vos digo: Já receberam a sua recompensa» (v. 2); «Quando deres esmola, que a tua mão esquerda não saiba o que faz a tua direita, a fim de que a tua esmola permaneça em segredo; e teu Pai, que vê o oculto, há-de premiar-te» (v. 3-4). Trata-se de um estilo muito vivo usado por Jesus para nos dizer que, quando fazemos o bem, quase nós mesmos o devemos ignorar, para não sermos tomados pela vanglória. O mesmo sucede com a concreta descrição dos que rezam «de pé nas sinagogas e nos cantos das ruas, para serem vistos pelos homens... Já receberam a sua recompensa» (v. 5).
O cuidado com que Jesus ministrava os seus ensinamentos, ensina-nos, também a nós, a cuidar da forma do que fazemos por Deus, pelo Evangelho, mas também pelos mais carenciados. A esmola que lhes damos não é apenas a esmola, em sentido literal, mas também a misericórdia, a compaixão, a solidariedade que comunica o amor de Deus, que tem o seu supremo ícone no Coração trespassado de Cristo.


* 5ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: 2 Coríntios 11, 1-11

Irmãos: oxalá pudésseis suportar um pouco de insensatez da minha parte! Mas, de certo, ma suportareis. 2Sinto por vós um ciúme semelhante ao ciúme de Deus, pois vos desposei com um único esposo, Cristo, a quem devo apresentar-vos como virgem pura. 3Mas receio que, como a serpente seduziu Eva com a sua astúcia, os vossos pensamentos se deixem corromper, desviando-se da simplicidade que é devida a Cristo. 4Pois de boamente aceitais alguém que surge a pregar-vos outro Jesus diferente daquele que nós pregámos, ou acolheis um espírito diferente daquele que recebestes, ou um Evangelho diverso daquele que abraçastes. 5Ora, eu penso que em nada sou inferior a esses superapóstolos. 6E embora seja menos perito na palavra, não o sou, certamente, na ciência. Em tudo e de todas as maneiras vo-lo temos demonstrado. 7Porventura cometi alguma falta, ao humilhar-me para vos exaltar, quando vos anunciei gratuitamente o Evangelho de Deus? 8Despojei outras igrejas, recebendo delas o sustento para vos servir, 9e encontrando-me necessitado no meio de vós, não fui pesado a ninguém, pois os irmãos vindos da Macedónia é que proveram às minhas necessidades. Em tudo me guardei de vos ser molesto e continuarei a fazê-lo. 10Pela verdade de Cristo que está em mim, não me será tirado este motivo de glória nas regiões da Acaia. 11E porquê? Porque não vos amo? Deus o sabe!

Evangelho: Mateus 6, 7-15

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 7«Nas vossas orações, não sejais como os gentios, que usam de vãs repetições, porque pensam que, por muito falarem, serão atendidos. 8Não façais como eles, porque o vosso Pai celeste sabe do que necessitais antes de vós lho pedirdes.» 9«Rezai, pois, assim: ‘Pai nosso, que estás no Céu, santificado seja o teu nome, 10venha o teu Reino; faça-se a tua vontade, como no Céu, assim também na terra. 11Dá-nos hoje o nosso pão de cada dia; 12perdoa as nossas ofensas, como nós perdoámos a quem nos tem ofendido; 13e não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do Mal.’ 14Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai celeste vos perdoará a vós. 15Se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, também o vosso Pai vos não perdoará as vossas.»

Reflexão

Nos primeiros tempos da Igreja, o Pai nosso fazia parte da coisas secretas da fé cristã. Os catecúmenos só o recebiam na vigília do Baptismo, quando também lhes era explicada a Eucaristia. Os que o recebiam guardavam-no como uma verdadeira relíquia, e ficavam ansiosamente à espera do momento em que, saindo da fonte baptismal, «rodeados pelos irmãos e apresentados pela mãe Igreja», elevassem as mãos aos céus, e pudessem rezar pela primeira vez: «Pai nosso!», dando-se a conhecer a todos como filhos de Deus. É o que nos refere Tertuliano no seu livro sobre o Baptismo. É bom recordarmos estas coisas, porque talvez tenhamos banalizado o Pai nosso, repetindo-o maquinalmente, sem pensarmos no que estamos a dizer. Talvez tenhamos deixado perder o sentido de mistério tremendo que se esconde nessas palavras saídas da boca de Deus, e dirigidas aos ouvidos do mesmo Deus!
Precisamos de recuperar o Pai nosso da rotina com que o rezamos e que é como que uma camada de pó, que sobre ele se foi depositando, não o deixando brilhar dentro de nós. Dirigimo-nos a Deus chamando-lhe «Pai» e essa palavra já não provoca em nós qualquer emoção! Temos, pois, que recebê-lo novamente das mãos de Jesus, como quando os Apóstolos, vendo-O rezar, Lhe disseram: «Senhor, ensina-nos a rezar!» (Lc 11, 1). Então, Jesus, disse-lhes: «Quando orardes, dizei: Pai nosso». Que enorme espanto terão sentido os Discípulos ao escutarem a oração do Senhor, ao pronunciá-la pela primeira vez! O Pai nosso nasce do Coração de Jesus! É a oração do Filho ao Pai. Foi ao observar essa relação de profunda intimidade na oração, que os Discípulos perceberam que não sabiam rezar, que tinham de aprender a rezar com Jesus. E pediram -Lhe: «Senhor, ensina-nos a rezar!» (Lc 11, 1). Jesus ensinou-lhes a sua oração. O Pai nosso é a oração da Cabeça, comunicada aos Membros, que se torna oração de todo o Corpo de Cristo, que é Ele (Cabeça) e a Igreja (Corpo).
Quando rezamos o Pai nosso unimo-nos a Cristo que reza, unimo-nos aos seus sentimentos de respeito pelo Pai, aos seus sentimentos de ardor, de confiança, atrevimento, de emoção, de perseverança. O Pai nosso é a onda da oração de Jesus, que se propaga ao longo dos séculos e, como um pacífico tsunami, vai engrossando e tornando-se cada vez mais alterosa, ao recolher todas as vozes de súplica, todos os gritos que os homens erguem ao Céu.
Há uma grande semelhança entre o Pai nosso e a Eucaristia. A Eucaristia, perpetua Jesus que se dá ao Pai pelos homens, Jesus que está no meio de nós «como Aquele que serve» (Lc 22, 37). No Pai nosso, perpetua-se a presença de Jesus que «reza». O Senhor poderia dizer: «Estou no meio de vós como Aquele que reza». Ele está «sempre vivo a interceder por nós» (Heb 7, 25). Na Eucaristia, comungamos no Corpo de Cristo; no Pai nosso, comungamos na oração de Cristo. Trata-se de uma verdadeira «comunhão espiritual», que podemos repetir todos as vezes que quisermos, mesmo quando não é possível a comunhão sacramental. O Pai nosso é o Evangelho abreviado, o Evangelho em oração. Escreve S. Cipriano: «São poucas as palavras, mas é grande o seu poder espiritual. Não falta absolutamente nada nesta oração de súplica e de louvor, que forma um verdadeira síntese da doutrina celeste». O Pai nosso é um sopro vivo do Evangelho, que sai da boca d´Aquele que é o Evangelho em Pessoa, Jesus. Procuremos lê-lo, meditá-lo e rezá-lo desse modo, e nessa perspectiva


* 6ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: 2 Coríntios 11, 18.21b-30

Irmãos: Já que muitos se gloriam por motivos humanos, também eu o vou fazer. 19Na verdade, tão sensatos como sois, suportais de bom grado os insensatos. 20Suportais quem vos escraviza, vos devora, vos explora, vos trata com arrogância, vos esbofeteia. 21Para nossa vergonha o digo: como fracos nos mostramos. Mas daquilo de que alguém se faz forte - eu falo como insensato - também eu me posso fazer. 22São hebreus? Também eu. São israelitas? Também eu. São descendentes de Abraão? Também eu. 23São ministros de Cristo? - Falo a delirar - eu ainda mais: muito mais pelos trabalhos, muito mais pelas prisões, imensamente mais pelos açoites, muitas vezes em perigo de morte. 24Cinco vezes recebi dos Judeus os quarenta açoites menos um. 25Três vezes fui flagelado com vergastadas, uma vez apedrejado, três vezes naufraguei, e passei uma noite e um dia no alto mar. 26Viagens a pé sem conta,perigos nos rios, perigos de salteadores, perigos da parte dos meus irmãos de raça, perigos da parte dos pagãos, perigos na cidade, perigos no deserto, perigos no mar, perigos da parte dos falsos irmãos! 27Trabalhos e duras fadigas, muitas noites sem dormir, fome e sede, frequentes jejuns, frio e nudez! 28Além de outras coisas, a minha preocupação quotidiana, a solicitude por todas as igrejas! 29Quem é fraco, sem que eu o seja também? Quem tropeça, sem que eu me sinta queimar de dor? 30Se é mesmo preciso gloriar-se, é da minha fraqueza que me gloriarei.

Evangelho: Mateus 6, 19-23

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 19«Não acumuleis tesouros na terra, onde a traça e a ferrugem os corroem e os ladrões arrombam os muros, a fim de os roubar. 20Acumulai tesouros no Céu, onde a traça e a ferrugem não corroem e onde os ladrões não arrombam nem furtam. 21Pois, onde estiver o teu tesouro, aí estará também o teu coração. 22A lâmpada do corpo são os olhos; se os teus olhos estiverem sãos, todo o teu corpo andará iluminado. 23Se, porém, os teus olhos estiverem doentes, todo o teu corpo andará em trevas. Portanto, se a luz que há em ti são trevas, quão grandes serão essas trevas!

Reflexão

O evangelho de hoje alerta-nos para o perigo da cegueira: «A lâmpada do corpo são os olhos; se os teus olhos estiverem sãos, todo o teu corpo andará iluminado. Se, porém, os teus olhos estiverem doentes, todo o teu corpo andará em trevas» (v. 22-23a). Que ligação existe entre estas palavras e a primeira parte do evangelho? Existe, pelo menos, uma bastante directa: a doença dos olhos é a ambição. O ambicioso não vê mais do que o seu interesse. Por isso, vai atrás de tudo o que possa vir a possuir e, sem ver os outros, nem enxergar os verdadeiros valores, avança na direcção errada, como um verdadeiro cego. Mas o Senhor quer que os nossos olhos estejam sãos, para que todo o nosso corpo esteja iluminado. Olhos sadios são a recta intenção, a atitude altruísta. Estes olhos são dom da graça e resultado da nossa colaboração generosa com ela. Havemos de pedi-los ao Senhor.
Aqueles que são iluminados pelo Senhor sabem que o tesouro não são os bens terrenos, certamente preciosos, mas sujeitos a deteriorar-se, a ser roubados. De qualquer modo, são passageiros. O verdadeiro tesouro é o reino dos céus. Em vista dele, vale a pena vender tudo quanto se tem, para o comprar e possuir. O reino torna-se visível no seguimento de Cristo, em pobreza evangélica compensada por «um tesouro no céu» (Mt 19, 21). O «céu» como lugar do depósito e de reapropriação do «tesouro» é certamente a «vida eterna no céu», mas é também o amadurecimento daquela vida que, «no reino dos céus», equivale ao discipulado do Evangelho, ao seguimento de Cristo, à comunhão eclesial na história.
Os discípulos sabem que o Verbo de Deus é a luz verdadeiro que veio ao mundo para iluminar todo o homem (Jo 1, 4.9; 3, 19). Aprenderam do próprio Jesus que é Ele a «luz do mundo», de tal modo que, quem O segue «não anda nas trevas mas terá a luz da vida» (Jo 8, 12). Aprenderam que, eles mesmos, são a luz do mundo, com o compromisso de testemunhar o seu fulgor (Mt 5, 14-16). Os discípulos sabem que as «trevas» estão fora do Reino, e naqueles que lhe são estranhos. As «trevas» são ausência dos valores evangélicos, afastamento e recusa existencial de Cristo. São lugar de choro e ranger de dentes (Mt 22, 13; 25, 30).
Tal como Jesus, nós não somos do mundo, mas, como apóstolos, n´Ele Apóstolo, enviado pelo Pai, como religiosos de «um Instituto religioso apostólico» (Cst. 1), estamos no mundo, e devemos mesmo ser «luz do mundo» (Mt 5, 14). Diz Paulo: «Não vos conformeis com este século, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, a fim de conhecerdes a vontade de Deus: o que é bom, o que Lhe é agradável e o que é perfeito» (Rm 12, 2). Quando? No momento presente, no «Hoje de Deus» (Cst 144).


* SÁBADO - Anos Ímpares

Primeira leitura: 2 Coríntios 12, 1-10

Irmãos: é necessário que me glorie? Na verdade, não convém! Apesar disso, recorrerei às visões e revelações do Senhor. 2Sei de um homem, em Cristo, que, há catorze anos - ignoro se no corpo ou se fora do corpo, Deus o sabe! - foi arrebatado até ao terceiro céu. 3E sei que esse homem - ignoro se no corpo ou se fora do corpo, Deus o sabe! - 4foi arrebatado até ao paraíso e ouviu palavras inefáveis que não é permitido a um homem repetir. 5Desse homem gloriar-me-ei; mas de mim próprio não me hei-de gloriar, a não ser das minhas fraquezas. 6Decerto, se quisesse gloriar-me, não seria insensato, pois diria a verdade. Mas abstenho-me, não vá alguém formar de mim um juízo superior ao que vê em mim ou ouve dizer de mim. 7E porque essas revelações eram extraordinárias, para que não me enchesse de orgulho, foi-me dado um espinho na carne, um anjo de Satanás, para me ferir, a fim de que não me orgulhasse. 8A esse respeito, três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de mim. 9Mas Ele respondeu-me: «Basta-te a minha graça, porque a força manifesta-se na fraqueza.»De bom grado, portanto, prefiro gloriar-me nas minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo. 10Por isso me comprazo nas fraquezas, nas afrontas, nas necessidades, nas perseguições e nas angústias, por Cristo. Pois quando sou fraco, então é que sou forte.

Evangelho: Mateus 6, 24-34

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 24«Ninguém pode servir a dois senhores: ou não gostará de um deles e estimará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro. Não podeis servir a Deus e ao dinheiro.» 25«Por isso vos digo: Não vos inquieteis quanto à vossa vida, com o que haveis de comer ou beber, nem quanto ao vosso corpo, com o que haveis de vestir. Porventura não é a vida mais do que o alimento, e o corpo mais do que o vestido? 26Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam nem recolhem em celeiros; e o vosso Pai celeste alimenta-as. Não valeis vós mais do que elas? 27Qual de vós, por mais que se preocupe, pode acrescentar um só côvado à duração de sua vida? 28Porque vos preocupais com o vestuário? Olhai como crescem os lírios do campo: não trabalham nem fiam! 29Pois Eu vos digo: Nem Salomão, em toda a sua magnificência, se vestiu como qualquer deles. 30Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que hoje existe e amanhã será lançada ao fogo, como não fará muito mais por vós, homens de pouca fé? 31Não vos preocupeis, dizendo: ‘Que comeremos, que beberemos, ou que vestiremos?’ 32Os pagãos, esses sim, afadigam-se com tais coisas; porém, o vosso Pai celeste bem sabe que tendes necessidade de tudo isso. 33Procurai primeiro o Reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais se vos dará por acréscimo. 34Não vos preocupeis, portanto, com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã já terá as suas preocupações. Basta a cada dia o seu problema.»

Reflexão

«De bom grado prefiro gloriar-me nas minhas fraquezas, para que habite em mim a força de Cristo», afirma Paulo (v. 9). Não é facil gloriar-nos das nossas fraquezas, da nossa sorte humilde, escondida, obscura. Mas, quando temos, ou julgamos ter, alguma razão para nos gloriar, facilmente caímos no orgulho. Paulo estava consciente desse perigo por causa das «revelações extraordinárias» que recebera. Deus permitiu-lhe o «espinho na carne», que lhe fazia recordar permanente a sua fragilidade, mas que também lhe dava a certeza de que a força de Deus lhe era mais do que suficiente para viver e realizar a missão que lhe fora confiada. «Basta-te a minha graça, porque a força manifesta-se na fraqueza», diz-lhe o Senhor. O Apóstolo confia, abandona-se, e acaba por verificar a verdade dessas palavras. Por isso, exclama: «Quando sou fraco, então é que sou forte» (v. 10). Estas palavras são resultado duma experiência forte e dura da sua fragilidade, mas também do poder de Deus, que está com aqueles que escolhe e chama ao seu serviço.
A experiência de Paulo repetiu-se inúmeras vezes na vida dos santos. Mas, ainda antes de Paulo, fê-la a Virgem de Nazaré. Maria reconheceu a sua pequenez, a sua fragilidade, mas também se alegrou com ela, porque lhe atraía especial atenção de Deus: «O meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador. Porque pôs os olhos na humildade da sua serva» (Lc 1, 47). Perante a missão que o Senhor lhe confia, Maria permanece tranquila, contente, em paz, abandonada à vontade de Deus. Não se preocupa consigo, mas com o projecto em que Deus a quer envolver. E assim viverá toda a vida, ao lado de Jesus, cuidando dele, servindo, acompanhando-o até ao Calvário, em atitude de paz e de confiança.
Como para Maria, como para Paulo, também para todo o Oblato-Sacerdote do Coração de Jesus, o apostolado é um acto de culto, uma liturgia, na qual Cristo oferece os homens como vítimas ao Pai (cf. Rm 15, 16; Fl 2, 17). É uma “redamatio”, uma resposta de amor, realizada na união de amor e de sofrimento com Cristo (cf. 2 Cor 2, 15; 4, 7.10.12; cf. Cst 31.35).
Referindo-nos ao exemplo de Paulo, é significativo o facto de que ele não ponha em primeiro plano a organização da sua obra de evangelização em Corinto, as suas fadigas, o ter-se «feito tudo para todos» (1 Cor 9, 23). O que torna eficaz o seu apostolado é a sua assimilação a Cristo, o reviver o Seu sacrifício. Compreendemos como, mesmo na fraqueza do Apóstolo, de todo o Oblato-Sacerdote do Coração de Jesus, e de todo o cristão, a graça de Cristo, por meio do Espírito, alcance a sua máxima eficácia (cf. 2 Cor 12, 9-10; cf. Fl 2, 17).

Ricardo Igreja

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