quinta-feira, 24 de março de 2011

IX DOMINGO TEMPO COMUM

* DOMINGO


«Nem todo aquele que Me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no reino dos Céus»


LEITURA I – Deut 11,18.26-28.32

Moisés falou ao povo dizendo: «As palavras que eu vos digo, gravai-as no vosso coração e na vossa alma, atai-as à mão como um sinal e sejam como um frontal entre os vossos olhos. Ponho hoje diante de vós a bênção e a maldição: a bênção, se obedecerdes aos mandamentos do Senhor, vosso Deus, que hoje vos prescrevo; a maldição, se não obedecerdes aos mandamentos do Senhor, vosso Deus, afastando-vos do caminho que hoje vos indico, para seguirdes outros deuses que não conhecestes. Portanto, procurai pôr em prática todos os preceitos e normas que hoje vos proponho».

LEITURA II – Rom 3,21-25a.28

Irmãos: Independentemente da Lei de Moisés, manifestou-se agora a justiça de Deus, de que dão testemunho a Lei e os Profetas; porque a justiça de Deus vem pela fé em Jesus Cristo, para todos e sobre todos os crentes. De facto não há distinção alguma, porque todos pecaram e estão privados da glória de Deus; e todos são justificados de maneira gratuita pela sua graça, em virtude da redenção realizada em Cristo Jesus, que Deus apresentou como vítima de propiciação, mediante a fé, pelo seu sangue, para manifestar a sua justiça. Na verdade, estamos convencidos de que o homem é justificado pela fé, sem as obras da Lei.

EVANGELHO – Mt 7,21-27

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Nem todo aquele que Me diz ‘Senhor, Senhor’ entrará no reino dos Céus, mas só aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos Céus. Muitos Me dirão no dia do Juízo: ‘Senhor, Senhor, não foi em teu nome que profetizámos e em teu nome que expulsámos demónios e em teu nome que fizemos tantos milagres?’ Então lhes direi bem alto: ‘Nunca vos conheci. Apartai-vos de Mim, vós que praticais a iniquidade’. Todo aquele que ouve as minhas palavras e as põe em prática é como o homem prudente que edificou a sua casa sobre a rocha. Caiu a chuva, vieram as torrentes e sopraram os ventos contra aquela casa; mas ela não caiu, porque estava fundada sobre a rocha. Mas todo aquele que ouve as minhas palavras e não as põe em prática é como o homem insensato que edificou a sua casa sobre a areia. Caiu a chuva, vieram as torrentes e sopraram os ventos contra aquela casa; ela desmoronou-se e foi grande a sua ruína».

Reflexão

O nosso texto apresenta duas partes, com dois temas distintos. No entanto, tanto uma como outra apelam a uma vida de coerência com a Palavra de Deus e com as propostas de Jesus.
Na primeira parte (vers. 21-23), Mateus oferece à sua comunidade critérios para identificar os falsos profetas, os falsos discípulos. A descrição de Mateus é bastante real (o que parece sugerir que esses falsos profetas eram, na comunidade de Mateus, mais uma realidade do que uma possibilidade)… Eles dizem “Senhor, Senhor”, mas não fazem a vontade de Deus; profetizam, expulsam demónios, fazem milagres em nome de Deus, mas não mantêm com Deus uma relação de comunhão e de intimidade; têm Deus nos lábios, mas o seu coração está cheio de iniquidade… Falam muito e bem, mas as suas obras denunciam a sua falsidade. O verdadeiro profeta, o verdadeiro discípulo, é aquele que, para além das palavras que diz, faz a vontade do Pai que está nos céus.
Na segunda parte (vers. 24-27), temos a parábola das duas casas – uma construída sobre a areia e outra construída sobre a rocha.
Na perspectiva de Mateus, o que é construir a casa sobre a rocha? A situação da perícopa – no final do “sermão da montanha” – di-lo claramente: é construir a vida de acordo com os ensinamentos e propostas apresentados por Jesus no “sermão da montanha”. Esse é o caminho seguro para encontrar um sentido para a própria existência. As vicissitudes da caminhada não impedirão o homem de alcançar a vida plena, se a sua vida estiver construída sobre a Palavra de Jesus.
Na perspectiva de Mateus, o que é construir a casa sobre a areia? É seguir o caminho do próprio egoísmo e da própria auto-suficiência, à margem das propostas apresentadas por Jesus no “sermão da montanha”. Nessas circunstâncias, a “casa” desmoronar-se-á rapidamente e não dará qualquer garantia de eternidade, de vida plena e definitiva.
No conjunto, o Evangelho de hoje convida a comunidade de Mateus (marcada pela rotina, pela instalação, pelo desânimo, pelo desleixo, pelo desnorte, pela confusão trazida pelos “falsos profetas”) e as comunidades cristãs de todos os tempos, a enraizar a sua vida na Palavra de Jesus e a traduzir essa adesão em acções concretas. A Palavra de Jesus tem de ser, realmente, assumida, interiorizada, transformada em vida concreta pelo crente. Não basta invocar o Senhor, ou ter gestos externos de piedade – mesmo que esses gestos sejam espectaculares: é preciso viver dia a dia, momento a momento, com fidelidade e constância, as propostas de Jesus.


* 2ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Tobite 1, 3; 2, 1b-9

Eu, Tobite, andei sempre pelos caminhos da verdade e da justiça, durante todos os dias da minha vida, dando muitas esmolas aos meus irmãos, os da minha nação que comigo tinham sido levados cativos para a terra dos assírios, em Nínive. Pela festa do Pentecostes, que é a nossa festa das Semanas, mandei preparar um bom almoço e reclinei-me para comer. 2Mas, ao ver a mesa coberta com tantas comidas finas, disse a Tobias: «Filho, vai procurar, entre os nossos irmãos cativos em Nínive, um pobre que seja de coração fiel, e trá-lo para que participe da nossa refeição. Eu espero por ti, meu filho.» 3Tobias saiu à procura de um pobre entre os nossos irmãos. Ao regressar disse: «Pai.» Eu respondi: «Eis-me aqui, meu filho.» Tobias continuou: «Pai, alguém da nossa linhagem está morto na praça pública, onde o estrangularam.» 4Levantei-me, então, sem nada ter comido e levei o cadáver da praça para um casebre, esperando o pôr do sol para o poder sepultar. 5A seguir, voltei, lavei-me e almocei com tristeza, 6recordando-me das palavras do profeta Amós, ditas sobre Betel: «As vossas festas converter-se-ão em luto e os vossos cantos, em lamentações.» E eu chorei. 7Quando mais tarde o sol se pôs, saí, cavei uma cova e sepultei-o. 8Os meus vizinhos, porém, zombavam de mim, dizendo: «Ainda agora não tem medo. Já o procuraram para o matar por causa disso e teve de fugir; contudo, ei-lo de novo a sepultar os mortos.»

Evangelho : Marcos 12, 1-12

Naquele tempo, 1Jesus começou a falar-lhes em parábolas: «Um homem plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou nela um lagar e construiu uma torre. Depois, arrendou-a a uns vinhateiros e partiu para longe. 2A seu tempo enviou aos vinhateiros um servo, para receber deles parte do fruto da vinha. 3Eles, porém, prenderam-no, bateram-lhe e mandaram-no embora de mãos vazias. 4Enviou-lhes, novamente, outro servo. Também a este partiram a cabeça e cobriram de vexames. 5Enviou outro, e a este mataram-no; mandou ainda muitos outros, e bateram nuns e mataram outros. 6Já só lhe restava um filho muito amado. Enviou-o por último, pensando: ‘Hão-de respeitar o meu filho’. 7Mas aqueles vinhateiros disseram uns aos outros: ‘Este é o herdeiro. Vamos matá-lo e a herança será nossa’. 8Apoderaram-se dele, mataram-no e lançaram-no fora da vinha. 9Que fará o dono da vinha? Regressará e exterminará os vinhateiros e entregará a vinha a outros. 10Não lestes esta passagem da Escritura:A pedra que os construtores rejeitaram tornou-se pedra angular. 1Tudo isto é obra do Senhor e é admirável aos nossos olhos?» 12Eles procuravam prendê-lo, mas temiam a multidão; tinham percebido bem que a parábola era para eles. E deixando-o, retiraram-se.

Reflexão

As leituras, que hoje escutamos, apresentam-nos dois ícones de atitudes e comportamentos com que, também nós, naturalmente nos confrontamos sempre que temos de tomar certas decisões: Tobias, homem generoso e serviçal, que não teme expor-se aos maiores perigos para ser fiel à Lei de Deus e às tradições do seu povo; os vinhateiros, homens egoístas, que tudo querem para si, não olhando a meios para alcançar o que pretendem, incluindo o homicídio.
Também nós, muitas vezes, somos chamados a fazer opções. Podemos deixar-nos guiar por critérios idênticos aos dos vinhateiros, querendo apoderar-nos de tudo para satisfazermos o nosso egoísmo. Mas convém deixar-nos orientar pelos critérios de Tobite, homem de coração grande, sempre orientado para o bem. Ele não faz caso do juízo dos homens, e age com liberdade e rectidão. Não se sente feliz sozinho, e faz seu o drama do povo. Não hesita perante os riscos que corre, e está disposto a pagar pessoalmente pela sua fidelidade. Pratica com assiduidade o acolhimento, a misericórdia e a benevolência pela dignidade dos seus irmãos. Escolhendo a generosidade de Tobite, estamos na linha de Cristo, que veio para servir. A parábola evangélica que escutamos evoca efectivamente a paixão de Jesus e a sua ressurreição. Reflectindo sobre ela, descobrimos a atitude do Pai, que nos ajuda a amar e a honrar o Filho: «O Pai ama o Filho», diz Jesus (Jo 3, 35; 5, 20). Na parábola, o amor do Pai é revelado por um adjectivo: «Já só lhe restava um filho muito amado» (v. 6). Se amamos a Jesus, estamos na linha do Pai, e correspondemos ao seu desejo manifestado nesta parábola: «Hão-de respeitar o meu filho» (v. 6). Estas palavras revelam o amor do Pai e a intenção que tinha ao enviar ao mundo o Filho muito amado: «Hão-de respeitar o meu filho». Meditemos estas palavras. Rezemo-las. O Pai, nesta parábola, manifesta-se como o primeiro reparador, se entendermos a reparação como amor a Jesus, como correspondência ao seu amor. A Palavra de Deus faz-nos entrever o mistério de Cristo como manifestação de uma reparação iniciada pelo próprio Pai. À extrema humilhação de Jesus infligida pelos homens, o Pai responde com a glorificação da Pedra que os construtores rejeitaram: «A pedra que os construtores rejeitaram transformou-se em pedra angular? Isto é obra do Senhor» (Mt 21, 42). A primeira reparação é «obra do Senhor», de Deus Pai.
Depois da morte e da ressurreição de Jesus, o desejo do Pai - «Hão-de respeitar o meu filho» - há-de ser levado muito a sério por cada um de nós, cristãos, porque Jesus deu a vida por nós, tornando-se fundamento da nossa fé e do nosso amor. Deixemo-nos, pois, guiar até Jesus pelo amor do Pai.
Uma das dimensões da reparação indicadas pelas nossas Constituições, na linha da tradição espiritual que vem de S. Margarida Maria, é a correspondência ao amor de Cristo: «Entendemos a reparação como resposta ao amor de Cristo por nós» (Cst 23).


* 3ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Tobite 2, 9-14

Eu, Tobite, naquela noite de Pentecostes, depois de ter enterrado o cadáver, lavei-me, entrei no pátio da casa e deitei-me junto do muro, deixando a face descoberta por causa do calor. 10Não sabia que havia pássaros no muro por cima de mim e, tendo os olhos abertos, os pássaros deixaram cair nos meus olhos excremento quente, dando origem a umas manchas brancas. Procurei os médicos para me tratarem. Contudo, quanto mais me aplicavam medicamentos, mais se me cegavam os olhos por causa das escamas, até que perdi totalmente a vista. Fiquei cego quatro anos. Todos os meus irmãos se afligiam por minha causa e Aicar sustentou-me por dois anos, antes de partir para Elimaida. 11Nessa época, Ana, minha mulher, trabalhava em labores femininos, tecendo a lã 12que depois mandava aos patrões recebendo em seguida o pagamento. Ora, no sétimo dia do mês de Distro, cortou o tecido que confeccionara e mandou-o aos que o tinham encomendado; estes pagaram-lhe o preço devido e ainda lhe ofereceram um cabrito pelo tecido. 13Quando o cabrito chegou a casa, começou a balir. Chamei, então, Ana e disse-lhe: «De onde veio este cabrito? Não terá sido furtado? Devolve-o aos seus donos, porque não nos é lícito comer coisa alguma furtada.» 14Disse-me ela: «Foi-me dado de presente, além do meu salário.» Contudo, não acreditando nela, mandei que o devolvesse aos donos, envergonhando-me do seu procedimento. Porém, ela respondeu: «Onde estão as tuas esmolas? Onde estão as tuas boas obras? Aí tens, agora, o resultado».

Evangelho: Marcos 12, 13-17

Naquele tempo, 13foram enviados a Jesus alguns fariseus e partidários de Herodes, a fim de o apanharem em alguma palavra. 14Aproximando-se, disseram-lhe: «Mestre, sabemos que és sincero, que não te deixas influenciar por ninguém, porque não olhas à condição das pessoas mas ensinas o caminho de Deus, segundo a verdade. Diz-nos, pois: é lícito ou não pagar tributo a César? Devemos pagar ou não?» 15Jesus, conhecendo-lhes a hipocrisia, respondeu: «Porque me tentais? Trazei-me um denário para Eu ver.» 16Trouxeram-lho e Ele perguntou: «De quem é esta imagem e a inscrição?» Responderam: «De César.» 17Jesus disse: «Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus.» E ficaram admirados com Ele.

Reflexão

Impressiona-nos a atitude de um homem, como Tobite, que, atingido pela cegueira, agradece a Deus: na «desgraça da cegueira que o tinha atingido, Tobite deu graças ao Senhor todos os dias da sua vida». É a atitude do verdadeiro crente na provação: em vez de se escandalizar com Deus, continua a dar-Lhe graças, porque sabe que o Senhor não o abandona e continua a enchê-lo de bens. Quantas vezes vemos à nossa volta pessoas boas que sofrem duramente! Quantas vezes, nós mesmos, mergulhamos na dor! Diante das nossas reacções de murmuração e revolta, diante dos nossos gritos de desânimo e de angústia, diante do vacilar da nossa fé, a resposta de Tobite desconcerta-nos. As suas palavras soam a música de outro mundo: «Deu graças ao Senhor!» Os amigos riem-se dele, a mulher insulta-o, a cegueira incapacita-o, a incompreensão e as mofa dos vizinhos atormentam-no. Mas Tobite bendiz a Deus.
Tobite é figura de Jesus que, na última ceia, antes da sua paixão, bendiz o Pai ao tomar o pão que estava para se tornar seu corpo entregue por nós. Jesus reconheceu na paixão um dom do Pai. Depois de Jesus, cada provação é uma possibilidade, uma ocasião de amor e de união a todos os que sofrem. Por isso, é justo que se dê graças a Deus pelo amor que nos quer comunicar.
A resposta de Jesus à pergunta insidiosa dos fariseus é simultaneamente simples e complexa, podendo explicar-se de várias maneiras. Hoje, sublinho o sentido de coerência que Jesus quer ensinar aos adversários, que apenas procuravam ocasião para o acusar: «Trazei-me um denário para Eu ver», diz Jesus. Trouxeram-lho. Assim mostraram que, eles mesmos, usavam a moeda romana, negociando e obtendo lucros com ela. Estavam, pois, comprometidos com a estrutura criada pelo poder dos pagãos. Por isso, deviam pagar os impostos. Ao recusar o pagamento, faziam-no por motivações religiosas, com pretextos religiosos, ou simplesmente pelo desejo de independência dos romanos. Mas Jesus evidencia-lhes a incoerência. Se aceitam a imagem de César para o que lhes interessa, deverão aceitá-la também para pagar os impostos: «Dai a César o que é de César». Mas logo acrescenta: «Dai a Deus o que é de Deus». O fundamental é dar a Deus o que a Deus pertence. Mas isso não exclui os outros deveres.
Na vida social, na vida civil, nem tudo é lógico e coerente. Os cristãos hão-de ter coragem para recusar situações e leis que não correspondem ao bem dos cidadãos. Mas também hão-de contribuir leal e rectamente para o bem do país e das pessoas, mesmo quando perseguidos. Assim participam na bondade de Deus.


* 4ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Tobite 3, 1-11 a. 16-17 a.

Naqueles dias, eu, Tobite, 1entristeci-me, chorei, e com aflição orei, dizendo: 2«Tu és justo, Senhor! Todas as tuas obras são justas e todos os teus caminhos são misericórdia e verdade; Tu és o juiz do mundo. 3Agora, Senhor, recorda-te de mim, olha para mim. Não me castigues, por causa dos meus pecados e dos meus erros, nem pelos pecados que os meus pais cometeram contra ti. 4Violando os teus mandamentos, nós pecámos diante de ti. Por isso, Tu permitiste que nos roubassem os nossos bens e abandonaste-nos ao cativeiro e à morte. Fizeste de nós objecto de escárnio e injúria de todos os gentios, entre os quais nos dispersaste. 5Agora, trata-me segundo as minhas culpas e as culpas dos meus pais, porque todos os teus juízos são verdadeiros e porque nós não observámos os teus mandamentos, e não caminhámos diante de ti na verdade. 6Assim, faz comigo o que quiseres. Dá ordem para que a minha vida me seja tirada, de forma que eu desapareça da face da terra e me converta em pó; porque para mim é melhor morrer do que viver, pois tive de ouvir ultrajes e mentiras, e uma grande tristeza me acabrunha. Senhor, permite que eu seja libertado desta angústia, faz-me chegar à morada eterna e não afastes de mim, Senhor, a tua face, pois para mim é melhor morrer do que ter sempre diante de mim esta angústia e ter de ouvir os insultos!» 7Naquele mesmo dia, aconteceu que Sara, filha de Raguel, estando em Ecbátana, na Média, teve de ouvir também ela, injúrias de uma das escravas de seu pai. 8Ela fora dada como esposa a sete maridos. Mas Asmodeu, um demónio maligno, matara-os, antes que se pudessem aproximar dela como esposa. Disse-lhe, pois, a serva: «És tu que matas os teus maridos! Já foste dada a sete homens e com nenhum até agora ficaste casada. 9Porque nos espancas por terem morrido os teus maridos? Vai-te embora com eles, e não vejamos de ti nem filho nem filha, por toda a eternidade!» 10Naquele dia, a alma de Sara encheu-se de tristeza e ela pôs-se a chorar. Subiu, então, ao quarto de seu pai, com intenção de se enforcar. Todavia, reflectiu de novo e disse para consigo: «Não posso fazer tal coisa. Poderiam escarnecer de meu pai e dizer-lhe: ‘Tiveste uma filha única, muito querida, e ela enforcou-se, por causa das suas desgraças’. Assim, levaria eu para a região dos mortos a velhice de meu pai, consumida pelo luto. É melhor, então, que não me enforque, mas peça ao Senhor a morte, para que nunca mais ouça insultos em toda a minha vida.» 11Naquele instante, Sara estendeu os braços para a janela e orou. 16Na mesma hora, foi ouvida a oração de ambos na presença da glória de Deus. 17Por isso, foi enviado Rafael para os curar.

Evangelho: Marcos 12, 18-27

Naquele tempo, 18vieram ter com Ele os saduceus, que negam a ressurreição, e interrogaram-no: 19«Mestre, Moisés prescreveu-nos que se morrer o irmão de alguém, deixando a mulher e não deixando filhos, seu irmão terá de casar com a viúva para dar descendência ao irmão. 20Ora havia sete irmãos, e o primeiro casou e morreu sem deixar filhos. 21O segundo casou com a viúva e morreu também sem deixar descendência, e o mesmo aconteceu ao terceiro; 22e todos os sete morreram sem deixar descendência. Finalmente, morreu a mulher. 23Na ressurreição, de qual deles será ela mulher? Porque os sete a tiveram por mulher.» 24Disse Jesus: «Não andareis enganados por desconhecer as Escrituras e o poder de Deus? 25Quando ressuscitarem de entre os mortos, nem eles se casarão, nem elas serão dadas em casamento, mas serão como anjos no Céu. 26E acerca de os mortos ressuscitarem, não lestes no livro de Moisés, no episódio da sarça, como Deus lhe falou, dizendo: Eu sou o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob? 27Não é um Deus de mortos, mas de vivos. Andais muito enganados.»

Reflexão

Provavelmente já todos fizemos experiências semelhantes às de Tobite e de Sara: já todos nos encontrámos em situações de grande sofrimento, quase nos limites do que julgamos possível sofrer, sem perdermos a cabeça, sem desesperarmos. Mas, talvez, nem sempre tivemos reacções semelhantes às de Tobite e de Sara. Por vezes, vivemos o sofrimento como algo que nos envolve e sufoca. Então reagimos como peixes fora da água, ou lançados na areia da praia. Gritamos, fazemos perguntas, exigimos respostas. Procuramos saídas, buscando distracções, calmantes e outras drogas, acusando presumíveis culpados da situação. Se nos lembramos de Deus, é para O interrogar, talvez mesmo para O acusar e exigir remédio. Tobite e Sara comportam-se de modo diferente. Observemo-los para aprendermos com eles. Ambos rezam, ambos se abrem a Deus, porque ambos se reconhecem criaturas limitadas e cheias de carências. Dirigem-se a Deus, em primeiro lugar, não para narrar os sofrimentos, mas para O bendizerem, para O adorarem, para manifestarem espanto pela sua grandeza e justiça. Afirmam a esperança e a confiança que os animam diante do Senhor. Confessam os seus pecados. Sabem que Deus tem um coração grande, que é o Deus da vida. Na sua oração não pensam só em si mesmos, mas têm em conta o drama do seu povo exilado. Que belo exemplo para nós, que tantas vezes nos fechamos nos nossos problemas, esquecendo ou não dando a devida atenção aos dos outros.
A oração angustiada de Tobite faz-nos compreender o verdadeiro sentido do evangelho. Faz-nos compreender que a fonte da ressurreição é a oração de Jesus. A ressurreição não é um fenómeno material, um corpo que volta a vida. É um evento de ordem espiritual. Para alcançar a ressurreição, Jesus transformou a sua morte pela oração. A sua ressurreição é fruto da sua paixão, e não o resultado de um qualquer automatismo. Como Tobite e Sara, Jesus mergulhou no sofrimento e na própria morte. O seu coração sentiu fortemente a angústia, levando-o a afundar-se na tristeza: «A minha alma está triste até à morte» (Mc 14, 34; Mt 26, 38). “Na angústia” rezava mais intensamente e o suor tornou-se-lhe como gotas de sangue que banhavam a terra (cf. Lc 22, 44). Teve de transformar a angústia, e a própria morte, pela oração, pela união ao Pai. Teve de lutar na oração para que o caminho da morte se transformasse em caminho de ressurreição e de vida. Jesus lutou contra a morte, não revoltando-se, mas transformando-a em sacrifício, em oferta, em abertura ao Espírito Santo, em acto de obediência filial ao Pai, sabendo que Ele podia transformar a morte em passagem para a vida.
Sabendo que a morte dá sentido à vida, e é a sua síntese, queremos considerá-la em relação ao «nosso carisma profético» (Cst 27), à vida de união «à oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens» (Cst 6). S. Paulo diz-nos que devemos ser conformes a Cristo «na morte com a esperança de alcançar a ressurreição dos mortos» (Fl 3, 10-11).
O Sacerdote do Coração de Jesus, que vive a sua vida «a procurar e a realizar, como o único necessário, uma vida de união à oblação de Cristo» (Cst 26), experimenta a doença, a velhice, como um tempo de «eminente e misteriosa comunhão» à oblação sofredora de Cristo, como um tempo de «disponibilidade pura» e de «pura oblação». Assim se prepara para o supremo acto de oblação, para o último apostolado, o da morte. Que Jesus nos faça penetrar nas profundezas do seu coração para que, também nós, possamos transformar o sofrimento, a “via-sacra” da nossa vida, em caminho de ressurreição.


* 5ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Tobite 6, 10-11a; 7, 1.9-17; 8, 4-9 a.

Naqueles dias, tendo eles chegado à Média, quando se aproximavam de Ecbátana, 11Rafael disse ao jovem: «Tobias, irmão!» Este respondeu: «Eis-me aqui.» Ele, então, disse-lhe: «Esta noite devemos ficar em casa de Raguel. Este homem é teu parente e tem uma filha chamada Sara»? O anjo conduziu-o à casa de Raguel. Encontraram-no sentado à porta do pátio e cumprimentaram-no. Raguel respondeu-lhes: «Eu vos saúdo, irmãos! De todo o coração, sede bem-vindos com saúde.» E introduziu-os em casa. 9Ora, tendo-se eles lavado e sentado para comer, Tobias disse a Rafael: «Irmão Azarias, pede a Raguel que me dê por esposa, Sara, minha irmã.» 10Raguel ouviu estas palavras, e respondeu a Tobias: «Come e bebe e passa a noite tranquilo, pois não há ninguém a quem toque tomar por esposa minha filha Sara, a não ser tu, irmão, pois nem mesmo eu tenho o direito de a entregar a outro homem senão a ti, porque és o meu parente mais próximo. Devo contudo, dizer-te a verdade, filho: 11Já a dei a sete maridos, escolhidos entre os nossos irmãos, e todos morreram na mesma noite em que dela se aproximaram. Contudo, meu filho, come e bebe agora, o Senhor providenciará em vosso favor.» 12Tobias, porém, replicou: «Não comerei nem beberei antes que resolvas a minha situação.» Respondeu Raguel: «Assim o farei. Ela te é dada segundo a lei de Moisés, e já que o Céu assim o determinou, então, que ela te seja dada. Toma-a desde este momento, segundo a Lei. Doravante serás seu irmão e ela tua irmã; é-te dada a partir de hoje, por toda a eternidade. E o Senhor do céu vos faça felizes, esta noite, meu filho, e derrame sobre vós misericórdia e paz!» 13A seguir, Raguel chamou Sara, sua filha. Quando ela se aproximou, tomou-lhe a mão e entregou-a a Tobias, dizendo: «Leva-a conforme a Lei de Moisés, a qual manda que te seja dada por esposa. Toma-a, pois, e leva-a alegremente, para a casa de teu pai. Que o Deus do céu vos guie em paz!» 14Chamou depois a mãe, mandou trazer uma tabuinha e escreveu o contrato matrimonial, declarando que dava Sara por esposa a Tobias, conforme a sentença da Lei de Moisés, e selou-o. Foi então que começaram a comer e a beber. 15Mais tarde, Raguel chamou Edna, sua esposa, e disse-lhe: «Irmã, prepara outro quarto, e leva para lá Sara.» 16Edna entrou no outro aposento e preparou-o, como o marido lhe dissera, e levou sua filha para o aposento nupcial e chorava por ela. Mas, enxugando as lágrimas, dizia-lhe: 17«Coragem, filha! O Senhor do céu te dê alegria em lugar da tua tristeza! Coragem, filha!» E saiu.4Entretanto, os pais de Sara tinham saído e fechado a porta do quarto. Tobias, então, ergueu-se do leito e disse à esposa: «Irmã, levanta-te; vamos orar para que o Senhor nos conceda a sua misericórdia e salvação.» 5Levantaram-se ambos e puseram-se a orar e a implorar que lhes fosse enviada a salvação, dizendo: «Bendito sejas, Deus dos nossos pais, e bendito seja o teu nome, por todas as gerações; louvem-te os céus e todas as tuas criaturas, por todos os séculos. 6Tu criaste Adão e deste-lhe Eva, sua esposa, como amparo valioso, e de ambos procedeu a linhagem dos homens. Com efeito, disseste: Não é bom que o homem esteja só; façamos-lhe uma auxiliar semelhante a ele. 7Agora, Senhor, Tu bem sabes que não é com paixão depravada que agora tomo por esposa a minha irmã, mas é com intenção pura. Permite, pois, que eu e ela encontremos misericórdia, e cheguemos juntos à velhice.» 8E ambos responderam ao mesmo tempo: «Ámen, Ámen!» 9Depois, deitaram-se para passar a noite.

Evangelho: Marcos 12, 28b-34

Naquele tempo, 28aproximou-se de Jesus um escriba e perguntou-lhe: «Qual é o primeiro de todos os mandamentos?» 29Jesus respondeu: «O primeiro é: Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor; 30amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças. 31O segundo é este: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Não há outro mandamento maior que estes.» 32O escriba disse-lhe: «Muito bem, Mestre, com razão disseste que Ele é o único e não existe outro além dele; 33e amá-lo com todo o coração, com todo o entendimento, com todas as forças, e amar o próximo como a si mesmo vale mais do que todos os holocaustos e todos os sacrifícios.» 34Vendo que ele respondera com sabedoria, Jesus disse: «Não estás longe do Reino de Deus.» E ninguém mais ousava interrogá-lo.

Reflexão

A primeira leitura parece nada ter a ver com os tempos actuais e com as realidades que vivemos ou verificamos à nossa volta, concretamente no que se refere ao matrimónio. Na publicidade de um qualquer produto, não falta, muitas vezes, o sexo misturado com um qualquer ingrediente, transformado em moeda, infelizmente já muito desvalorizada, de negócios e transacções. Em nome da liberdade, da maturidade e da autonomia do homem, quando se quer alcançar algum efeito “picante”, recorre-se à apresentação de imagens e cenas, no mínimo, de mau gosto.
A primeira leitura apresenta-nos um belo exemplo de educação ao amor. O amor do homem pela mulher, e da mulher pelo homem, é um dom de Deus, que pôs em nós esta profunda tendência. Mas este amor, no estado de decadência em que o pecado nos colocou, está terrivelmente viciado pelo egoísmo. O desejo sexual é um acto de amor. Mas, noutro sentido, pode tornar-se um grave obstáculo, quando se busca no outro apenas a satisfação própria. Tobias e Sara estão conscientes disso, e mostram-se fiéis ao amor. Tobias diz a Sara: «Sara, levanta-te; vamos orar ao Senhor…Somos filhos de santos, e não podemos unir-nos à maneira daqueles que não conhecem a Deus…» E, ao rezar a Deus: «Senhor, Tu bem sabes que não é com paixão depravada que agora tomo por esposa a minha irmã, mas é com intenção pura (o desejo de ter descendência). Esta história dramática mostra-nos como o dinamismo que nos leva ao amor pode precisar de purificação.
Tudo isto é verdade no amor matrimonial, mas também nas outras relações interpessoais. Temos sempre alguma tendência para instrumentalizar os outros em vista dos nossos objectivos, para os “usar” em vez de os amar, para procurar neles o que nos agrada, o que satisfaz as nossas necessidades mais ou menos conscientes.
Por outro lado, o amor precisa de ser fortalecido, diante das muitas dificuldades que se lhe opõem. Quantas vezes sentimos dificuldade em amar, porque não nos sentimos amados, compreendidos, correspondidos. Mas, se queremos amar, havemos de estar dispostos a enfrentar sacrifícios e renúncias. Precisamos de ser generosos, para enfrentarmos dificuldades e desânimos. Por isso, temos de escutar frequentemente o mandamento: «Amarás!... Amarás!... » Este mandamento, que já encontramos no Antigo Testamento, foi retomado por Jesus, que o praticou pessoalmente e no-lo deu para que os pratiquemos também. “Amar como Jesus amou” é refrão de uma conhecida canção de inspiração religiosa. Mas, para amar como Jesus amou, precisamos de um coração semelhante ao d´Ele, de um coração purificado. Amar como Jesus amou é estar disposto a viver um amor extremamente puro e forte, um amor que não hesita perante o sofrimento e a morte. Por isso, precisamos de um verdadeiro “transplante cardíaco”: renunciar ao nosso coração (de pedra) e substituí-lo pelo Coração de Jesus, coração de carne, coração novo prometido em Ezequiel, que nos foi oferecido quando da instituição da Nova Aliança, na Páscoa de Cristo. Aceitemos esse Coração, e deixemo-lo viver em nós.


* 6ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Tobite 11, 5-17

Naqueles dias, Ana estava sentada e olhava para o caminho, procurando descobrir o filho. 6Quando o viu, ao longe, disse ao marido: «Repara, aí vem o nosso filho, e com ele o seu companheiro.» 7Antes, porém, que Tobias chegasse junto do pai, disse-lhe Rafael: «Sei, com certeza, que os seus olhos se abrirão de novo. 8Unge-lhos com o fel do peixe: ao sentir ardor, esfregá-los-á, as cataratas desprender-se-ão e ele verá.» 9Ana deitou a correr e lançou-se ao pescoço do filho, dizendo: «Volto a ver-te, meu filho. Agora, já posso morrer!» E pôs-se a chorar. 10Tobite, tropeçando, encaminhou-se para a porta do pátio. 11Então o filho correu ao seu encontro, agarrou-o e derramou-lhe o fel nos seus olhos, dizendo: «Coragem, pai !» 12Enquanto lhe ardiam os olhos, esfregou-os, e as escamas desprenderam-se. 13Ao ver o filho, Tobite lançou-se-lhe ao pescoço e, chorando, disse: «Vejo-te, filho, tu que és a luz dos meus olhos!» 14E continuou: «Bendito seja Deus e bendito o seu grande nome! Benditos os seus santos anjos! Que seu nome esteja sobre nós e benditos sejam todos os seus anjos, pelos séculos sem fim! Ele puniu-me, mas eis que volto a ver Tobias o meu filho.» 15Tobias entrou, cheio de alegria, e glorificou a Deus. Contou ao pai todas as maravilhas que tinham acontecido na sua viagem; disse-lhe que trazia o dinheiro e que tomara Sara, filha de Raguel, por esposa: «Ela já aí vem, está muito perto das portas de Nínive. 16Ao ouvir isto, Tobite, cheio de alegria e louvando a Deus, foi às portas de Nínive, ao encontro da nora. Vendo-o andar assim, com toda a segurança e sem ninguém o guiar pela mão, os habitantes de Nínive admiraram-se. Tobite, então, anunciava-lhes em alta voz que Deus fora misericordioso para com ele e lhe abrira os olhos. 17Assim que Tobite se encontrou com Sara, esposa do seu filho Tobias, abençoou-a e disse-lhe: «Sê bem-vinda, minha filha! Bendito seja Deus, que te trouxe para junto de nós e bendito seja o teu pai! Bendito seja Tobias, meu filho, e bendita sejas tu, filha! Entra e sê bem-vinda à tua casa; entra em bênção e alegria, filha!»

Evangelho: Marcos 12, 35-37

Naquele tempo, 35ensinando no templo, Jesus tomou a palavra e perguntou: «Como dizem os doutores da Lei que o Messias é filho de David? 36O próprio David afirmou, inspirado pelo Espírito Santo: Disse o Senhor ao meu Senhor: ‘Senta-te à minha direita, até que ponha os teus inimigos debaixo dos teus pés’. 37O próprio David chama-lhe Senhor; como é Ele seu filho?» E a numerosa multidão ouvia-o com agrado.

Reflexão

A história de Tobias e de Sara aproxima-se do fim. Ana, que estivera a perscrutar o horizonte, anuncia a Tobite que o filho está de volta: «Aí vem o nosso filho, e com ele o seu companheiro» (v. 6). Há grande alvoroço na família. É a festa dos pobres de Israel, que vêem realizados, para além de toda a esperança, os seus anseios. Tobias regressa com Sara libertada do mau espírito. Tobite recupera a vista. A unidade familiar recompõe-se. É uma história com um fim realmente feliz, como poucas das que nos relatam os nossos meios de comunicação social. Parece até demasiadamente feliz, para ser verdadeira, como alguém pode pensar… A oração de Tobite, enquanto os seus olhos se abrem para o filho regressado, permite-nos penetrar para além das imagens vivas e ingénuas, para colhermos o seu significado profundo. É verdade: Deus ouviu a oração de Tobite, não desiludiu a sua confiança, que foi capaz de perseverar e crescer na provação. A vida de Tobite fora sacudida por uma tempestade de acontecimentos trágicos e destrutivos. Mas ele soube vê-los como provação mandada por Deus, para verificar a sua fidelidade. Tobite não desiludiu a Deus. Batido por ondas e ventos contrários, soube acreditar e confiar. A sua boca só se abriu para louvar e bendizer o Senhor. Agora é Deus que não desilude o seu humilde servo, e o recompensa generosamente.
A vista verdadeira é-nos agora dada pelo “peixe”, que na tradição cristã é símbolo de Cristo. Também o fel entra na vida de Cristo: «Deram-lhe a beber vinho misturado com fel» (Mt 27, 34). Este fel pode representar a amargura que Jesus provou na paixão, para que os nossos olhos se abrissem à beleza da vida nova, da nova luz.
Agradeçamos ao Senhor que, cada dia, nos faz encontrar ajudas e solicitações para que nos abramos à sua luz, ao seu amor, e encontremos força para aceitar tudo da sua mão, também as provações. Estas entram no seu desígnio sobre nós. Portanto, havemos de vivê-las na fé e num confiante abandono. As nossas Constituições também chamam ao abandono “disponibilidade” para com Deus e para com os homens. É a atitude que está na raiz da oblação, termo caro ao Pe. Dehon. A palavra “abandono” exprime a atitude do crente, que caminha na presença de Deus, obedecendo aos seus apelos. O abandono confiante nas mãos de Deus Pai é a disposição fundamental de Cristo na sua obediência. Para nós, dehonianos, será busca de Deus e da sua vontade, procura do seu projecto de amor e dos novos caminhos pelos quais esse projecto se realiza. O abandono faz da nossa vida religiosa um sacrifício de amor a Deus, na paz e na alegria


* SÀBADO - Anos Ímpares

Primeira leitura: Tobite 12, 1.5-15.20

Naqueles dias, Tobite chamou Tobias, seu filho, e disse-lhe: «Meu filho, prepara o salário que deves dar ao homem que foi contigo e vê o que será preciso juntar-lhe, como gratificação.» 5Então, Tobias chamou o anjo e disse-lhe: «Toma metade de tudo o que trouxemos como salário para ti e vai em paz.» 6Então, Rafael chamou os dois à parte, e disse-lhes: «Louvai a Deus e agradecei-lhe; exaltai-o e apregoai a todos os viventes o que fez por vós, pois é bom louvar a Deus, exaltar o seu nome e apregoar as suas obras. Não vos canseis de o confessar. 7Se é bom guardar o segredo do rei, é coisa louvável apregoar as obras de Deus. Fazei o bem e nada de mau vos acontecerá. 8É boa a oração feita com verdade e a esmola, acompanhada pela justiça. Melhor é pouco com justiça, do que muito com iniquidade. Melhor é dar esmolas do que acumular tesouros, 9pois a esmola livra da morte e limpa de todo o pecado. Os que praticam a misericórdia e a justiça serão cumulados de vida. 10Aqueles que cometem o pecado e a injustiça são inimigos da sua própria vida. 11Quero dizer-vos toda a verdade sem vos ocultar coisa alguma. Já vos disse que é bom guardar os segredos do rei, mas é glorioso proclamar as obras de Deus. 12Por isso, sabei que enquanto oravas, tu e a tua nora Sara, eu apresentava as vossas orações diante da glória do Senhor. Da mesma forma, enquanto enterravas os mortos, eu também estava contigo. 13Assim, quando, a toda a pressa, te levantaste e deixaste de comer, a fim de sepultar aquele cadáver, eu fui enviado para pôr a tua fé à prova, 14mas, ao mesmo tempo, Deus enviou-me para te curar, a ti e a Sara, tua nora. 15Eu sou Rafael, um dos sete anjos que apresentam as orações dos justos e têm lugar diante da majestade do Senhor.» 20Agora, bendizei o Senhor, aqui na terra, e louvai a Deus, porque eu volto para aquele que me enviou. Escrevei tudo o que sucedeu convosco.» Dito isto, elevou-se.

Segunda leitura: Marcos 12, 38-44

Naquele tempo, 38continuando o seu ensinamento, Jesus dizia: «Tomai cuidado com os doutores da Lei, que gostam de exibir longas vestes, de ser cumprimentados nas praças, 39de ocupar os primeiros lugares nas sinagogas e nos banquetes; 40eles devoram as casas das viúvas a pretexto de longas orações. Esses receberão uma sentença mais severa.» 41Estando sentado em frente do tesouro, observava como a multidão deitava moedas. Muitos ricos deitavam muitas. 42Mas veio uma viúva pobre e deitou duas moedinhas, uns tostões. 43Chamando os discípulos, disse: «Em verdade vos digo que esta viúva pobre deitou no tesouro mais do que todos os outros; 44porque todos deitaram do que lhes sobrava, mas ela, da sua penúria, deitou tudo quanto possuía, todo o seu sustento.»

Reflexão

O Livro de Tobite mostra-nos como Deus está presente na nossa vida de modo discreto e silencioso, que só a fé pode descobrir. Apesar das maravilhas realizadas por Rafael durante a viagem de Tobias a Ecbátana, e no regresso a casa de Tobite, todos continuavam a acreditar que ele era apenas um dos parentes da tribo de Neftali e, por isso, queriam dar-lhe uma recompensa. A acção de Deus desenrola-se geralmente num clima de mistério e de silêncio. Rafael adaptou-se perfeitamente a essa pedagogia de Deus, levando a cabo a sua missão com a máxima naturalidade. Mas, agora, diz que é tempo de bendizer e proclamar as maravilhas do Senhor. E assim faz toda a família. O capítulo 13 do livro é todo um hino de louvor a Deus. Como é importante aprendermos a contemplar a presença e a acção discreta de Deus na nossa vida e nos acontecimentos que nos rodeiam, para O louvarmos e bendizermos!
Na página que escutamos, podemos encontrar outra fonte de reflexão e oração. Tobite revela uma humanidade extremamente rica. É um homem atento aos carenciados, generoso, esquecido de si. Pratica a caridade, a esmola «que salva da morte», até ao risco de ver derramado o seu sangue. Vive em atitude de permanente referência a Deus, e revela uma enorme capacidade de gratidão, com a necessidade de a traduzir em gestos concretos. Se antes não se fechou na sua dor, também agora não se deixa apagar na felicidade. A experiência pessoal de sofrimento tornou-o capaz de ser compassivo com os outros. A alegria, acolhida como dom de Deus, impele-o ao reconhecimento para com Rafael, que foi instrumento e mediador dessa alegria. Tobite e o filho agradecem a Deus, porque reconhecem os dons recebidos gratuitamente. Sabem que a nada têm direito, que tudo é dom. Sabem agradecer a Deus, mas também ao irmão, ao companheiro de viagem. Uma lição para nós, tantas vezes engolidos pela pressa e pela eficiência, e enfarinhados de superficialidade, a ponto de nos esquecermos da gratidão. E assim nos tornamos incapazes de gratuidade, uma vez que só quem está consciente de tudo receber gratuitamente, é capaz de gratuitamente oferecer a quem precisa.
O evangelho mostra-nos como havemos de unir na nossa vida de cristãos a humildade, a pobreza e a caridade. Só agrada a Deus uma caridade cheia de humildade e privada de auto-comprazimento. Quantas vezes estragamos o que oferecemos, por ficarmos à espera de reconhecimento, de recompensa!
A nossa vida, toda orientada para o serviço desinteressado, para o dom oblativo, deve provocar nos que nos rodeiam a pergunta cheia de espanto: porque fazes isso? Porque actuas sem pensar nos teus interesses, nas tuas comodidades, e mesmo, muitas vezes, contra os teus interesses e comodidades? Quem te obriga? A resposta que havemos de dar, sobretudo a nós mesmos é a seguinte: acolhi Jesus, que Se dá totalmente a mim na Eucaristia, que Se pôs totalmente ao meu serviço. Por isso, sinto como obrigação pôr-me também ao serviço dos meus irmãos. Procuro Aquele que vive, Cristo, nos viventes, isto é, nos homens, meus irmãos. Adoro neles a presença real de Cristo; sirvo-O neles. Disse “sim” ao amor de Cristo, devo dizer “sim” ao amor dos irmãos. Assim Cristo continua em mim a Sua Missa, a Sua missão de caridade e de salvação do mundo. As minhas mãos são as mãos de Cristo, os meus lábios são os lábios de Cristo, os meus pés são os pés de Cristo, os meus olhos são os olhos de Cristo, o meu coração é o coração com que Cristo quer continuar a amar a todos os homens, particularmente os mais carenciados. Com estes sentimentos, lanço-me «incessantemente, pelos caminhos do mundo ao serviço do Evangelho» (Cst 82).

Ricardo Igreja

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