quarta-feira, 20 de julho de 2011

XVIII DOMINGO TEMPO COMUM

* DOMINGO
 
 
 «Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes»


LEITURA I – Is 55,1-3

Eis o que diz o Senhor: “Todos vós que tendes sede, vinde à nascente das águas. Vós que não tendes dinheiro, vinde, comprai e comei. Vinde e comprai, sem dinheiro e sem despesa, vinho e leite. Porque gastais o vosso dinheiro naquilo que não alimenta e o vosso trabalho naquilo que não sacia? Prestai-Me atenção e vinde a Mim; escutai e a vossa alma viverá. Firmarei convosco uma aliança eterna, com as graças prometidas a David.

LEITURA II – Rom 8,35.37-39

Irmãos: Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? A tribulação, a angústia, a perseguição, a fome, a nudez, o perigo ou a espada? Mas em tudo isto somos vencedores, graças Àquele que nos amou. Na verdade, eu estou certo de que nem a morte nem a vida, nem os Anjos nem os Principados, nem o presente nem o futuro, nem as Potestades nem a altura nem a profundidade nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que se manifestou em Cristo Jesus, Nosso Senhor.

EVANGELHO – Mt 14,13-21

Naquele tempo, quando Jesus ouviu dizer que João Baptista tinha sido morto, retirou-Se num barco para um local deserto e afastado. Mas logo que as multidões o souberam, deixando as suas cidades, seguiram-n’O a pé. Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e, cheio de compaixão, curou os seus doentes. Ao cair da tarde, os discípulos aproximaram-se de Jesus e disseram-Lhe: “Este local é deserto e a hora avançada. Manda embora toda esta gente, para que vá às aldeias comprar alimento”. Mas Jesus respondeu-lhes: “Não precisam de se ir embora; dai-lhes vós de comer”. Disseram-Lhe eles: “Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes”. Disse Jesus: “Trazei-mos cá”. Ordenou então à multidão que se sentasse na relva. Tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao Céu e recitou a bênção. Depois partiu os pães e deu-os aos discípulos e os discípulos deram-nos à multidão. Todos comeram e ficaram saciados. E, dos pedaços que sobraram, encheram doze cestos. Ora, os que comeram eram cerca de cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças.

REFLEXÃO

Na introdução ao episódio de hoje, Mateus anota que Jesus se retirou para o deserto, seguido por uma “grande multidão”; e que, impressionado pela fome de vida de toda essa gente, Se encheu “de compaixão e curou os seus doentes” (vers. 13-14).
Provavelmente, Mateus quer sugerir, com esta referência, que Jesus é um novo Moisés, cuja missão é libertar o seu Povo da escravidão, a fim de conduzi-lo à terra da liberdade e da vida plena. Como é que vai fazê-lo? Conduzindo-o ao deserto…
O deserto é, para Israel, o tempo e o espaço do encontro com Deus; aí, Israel aprendeu a despir-se das suas seguranças humanas, das suas certezas, da sua auto-suficiência, para descobrir que cada passo em direcção à liberdade, cada pedaço de pão caído do céu, cada gota de água que brota de um rochedo, é um “milagre” que é preciso agradecer ao amor de Deus. Tudo é um dom de Deus, que o Povo deve acolher com o coração agradecido. O deserto é ainda o lugar e o tempo da partilha, da igualdade, em que cada membro do Povo conta com a solidariedade do resto da comunidade, onde não há egoísmo, injustiça, prepotência, açambarcamento dos bens que pertencem a todos, e em que todos dão as mãos para superar as dificuldades da caminhada (no deserto, quem é egoísta, auto-suficiente e não aceita contar com os outros, está condenado à morte).
É esta experiência que Jesus vai convidar os discípulos a fazer. Vai ensinar-lhes – com uma lição concreta – que tudo é um dom que deve ser agradecido ao amor de Deus; e vai ensinar-lhes também que os dons de Deus são para ser partilhados, colocados ao serviço dos irmãos. É deste processo libertador – que conduz do egoísmo ao amor – que vai nascer a comunidade do Reino.
A história da multiplicação dos pães apresenta todas as características de uma lição, destinada a demonstrar como é que deve viver quem quer aderir ao Reino.
O primeiro momento desse processo pedagógico destinado a formar os membros do Reino tem a ver com a constatação da fome do mundo e com a responsabilização da comunidade do Reino nesse problema… Quando os discípulos Lhe pedem que mande a multidão embora, para que ela encontre comida (lavando as mãos face à situação de necessidade em que a multidão está), Jesus pede-lhes: “dai-lhes vós de comer” (vers. 16). Ensina-lhes, dessa forma, que têm uma responsabilidade inalienável face a esse desafio que o mundo dos pobres todos os dias grita… Depois disto, nunca um discípulo de Jesus poderá dizer que não tem nada a ver com a fome, com a miséria, com as necessidades dos mais desfavorecidos. Qualquer irmão necessitado – de pão, de alegria, de apoio, de esperança – é da responsabilidade dos discípulos de Jesus. A dinâmica do Reino passa pela solidariedade que torna todos os cristãos responsáveis pelas necessidades dos pobres.
No segundo momento deste processo pedagógico, Jesus ensina como dar resposta a este desafio. Começa por pedir aos discípulos que façam a listagem dos bens disponíveis; depois, toma os “cinco pães e dois peixes”, recita a bênção e manda repartir por todos os presentes… E todos comeram até ficarem saciados.
A lição é clara: diante do apelo dos pobres, a comunidade do Reino tem de aprender a partilhar. “Cinco pães e dois peixes” significam totalidade (“sete”): é na partilha da totalidade do que se tem que se responde à carência dos irmãos. É uma totalidade fraccionada e diversificada mas que, posta ao serviço dos irmãos, sacia a fome do mundo. A comunidade do Reino é, portanto, não só uma comunidade que se sente responsável pela fome dos irmãos, mas também uma comunidade de coração aberto, disposta a repartir tudo o que tem… É uma comunidade que venceu a escravidão do egoísmo, para fazer a experiência da partilha que sacia e que torna todos os homens irmãos.
No terceiro momento deste processo pedagógico, Jesus dá a razão para a partilha. “Tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu e recitou a bênção” (vers. 19). A “bênção” é uma fórmula de acção de graças, na qual se agradece a Deus pelos seus dons. Isso significa, em concreto, reconhecer que algo que se possui é um dom recebido de Deus… Para quem? Para um único homem ou para uma única família? Mas Deus não é o Pai de todos, que se preocupa com todos e que a todos ama da mesma forma? Portanto, “pronunciar a bênção” é reconhecer que determinado dom veio de Deus e que pertence a todos os filhos de Deus. Aquele que recebeu esse dom não é o seu dono; mas é apenas um administrador a quem Deus confiou determinado dom, para que o pusesse ao serviço dos irmãos com a mesma gratuidade com que o recebeu. À comunidade do Reino é proposto que aprenda a considerar os bens postos à sua disposição como dons de Deus Pai, colocando-os livremente ao serviço de todos.
Jesus é aqui apresentado como o novo Moisés, cuja missão é realizar a libertação do seu Povo e oferecer-lhe a vida em abundância. Como é que Ele o faz? Criando a comunidade do Reino – isto é, uma comunidade de homens novos, que reconhecem que tudo o que têm é um dom de Deus, destinado a ser partilhado com os outros irmãos.


* 2ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Números 11, 4b-15

Naqueles dias, disseram os filhos de Israel: «Quem nos dará carne para comer? 5Lembramo-nos do peixe que comíamos de graça no Egipto, dos pepinos, dos melões, dos alhos porros, das cebolas e dos alhos. 6Agora, a nossa garganta está seca; não há nada diante de nós senão maná.» 7O maná era como a semente do coentro e o seu aspecto como o bdélio. 8O povo espalhava-se a apanhá-lo e moía-o em moinhos ou pisava-o em almofarizes; cozia-o em panelas e fazia bolos; tinha o sabor de tortas com gordura de azeite. 9Quando o orvalho caía de noite sobre o acampamento, o maná também caía. 10Moisés ouviu o povo chorar agrupado por famílias, cada uma à entrada da sua tenda. Mas a ira do Senhor inflamou-se muito e Moisés sentiu o mal perto de si. 11Então Moisés falou ao Senhor: «Porque atormentas o teu servo? Porque é que não encontrei graça diante de ti, a ponto de pores todo este povo como um peso sobre mim? 12Acaso fui eu que concebi todo este povo? Fui eu que o dei à luz, para me dizeres: ‘Leva-o ao colo, como a ama leva a criança de peito, até à terra que prometeste a seus pais?’ 13Onde arranjarei carne para dar a todo este povo que chora junto de mim, dizendo: ‘Dá-nos carne para comer!’ 14Eu sozinho não consigo suportar todo este povo, porque é demasiado pesado para mim! 15Se me queres tratar assim, dá-me antes a morte; se encontrei graça diante de ti, que eu não veja mais a minha desgraça!».

Evangelho: Mateus 14, 13-21

Naquele tempo, 13quando Jesus ouviu dizer que João Baptista tinha sido morto, retirou-se dali sozinho num barco, para um lugar deserto; mas o povo, quando soube, seguiu-o a pé, desde as cidades. 14Ao desembarcar, Jesus viu uma grande multidão e, cheio de misericórdia para com ela, curou os seus enfermos. 15Ao entardecer, os discípulos aproximaram-se dele e disseram-lhe: «Este sítio é deserto e a hora já vai avançada. Manda embora a multidão, para que possa ir às aldeias comprar alimento.» 16Mas Jesus disse-lhes: «Não é preciso que eles vão; dai-lhes vós mesmos de comer.» 17Responderam: «Não temos aqui senão cinco pães e dois peixes.» 18«Trazei-mos cá» - disse Ele. 19E, depois de ordenar à multidão que se sentasse na relva, tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu e pronunciou a bênção; partiu, depois, os pães e deu-os aos discípulos, e estes distribuíram-nos pela multidão. 20Todos comeram e ficaram saciados; e, com o que sobejou, encheram doze cestos. 21Ora, os que comeram eram uns cinco mil homens, sem contar mulheres e crianças.

REFLEXÃO

Entrevemos nas leituras de hoje uma unidade temática. No deserto, os Israelitas protestam e lamentam-se. A dura opressão, sofrida no Egipto, foi transformada na recordação de uma existência quase paradisíaca: «Lembramo-nos do peixe que comíamos de graça no Egipto, dos pepinos, dos melões, dos alhos-porros, das cebolas e dos alhos. Agora, a nossa garganta está seca; não há nada diante de nós senão maná» (vv. 5-6). Não estão satisfeitos com a porção de maná que, cada dia, Deus lhes envia. As lamentações do povo são «um peso» (v. 11) para Moisés, que, por sua vez, se lamenta com Deus: «Porque atormentas o teu servo» (v. 11). O grande chefe sente-se de tal modo abatido que chega a pedir a morte: «Se me queres tratar assim, dá-me antes a morte» (v. 15).
É fácil ceder à saudade do passado, quando nos deixamos guiar, não pelo espírito de fidelidade à aliança com Deus, mas pelos nossos instintos fortes, como podem ser a fome e a sede. Os Padres da Igreja sempre viram na caminhada de Israel através do deserto um paradigma do itinerário do cristão e da Igreja. O futuro assusta. O alimento ligeiro do espírito não é suficiente, as saudades do passado atraiçoam, e as exigências de Deus nem sempre são bem compreendidas. Cada cristão passa pelas suas provações. Mas ai de quem se fixa no passado! Há que acolher, agradecidos, o alimento quotidiano, ainda que seja leve como a Palavra de Deus, e o pão e vinho eucarísticos.
O evangelho apresenta-nos Jesus, qual novo Moisés no deserto, no meio de uma multidão cansada, faminta, doente. Esta multidão sente dificuldades em seguir o Messias. Mas é dele que espera tudo, incluindo a libertação política. Jesus corresponde aos seus anseios de modo eficaz e milagroso. Mas os sinais realizados, tal como a sua pessoa, devem ser acolhidos na fé. De facto, Jesus vive em comunhão com o Pai, mas também com os discípulos, com quem partilha tudo. O maná quotidiano, da Palavra e da Eucaristia, é alimento para o caminho, o viático para a jornada.
Lemos nas nossas Constituições: «Cristo rezou pelo advento do Reino, que já está em acção com a sua presença no meio de nós. Pela sua morte e ressurreição, abriu-nos ao dom do Espírito e à liberdade dos Filhos de Deus (cf. Rm 8,21). Ele é para nós o Primeiro e o Último, Aquele que vive (cf. Ap 1,17-18)». Para podermos chegar à pátria definitiva, Jesus não hesitou em dar tudo por nós. Ficou mesmo connosco, para ser nosso alimento e nossa bebida. Actua continuamente para que se realize plenamente o nosso êxodo do homem velho (cf. Rm 6, 6; Ef 4, 22; Cl 3, 9) para o homem novo (cf. Ef 4, 24; Cl 3, 10), a fim de nos tornarmos «um reino de sacerdotes»: «Fez deles para Deus um reino de sacerdotes que reinará sobre a terra» (Ap 5, 10); «Vós sois raça eleita, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido, a fim de anunciardes as virtudes d´Aquele que vos chamou das trevas para a Sua luz admirável» (1 Pe 2, 8).
Deixemo-nos guiar por Jesus, novo Moisés, e acolhamos agradecidos os alimentos da Palavra e da Eucaristia que nos dá.


* 3ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Números 12, 1-13

Naqueles dias, Maria e Aarão falaram contra Moisés por causa da mulher etíope que ele tinha tomado, por ter desposado uma etíope; 2e disseram: «Acaso foi só a Moisés que o Senhor falou? Não falou também a nós?» Ora o Senhor ouviu. 3Na realidade, Moisés era um homem muito humilde, mais que todos os homens que há sobre a face da terra. 4Subitamente, o Senhor disse a Moisés, a Aarão e a Maria: «Ide vós três à tenda da reunião.» E foram os três. 5O Senhor desceu na coluna da nuvem, pôs-se à entrada da tenda e chamou Aarão e Maria. Aproximaram-se, 6e Ele disse: «Escutai bem as minhas palavras. Se existisse entre vós um profeta, Eu, o Senhor, manifestar-me-ia a ele numa visão. Eu me daria a conhecer em sonhos, falaria com ele. 7Não é assim com o meu servo Moisés? Eu estabeleci-o sobre toda a minha casa! 8Falo com ele frente a frente, à vista e não por enigmas; ele contempla a imagem do Senhor! Como é que não tivestes medo de falar contra o meu servo, contra Moisés?» 9A ira do Senhor inflamou-se contra eles e afastou-se. 10Retirou-se a nuvem de cima da tenda; e eis que Maria se encontrou coberta de lepra como neve. Aarão voltou-se para Maria e viu-a coberta de lepra. 11Disse Aarão a Moisés: «Por favor, meu senhor, não nos faças suportar esse pecado que cometemos e de que somos culpados. 12Que ela não seja como alguém que sai já morto do ventre de sua mãe e com a carne meio consumida.» 13Moisés suplicou ao Senhor: «Ó Deus, por favor, cura-a!»

Evangelho: Mateus 14, 22-36

Depois de ter saciado a fome à multidão, Jesus obrigou os discípulos a embarcar e a ir adiante para a outra margem, enquanto Ele despedia as multidões. 23Logo que as despediu, subiu a um monte para orar na solidão. E, chegada a noite, estava ali só. 24O barco encontrava-se já a várias centenas de metros da terra, açoitado pelas ondas, pois o vento era contrário. 25De madrugada, Jesus foi ter com eles, caminhando sobre o mar. 26Ao verem-no caminhar sobre o mar, os discípulos assustaram-se e disseram: «É um fantasma!» E gritaram com medo. 27No mesmo instante, Jesus falou-lhes, dizendo: «Tranquilizai-vos! Sou Eu! Não temais!» 28Pedro respondeu-lhe: «Se és Tu, Senhor, manda-me ir ter contigo sobre as águas.» 29«Vem» - disse-lhe Jesus. E Pedro, descendo do barco, caminhou sobre as águas para ir ter com Jesus. 30Mas, sentindo a violência do vento, teve medo e, começando a ir ao fundo, gritou: «Salva-me, Senhor!» 31Imediatamente Jesus estendeu-lhe a mão, segurou-o e disse-lhe: «Homem de pouca fé, porque duvidaste?» 32E, quando entraram no barco, o vento amainou. 33Os que se encontravam no barco prostraram-se diante de Jesus, dizendo: «Tu és, realmente, o Filho de Deus!» 34Após a travessia, pisaram terra em Genesaré. 35Ao reconhecerem-no, os habitantes daquele lugar espalharam a notícia por toda a região. Trouxeram-lhe todos os doentes, e pediam que os deixasse tocar ao menos na orla do seu manto. E quantos lhe tocaram foram completamente curados.

REFLEXÃO

Os meios de comunicação social noticiam diariamente protestos contra governantes, contra líderes, contra autoridade religiosas, etc., etc. São comportamentos muito antigos na humanidade, ainda que hoje pareçam mais frequentes.
A primeira leitura fala-nos da contestação de Maria e de Aarão contra Moisés. Não se trata de uma contestação qualquer, pois Maria e Aarão são irmãos de Moisés. Estes reclamam contra o privilégio de Moisés falar em nome de Deus, de comunicar os seus ensinamentos e mandamentos. O irmão até nem lhes parecia a pessoa mais adequada, pois tinha tomado por esposa uma mulher etíope (cf. v. 1). Deus reage violentamente contra esta contestação preconceituosa, reafirmando a autoridade de Moisés: «Eu estabeleci-o sobre toda a minha casa! Falo com ele frente a frente, à vista e não por enigmas; ele contempla a imagem do Senhor!» (v. 7). Depois interroga: «Como é que não tivestes medo de falar contra o meu servo, contra Moisés?» (v. 8). A ira de Deus revelou-se terrível: Maria ficou leprosa, e Moisés teve de interceder por ela diante do Senhor.
A contestação é, pois, uma coisa grave, porque não respeita a ordem estabelecida por Deus, desestabiliza a sociedade e a comunidade, põe confusão, destrói a harmonia. Mas nem todas as críticas são «contestação». Por vezes, a crítica é útil. Mas deve ser feita de modo construtivo, sem contestar a autoridade. Jetro, sogro de Moisés, também criticou o facto de Moisés exercer sozinho a justiça, sugerindo-lhe a partilha da autoridade com pessoas que o pudessem ajudar. Moisés aceitou a crítica e o conselho, porque os achou justos.
Outro é o caso daqueles que contestam porque não querem aceitar qualquer autoridade. É uma contestação inaceitável.
O cristão deve submeter-se sinceramente às autoridades, porque, como diz Paulo na carta aos Romanos, a autoridade vem de Deus, e só aceitando-a com humildade se pode contribuir para o bem comum. No caso de Moisés, a Escritura diz-nos que era manso mais do que qualquer outro homem sobre a terra, sugerindo que não havia razões para o contestar. Mas, se as autoridades forem opressoras e arbitrárias, se procurarem apenas os seus interesses, e não os do povo, então a contestação é lícita e até forçosa. Todavia, o cristão deve fazer um verdadeiro discernimento espiritual, antes de ir pela contestação das autoridades.
Quanto a nós religiosos, escutemos as nossas Constituições, que nos dizem: «Comprometemo-nos a obedecer aos nossos Superiores, no exercício legítimo do seu serviço de autoridade conforme as Constituições, em tudo o que concerne à vida da Congregação e à observância dos votos. Devemos obedecer também ao Soberano Pontífice e à Santa Sé. No entanto, a nossa profissão não nos empenha apenas quando os Superiores o peçam em força do voto: insere toda a nossa vida no projecto de Deus» (Cst 54).
O serviço do superior é "mediar", isto é, ser intermediário, a fim de que cada religioso e o conjunto da comunidade possam conhecer, com certeza moral, a vontade de Deus, para, depois, coordenar os respectivos carismas, ordená-los para o enriquecimento recíproco, para que se realize o carisma-missão do Instituto e a santidade dos seus membros.


* 4ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Números 13, 1-2 – 14, 1.26-29.34-35

Naqueles dias, 1o Senhor falou a Moisés: 2«Manda homens para explorar a terra de Canaã, que Eu hei-de dar aos filhos de Israel; enviarás um homem por cada tribo da casa de seus pais, todos dentre os principais.» Ao fim de quarenta dias, regressaram de explorar a terra. 1Levantou-se toda a assembleia a gritar e o povo chorou toda essa noite. 26O Senhor disse a Moisés e a Aarão: 27«Até quando terei de ouvir esta assembleia má a murmurar contra mim? Ouvi as murmurações que os filhos de Israel fazem continuamente contra mim. 28Dir-lhes-ás: ‘Como Eu sou vivo - oráculo do Senhor - segundo as palavras que vos ouvi dizer, assim mesmo vos farei. 29Neste deserto cairão os vossos cadáveres e todos os vossos recenseados de vinte anos para cima, que murmuraram contra mim. 34Conforme o número de dias em que explorastes a terra, quarenta dias, equivalendo cada dia a um ano, haveis de carregar durante quarenta anos as vossas iniquidades e reconhecereis o meu desagrado’. 35Eu, o Senhor, declaro: Hei-de fazer isto a toda esta assembleia má que se revoltou contra mim neste deserto. Aqui acabarão e morrerão!’»

Evangelho: Mateus 15, 21-28

Naquele Tempo, 21Jesus partiu dali e retirou-se para os lados de Tiro e de Sídon. 22Então, uma cananeia, que viera daquela região, começou a gritar: «Senhor, Filho de David, tem misericórdia de mim! Minha filha está cruelmente atormentada por um demónio.» 23Mas Ele não lhe respondeu nem uma palavra. Os discípulos aproximaram-se e pediram-lhe com insistência: «Despacha-a, porque ela persegue-nos com os seus gritos.» 24Jesus replicou: «Não fui enviado senão às ovelhas perdidas da casa de Israel.» 25Mas a mulher veio prostrar-se diante dele, dizendo: «Socorre-me, Senhor.» 26Ele respondeu-lhe: «Não é justo que se tome o pão dos filhos para o lançar aos cachorros.» 27Retorquiu ela: «É verdade, Senhor, mas até os cachorros comem as migalhas que caem da mesa de seus donos.» 28Então, Jesus respondeu-lhe: «Ó mulher, grande é a tua fé! Faça-se como desejas.» E, a partir desse instante, a filha dela achou-se curada.

REFLEXÃO

As leituras de hoje levam-nos a meditar sobre a fidelidade de Deus e a confiança que havemos de ter n´Ele. Deus é fiel às suas promessas. Mas, na primeira leitura, vemos o povo com falta de fé e de confiança em Deus. Pouco depois de ter retirado Israel do Egipto, Deus convida-o a tomar posse da terra: «O Senhor falou a Moisés: «Manda homens para explorar a terra de Canaã, que Eu hei-de dar aos filhos de Israel» (vv. 1-2). Os exploradores partiram para Canaã e voltaram com um relatório cheio de contrastes: é uma terra maravilhosa, «uma terra onde corre leite e mel», mas «o povo que habita a terra é poderoso, as cidades são fortificadas e muito grandes». Perante estas notícias, a reacção poderia ser em dois sentidos: ir em frente, confiando no Senhor ou desanimar com as dificuldades. Mas, quando alguém se deixa vencer pelas dificuldades, elas agigantam-se ainda mais. Foi o que sucedeu com o povo de Israel: «Levantou-se toda a assembleia a gritar e o povo chorou toda essa noite» (v. 1).
Deus não pode suportar uma tal falta de confiança n´Ele e nas suas promessas. A desconfiança atinge-lhe o coração. E toma uma resolução idêntica à dos Israelitas: não quereis entrar na terra? Pois não entrareis! «Hei-de fazer isto a toda esta assembleia má que se revoltou contra mim neste deserto. Aqui acabarão e morrerão!» (v. 35).
Hoje está muito difundida esta falta de confiança em Deus. Muitos dos nossos jovens já não tem coragem para assumir compromissos duradouros, como é o matrimónio, a profissão religiosa, o sacerdócio, contando com a graça de Deus. É certo que, sem a graça divina, ninguém é capaz de manter um compromisso para toda a vida. Há tantas coisas que mudam, e nós próprios mudamos! Mas, com a ajuda de Deus, que não falta, podemos realizar com fidelidade os compromissos tomados em seu nome.
A confiança ilimitada da mulher cananeia dá-lhe coragem, dá-lhe atrevimento para se dirigir ao Senhor e pedir o milagre. Deus apenas aguarda de nós a fé e a esperança, para nos dar tudo quanto precisamos. As provações da vida, em vez de nos desanimarem, devem acender em nós uma esperança cada vez maior.
“A nossa vida religiosa participa na evolução, nas provações e procuras do mundo e da Igreja. Também ela é constantemente interpelada. Somos obrigados a repensar e a reformular a sua missão e as suas formas de presença e de testemunho” (Cst 144). É preciso, sobretudo, manter bem vivas a fé e a esperança.


* 5ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Números 20, 1-13

Naqueles dias, 1toda a comunidade dos filhos de Israel chegou ao deserto de Cin, no primeiro mês, e o povo instalou-se em Cadés. Ali morreu Maria e ali foi sepultada. 2Como a comunidade não tinha água, amotinaram-se contra Moisés e Aarão. 3O povo começou a discutir com Moisés, dizendo: «Oxalá tivéssemos perecido com os nossos irmãos diante do Senhor! 4Porque conduzistes a comunidade do Senhor a este deserto? Foi para morrermos aqui com os nossos rebanhos? 5E porque nos tirastes do Egipto? Foi para nos fazer vir para este lugar mau, que não é lugar de sementeiras, nem de figueiras, nem de vinhas, nem de romãs, nem de água para beber?» 6Moisés e Aarão afastaram-se da comunidade, dirigiram-se à porta da tenda da reunião e inclinaram-se de rosto por terra. Apareceu-lhes então a glória do Senhor. 7E o Senhor disse a Moisés: 8«Toma a tua vara e convoca a assembleia. Tu e Aarão, teu irmão, falareis ao rochedo diante de todos, e ele dará as suas águas; farás jorrar para eles água do rochedo e darás de beber à assembleia e seus rebanhos.» 9Moisés tomou a vara que estava diante do Senhor, como Ele lhe tinha ordenado. 10Moisés e Aarão convocaram a comunidade para diante do rochedo, e ele falou-lhes: «Ouvi, rebeldes! Porventura, deste rochedo poderemos fazer jorrar água para vós?» 11Moisés levantou a mão e bateu com a sua vara duas vezes no rochedo. Jorrou, então, tanta água que a assembleia e seus rebanhos puderam beber. 12O Senhor disse a Moisés e a Aarão: «Porque vós não acreditastes em mim, para provardes a minha santidade diante dos filhos de Israel, por isso não introduzireis esta comunidade na terra que lhes vou dar.» 13Estas são as águas de Meribá, onde os filhos de Israel discutiram com o Senhor e Ele lhes mostrou a sua santidade.

Evangelho: Mateus 16, 13-23

Naquele tempo, 13Jesus ao chegar à região de Cesareia de Filipe, Jesus fez a seguinte pergunta aos seus discípulos: «Quem dizem os homens que é o Filho do Homem?» 14Eles responderam: «Uns dizem que é João Baptista; outros, que é Elias; e outros, que é Jeremias ou algum dos profetas.» 15Perguntou-lhes de novo: «E vós, quem dizeis que Eu sou?» 16Tomando a palavra, Simão Pedro respondeu: «Tu és o Messias, o Filho de Deus vivo.» 17Jesus disse-lhe em resposta: «És feliz, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que to revelou, mas o meu Pai que está no Céu. 18Também Eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Abismo nada poderão contra ela. 19Dar-te-ei as chaves do Reino do Céu; tudo o que ligares na terra ficará ligado no Céu e tudo o que desligares na terra será desligado no Céu.» 20Depois, ordenou aos discípulos que a ninguém dissessem que Ele era o Messias. 21A partir desse momento, Jesus Cristo começou a fazer ver aos seus discípulos que tinha de ir a Jerusalém e sofrer muito, da parte dos anciãos, dos sumos sacerdotes e dos doutores da Lei, ser morto e, ao terceiro dia, ressuscitar. 22Tomando-o de parte, Pedro começou a repreendê-lo, dizendo: «Deus te livre, Senhor! Isso nunca te há-de acontecer!» 23Ele, porém, voltando-se, disse a Pedro: «Afasta-te, Satanás! Tu és para mim um estorvo, porque os teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens!»

REFLEXÃO

Israel experimentou tantas vezes a fidelidade de Deus, e as maravilhas que Ele fez em favor do seu povo. A fé, a fidelidade e a confiança deste povo deviam estar preparadas para resistir a todas as provações. Mas o homem facilmente se esquece dos bens recebidos de Deus, especialmente quando não vê satisfeitas necessidades primárias como será a de comer e beber.
O povo de Deus está em clara revolta contra Moisés e, ao fim e ao cabo, contra Deus, porque sofre a sede e não encontra água para se saciar. A provação e a murmuração, a tentação e a revolta atingem os sentimentos humanos mais profundos e alastram com um contágio, como uma peste entre a população. Deus, sempre paciente connosco, deixa que a tentação nos prove e provoque. É por isso que, no Pai nosso, pedimos para não cair em tentação e, no limite, para que Deus não nos submeta à prova que é também um momento de verdade.
No deserto, como tantas vezes acontece connosco, Deus dá uma resposta válida, mas passageira. Deus nunca permite que sejamos tentados acima das nossas forças.
O evangelho fala-nos da confissão de Pedro. Esta põe-nos na atitude certa da nossa adesão a Cristo, Filho de Deus vivo. À volta da fé de Pedro e dos seus sucessores tornamo-nos igreja, assembleia de Deus, fundada na fé em Cristo. Devemos crer a igreja e não só na igreja. Crer a igreja é acolhê-la como dom de Cristo, é amar a igreja. Sentir com a igreja é também senti-la como algo de nosso, de vivo. Poderá também suceder na nossa vida ter de sofrer pela igreja, e - quem sabe? - por causa da igreja. Que jamais percamos de vista o Senhor da igreja e não nos limitemos a indicar como prioridade a igreja do Senhor.
Sabemos como o Pe. Dehon amava a Igreja e sofreu pela igreja. Mas também sofreu por causa de alguns homens da igreja. Mas nem por isso deixou de amá-la e de servi-la. A sua «experiência de fé», não foi uma experiência fechada no intimismo, mas aberta à Igreja, ao apostolado, ao serviço. O P. Dehon serviu a Igreja, não só com a sua santidade, mas também com o seu apostolado, com a sua «Obra», a Congregação. O Fundador amou a Igreja, ao serviço da qual se gastou e empenhou a Congregação.


* 6ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Deuteronómio 4, 32-40

Moisés falou ao povo, dizendo: 32«Na verdade, interroga os tempos antigos que te precederam, desde o dia em que Deus criou o homem sobre a terra. Pergunta se jamais houve, de uma extremidade à outra do céu, coisa tão extraordinária como esta, ou se jamais se ouviu coisa semelhante. 33Sabes, porventura, de algum povo que tenha ouvido a voz de Deus falando do meio do fogo, como tu ouviste, e tenha continuado a viver? 34Algum experimentou Deus a escolher para si um povo dentre outros povos, por meio de milagres, sinais e prodígios, combatendo com mão forte e braço estendido, com terríveis portentos, conforme tudo o que fez por vós o Senhor, vosso Deus, no Egipto, diante dos teus olhos? 35Tu viste e ficaste a conhecer que Ele, o Senhor, é Deus e que não há outro além dele. 36Do céu, fez-te ouvir a sua voz para te instruir; sobre a terra, mostrou-te a grandeza do seu fogo, e tu ouviste as palavras vindas do meio do fogo. 37E, porque amou os teus antepassados e escolheu a sua descendência depois deles, tirou-te do Egipto com a força do seu grande poder: 38desalojou, à tua frente, povos mais numerosos e mais fortes do que tu para te introduzir nas suas terras e dar-tas em herança, como acontece hoje. 39Reconhece, agora, e medita no teu coração, que só o Senhor é Deus, tanto no alto do céu como em baixo, sobre a terra, e que não há outro. 40Cumprirás, pois, as suas leis e os seus mandamentos, que eu hoje te prescrevo, para seres feliz, tu e os teus filhos depois de ti, e para que se prolongue a tua existência sobre a terra que o Senhor, teu Deus, te dará para sempre».

Evangelho: Mateus 16, 24-28

Naquele tempo, então, 24Jesus disse aos discípulos: «Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me. 25Quem quiser salvar a sua vida, vai perdê-la; mas, quem perder a sua vida por minha causa, há-de encontrá-la. 26Que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua vida? Ou que poderá dar o homem em troca da sua vida? 27Porque o Filho do Homem há-de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos, e então retribuirá a cada um conforme o seu procedimento. 28Em verdade vos digo: alguns dos que estão aqui presentes não hão-de experimentar a morte, antes de terem visto chegar o Filho do Homem com o seu Reino.»

REFLEXÃO

«Interroga os tempos antigos que te precederam» (v. 32). Moisés convida o povo a fazer um exercício de memória, para se dar conta do amor pessoal com Deus o tem amado, e tem amado cada um dos seus membros. A história de Israel está gravada mais nos corações do que nos livros. A grata memória das maravilhas de Deus renova-se pela oração que acolhe a palavra e pelos salmos que, ruminados no íntimo de cada um, alimentam o louvor de Deus. Por cada um dos eventos se pode repetir: «É eterna a sua misericórdia». Em cada etapa progressiva se pode dizer, como na noite da Páscoa: «Dayenû!», isto teria sido suficiente!
Para nós, homens e mulheres da pós-modernidade, de frágil e não convicta memória do passado, da experiência do efémero quotidiano, que parece cair constantemente no nada, a lição do “povo da memória” é preciosa: re-cor-dar, dar novamente ao coração, como necessária oxigenação teológica, a memória dos actos de Deus na nossa história pessoal e comunitária, é uma preciosa atitude espiritual. É o que dá consistência à nossa fé pessoal, que não pode limitar-se a repetir fórmulas aprendidas na catequese, mas que nasce da experiência viva do Deus vivo. Esta memória é também importante para a transmissão da fé às novas gerações. Outrora isso fazia-se à lareira, nas noites de Inverno, ou ao luar, nas noites de Verão. Hoje não é fácil fazê-lo nessas circunstâncias. Mas há que inventar outras. Há que fazer memória das obras de Deus já realizadas. Há que fazer memória daquelas que estão por realizar, e nos orientam para um futuro de glória: «Cumprirás, pois, as suas leis e os seus mandamentos, que eu hoje te prescrevo, para seres feliz, tu e os teus filhos depois de ti, e para que se prolongue a tua existência sobre a terra que o Senhor, teu Deus, te dará para sempre» (v. 40).
Fazer memória das obras de Deus é um meio para viver em união com Ele, para permanecer numa relação pessoal e íntima com Ele, que nos levam a renunciar ao egoísmo. Quem se volta para Deus, não se volta para si!
Em Jesus, o amor de Deus revelou-se de modo ainda mais generoso que no Antigo Testamento, pois se manifestou, não só por sinais e prodígios, mas também pagando pessoalmente, até ao cansaço, até ao sofrimento, até à morte e morte de cruz. Para permanecer no amor de Deus, revelado em Jesus Cristo, há que tomar a cruz e segui-l´O: «Se alguém quiser vir comigo, renuncie a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me» (v. 24). Com este paradoxo, Jesus dá-nos uma revelação decisiva sobre a recta orientação da nossa vida. As suas palavras são chave de compreensão a guardar no coração e na memória para alcançar uma renovada esperança que se apoia no anúncio da sua definitiva vinda gloriosa.


* SÁBADO - Anos Ímpares

Primeira leitura: Deuteronómio 6, 4-11


Moisés falou ao povo, dizendo: 4Escuta, Israel! O Senhor é nosso Deus; o Senhor é único! 5Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. 6Estes mandamentos que hoje te imponho estarão no teu coração. 7Repeti-los-ás aos teus filhos e reflectirás sobre eles, tanto sentado em tua casa, como ao caminhar, ao deitar ou ao levantar. 8Atá-los-ás, como símbolo, no teu braço e usá-los-ás como filactérias entre os teus olhos. 9Escrevê-los-ás sobre as ombreiras da tua casa e nas tuas portas.» 10«Quando o Senhor, teu Deus, te introduzir na terra que vos há-de dar, como jurou a teus pais, Abraão, Isaac e Jacob, terra de grandes e belas cidades, que não edificaste, 11com casas repletas de bens que não juntaste, com cisternas abertas que não cavaste, com vinhas e oliveiras que não plantaste; então comerás e ficarás saciado.

Evangelho: Mateus 17, 14-20

Naquele tempo, 14 aproximou-se de Jesus um homem, ajoelhou-se a seus pés e 15disse-lhe: «Senhor, tem piedade do meu filho. Ele tem ataques e está muito mal. Cai frequentemente no fogo e muitas vezes na água. 16Apresentei-o aos teus discípulos, mas eles não puderam curá-lo.» 17Disse Jesus: «Geração descrente e perversa! Até quando estarei convosco? Até quando vos hei-de suportar? Trazei-mo cá.» 18Jesus falou severamente ao demónio, e este saiu do jovem que, a partir desse momento, ficou curado. 19Então, os discípulos aproximaram- se de Jesus e perguntaram-lhe em particular: «Porque é que nós não fomos capazes de expulsá-lo?» 20Disse-lhes Ele: «Pela vossa pouca fé. Em verdade vos digo: Se tiverdes fé como um grão de mostarda, direis a este monte: ‘Muda-te daqui para acolá’, e ele há-de mudar-se; e nada vos será impossível.

REFLEXÃO

Israel fez da confissão de fé no Deus vivo e único, que escutamos no início da primeira leitura, um compromisso que levava ao reconhecimento da exclusividade de Deus na vida de cada crente. Jesus citou este texto para responder ao escriba que o interrogou sobre o primeiro dos mandamentos: «O primeiro é: Escuta, Israel: O Senhor nosso Deus é o único Senhor; amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com todo o teu entendimento e com todas as tuas forças» (Mc 12, 29-30). Ao Deus vivo e único pertencem o coração, a alma e as forças. Trata-se de uma relação totalizante e pessoal que faz da vida de cada um uma experiência de aliança e de presença, que tudo envolve. A vida de fé não é o somatório de actos religiosos, mas uma relação viva e pessoal, uma adesão perene ao projecto de Deus.
«Amarás o Senhor, teu Deus» (v. 29). Ele tornou-se verdadeiramente “meu Deus” e quer sê-lo cada vez mais, para me fazer viver plenamente na confiança, na alegria, na comunhão com Ele e com todos. «Amarás… com todo o teu coração»: só Deus pode ser amado com todo o coração, sem qualquer reserva, porque só Ele é todo bondade, bondade infinita. No mundo, todas as criaturas têm os seus limites e os seus defeitos, que tornam impossível amá-las sem reservas. Deus, pelo contrário, é digno de um amor ilimitado. Posso amá-lo com todo o meu ser porque esse ser me foi dado por Ele. De ninguém se pode dizer o mesmo. Muitas pessoas me deram muito, com todo o seu afecto. Mas ninguém me deu todo o meu ser, senão Deus.
Todas estas realidades, que tanto espantavam Israel, nos devem espantar também a nós, cristãos. Os nossos «irmãos mais velhos» vivem um monoteísmo intenso e profundo. E nisto são exemplares para nós. O primeiro lugar só a Deus pertence. Por isso, a opção por Deus é tarefa prioritária, também para nós, no meio da sociedade em que vivemos.
O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob, de Moisés e dos profetas, é, para nós, o Pai de Nosso Senhor Jesus Cristo. No Filho, e na sua ressurreição, revela-se toda a força, toda a ternura, toda a paternidade do nosso Deus, e tudo quanto dele nos disse Jesus. Ele confirmou essa palavra do Antigo Testamento e viveu-a até às máximas consequências. É esta a fé que muda montanhas, a adesão total que começa com o afastamento das montanhas do coração, que se interpõem entre o nosso egoísmo e a realidade do Deus vivo.
Amar a Deus, propriamente falando, não é tanto um mandamento quanto uma vocação, que corresponde à aspiração profunda do nosso ser. Por outro lado, amar a Deus com todo o coração é obra que exige tempo, porque pressupõe a eliminação das tais montanhas do nosso egoísmo. Mas todo o progresso nesta direcção é uma vitória, que enche de alegria o coração.

Ricardo Igreja

Sem comentários:

Enviar um comentário