quarta-feira, 23 de março de 2011

V DOMINGO TEMPO COMUM

* DOMINGO


 «Vós sois o sal da terra»


LEITURA I – Is 58, 7-10

Eis o que diz o Senhor: «Reparte o teu pão com o faminto, dá pousada aos pobres sem abrigo, leva roupa ao que não tem que vestir e não voltes as costas ao teu semelhante. Então a tua luz despontará como a aurora e as tuas feridas não tardarão a sarar. Preceder-te-á a tua justiça e seguir-te-á a glória do Senhor. Então, se chamares, o Senhor responderá, se O invocares, dir-te-á: “Aqui estou”. Se tirares do meio de ti a opressão, os gestos de ameaça e as palavras ofensivas, se deres do teu pão ao faminto e matares a fome ao indigente, a tua luz brilhará na escuridão e a tua noite será como o meio-dia».

LEITURA II – 1 Cor 2, 1-5

Quando fui ter convosco, irmãos, não me apresentei com sublimidade de linguagem ou de sabedoria a anunciar-vos o mistério de Deus. Pensei que, entre vós, não devia saber nada senão Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado. Apresentei-me diante de vós cheio de fraqueza e de temor e a tremer deveras. A minha palavra e a minha pregação não se basearam na linguagem convincente da sabedoria humana, mas na poderosa manifestação do Espírito Santo, para que a vossa fé não se fundasse na sabedoria humana, mas no poder de Deus.

EVANGELHO – Mt 5, 13-16

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Vós sois o sal da terra. Mas se ele perder a força, com que há-de salgar-se? Não serve para nada, senão para ser lançado fora e pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; nem se acende uma lâmpada para a colocar debaixo do alqueire, mas sobre o candelabro, onde brilha para todos os que estão em casa. Assim deve brilhar a vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus».

Reflexão

O texto que nos é proposto reúne duas parábolas – a do sal e a da luz – destinadas a pôr em relevo o papel do novo Povo de Deus no mundo e a definir a missão daqueles que aceitam viver no espírito das bem-aventuranças. Depois de apresentar a nova Lei (“bem-aventuranças”), Jesus define a missão do novo Povo de Deus.
A primeira comparação é a do sal (vers. 13). O sal é, em primeiro lugar, o elemento que se mistura na comida e que dá sabor aos alimentos (cf. Jb 6,6). Também é um elemento que assegura a conservação dos alimentos e a sua incorruptibilidade. Simboliza, nesta linha, aquilo que é inalterável… No Antigo Testamento, o sal é usado para significar o valor durável de um contrato; nesse contexto, falar de uma “aliança de sal” (Nm 18,19) é falar de um compromisso permanente, perene (cf. 2 Cr 13,5).
Dizer que os discípulos são “o sal” significa, portanto, que os discípulos são chamados a trazer ao mundo essa “qualquer coisa mais” que o mundo não tem e que dá sabor à vida dos homens; significa também que da fidelidade dos discípulos ao programa enunciado por Jesus (as “bem-aventuranças”) depende a perenidade da aliança entre Deus e os homens e a permanência do projecto salvador e libertador de Deus no mundo e na história.
A referência à perda do sabor (“se o sal perder o sabor… já não serve para nada”) destina-se a alertar os discípulos para a necessidade de um compromisso efectivo com o testemunho do “Reino”: se os discípulos de Jesus recusarem ser sal e se demitirem das suas responsabilidades, o mundo guiar-se-á por critérios de egoísmo, de injustiça, de violência, de perversidade, e estará cada vez mais distante da realidade do “Reino” que Jesus veio propor. Nesse caso, a vida dos discípulos terá sido inútil.
A segunda comparação é a da luz (vers. 14-16). Para a explicar, Jesus utiliza duas imagens.
A primeira imagem (a da cidade situada sobre um monte) leva-nos a Is 60,1-3, onde se fala da “luz” de Deus que devia brilhar sobre Jerusalém e, a partir de lá, alumiar todos os povos. A interpretação judaica de Is 60,3 aplicava a frase a Israel: o Povo de Deus devia ser o reflexo da luz libertadora e salvadora de Jahwéh diante de todos os povos da terra. A segunda imagem (a da lâmpada colocada sobre o candelabro, a fim de alumiar todos os que estão em casa) repete e explicita a mensagem da primeira: os que aderem ao “Reino” devem ser uma luz que ilumina e desafia o mundo. É possível que haja ainda nestas imagens uma referência ao “Servo de Jahwéh” de Is 42,6 e 49,6, apresentado como a “luz das nações”.
De qualquer forma, a verdade é que, na perspectiva de Jesus, essa presença da “luz” de Deus para alumiar as nações dar-se-á, doravante, nos discípulos, isto é, naqueles que aceitaram o apelo do “Reino” e aderiram à nova Lei (as “bem-aventuranças”) proposta por Jesus. Eles são a “nova Jerusalém”, ou o novo “Servo de Jahwéh” de onde a proposta libertadora de Deus irradia e a partir de onde ela transforma e ilumina a vida de todos os homens.
Estas duas imagens não pretendem, contudo, dizer que os discípulos de Jesus devam dar nas vistas, mostrar-se, escolher lugares de visibilidade de onde as massas os admirem e os aplaudam. Mas pretende dizer que a missão das testemunhas do “Reino” deve levá-las a dar testemunho, a questionar o mundo, a ser uma interpelação profética, a ser um reflexo da luz de Deus; e que não devem esconder-se, demitir-se da sua missão, fugir às suas responsabilidades.
Essas “boas obras” que os discípulos devem praticar, e que serão um testemunho do “Reino” para os homens, são, provavelmente, aquelas que Mateus apresenta na segunda parte das “bem-aventuranças” (cf. Mt 5,7-11): a “misericórdia” (um coração capaz de compadecer-se, de amar, de perdoar, de se comover, de se deixar tocar pelos sofrimentos e angústias dos irmãos), a “pureza de coração” (a honestidade, a lealdade, a verdade, a verticalidade), a defesa intransigente da paz (a recusa da violência e da lei do mais forte a luta pela reconciliação) e da justiça. É desse labor dos discípulos que nascerá o mundo novo, o mundo do “Reino”.
A missão dos discípulos é, portanto, a de “dar sabor” ao mundo, garantir aos homens a perenidade da “aliança” e iluminar o mundo com a “luz” de Deus. Eles são as testemunhas dessa realidade nova que nasce da oferta da salvação e da vivência das “bem-aventuranças”. Neles tem de estar presente essa realidade nova, que Jesus chamava “Reino”. 


* 2ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Génesis 1, 1-19

No princípio, quando Deus criou os céus e a terra, 2a terra era informe e vazia, as trevas cobriam o abismo e o espírito de Deus movia-se sobre a superfície das águas. 3Deus disse: «Faça-se a luz.» E a luz foi feita. 4Deus viu que a luz era boa e separou a luz das trevas. 5Deus chamou dia à luz, e às trevas, noite. Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o primeiro dia. 6Deus disse: «Haja um firmamento entre as águas, para as manter separadas umas das outras.» E assim aconteceu. 7Deus fez o firmamento e separou as águas que estavam sob o firmamento das que estavam por cima do firmamento. 8Deus chamou céus ao firmamento. Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o segundo dia. 9Deus disse: «Reúnam-se as águas que estão debaixo dos céus, num único lugar, a fim de aparecer a terra seca.» E assim aconteceu. 10Deus chamou terra à parte sólida, e mar, ao conjunto das águas. E Deus viu que isto era bom. 11Deus disse: «Que a terra produza verdura, erva com semente, árvores frutíferas que dêem fruto sobre a terra, segundo as suas espécies, e contendo semente.» E assim aconteceu. 12A terra produziu verdura, erva com semente, segundo a sua espécie, e árvores de fruto, segundo as suas espécies, com a respectiva semente. Deus viu que isto era bom. 13Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o terceiro dia. 14Deus disse: «Haja luzeiros no firmamento dos céus, para separar o dia da noite e servirem de sinais, determinando as estações, os dias e os anos; 15servirão também de luzeiros no firmamento dos céus, para iluminarem a Terra.» E assim aconteceu. 16Deus fez dois grandes luzeiros: o maior para presidir ao dia, e o menor para presidir à noite; fez também as estrelas. 17Deus colocou-os no firmamento dos céus para iluminarem a Terra, 18para presidirem ao dia e à noite, e para separarem a luz das trevas. E Deus viu que isto era bom. 19Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o quarto dia.

Evangelho: Marcos 6, 53-56

Naquele tempo, Jesus e os seus discípulos fizeram a travessia do lago e vieram para a terra de Genesaré, onde aportaram. 54Assim que saíram do barco, reconheceram-no. 55Acorreram de toda aquela região e começaram a levar os doentes nos catres para o lugar onde sabiam que Ele se encontrava. 56Nas aldeias, cidades ou campos, onde quer que entrasse, colocavam os doentes nas praças e rogavam-lhe que os deixasse tocar pelo menos as franjas das suas vestes. E quantos o tocavam ficavam curados.

Reflexão

As páginas do Génesis, que nos falam de Deus Criador, suscitam em nós sentimentos de admiração e de grandeza. É pela sua palavra que Deus cria o mundo. Dá uma ordem, e tudo acontece: «Deus disse: «Faça-se», e «assim se fez». E não falta uma avaliação da obra feita: «E Deus viu que isto era bom» (cf. Gn 1, 25). Deus aprecia as obras que realiza. Compraz-se nelas.
Sabemos que a Bíblia não pretende explicar cientificamente a criação do mundo. Os relatos do Génesis são uma história religiosa que fala de todas as criaturas, que afirma que todas têm origem em Deus e na sua palavra criadora. O escritor bíblico está claramente cheio de admiração pelas obras de Deus. A nossa admiração, a milénios de distância, há-de ser ainda maior, porque hoje, graças à investigação científica, compreendemos muito melhor a grandeza do universo. O autor bíblico não conhecia a distância da Terra à Lua, nem as quase inimagináveis distâncias medidas em anos luz entre os astros. Continuam a ser descobertas estrelas, vias lácteas, galáxias… Nós, agora, temos conhecimento de tudo isso, que não é suficiente, mas é importante, como revelação de Deus. Deus revela-se na criação. É bom e útil para nós deter-nos a contemplar a grandeza e as maravilhas de Deus nas suas obras pequenas e grandes. Os santos comoviam-se profundamente diante da grandeza do universo, mas também diante da simplicidade e da beleza de uma pequena flor. Em tudo descobriam a presença da sabedoria, do poder, do amor de Deus. «Louvai o Senhor porque Ele é bom, porque é eterna a sua misericórdia», convida-nos o salmo (2 Cr 7, 3).
O cristão cultiva, diante da criação, um olhar de grande optimismo e de respeito. Optimismo porque, apesar do mal que há no mundo, o conjunto das obras de Deus é bom; de respeito, porque, se tudo foi feito para o homem, ele deve usá-lo na medida das suas reais necessidades, sem destruir nem desperdiçar o que quer que seja.
O encontro com Deus feito homem, com Jesus, possibilita-nos uma cura que nos permite ver a verdade da criação, e a nossa própria verdade. 


* 3ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Génesis 1, 20-2, 4a

Deus disse: «Que as águas sejam povoadas de inúmeros seres vivos, e que por cima da terra voem aves, sob o firmamento dos céus.» 21Deus criou, segundo as suas espécies, os monstros marinhos e todos os seres vivos que se movem nas águas, e todas as aves aladas, segundo as suas espécies. E Deus viu que isto era bom. 22Deus abençoou-os, dizendo: «Crescei e multiplicai-vos e enchei as águas do mar e multipliquem-se as aves sobre a terra.» 23Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o quinto dia. 24Deus disse: «Que a terra produza seres vivos, segundo as suas espécies, animais domésticos, répteis e animais ferozes, segundo as suas espécies.» E assim aconteceu. 25Deus fez os animais ferozes, segundo as suas espécies, os animais domésticos, segundo as suas espécies, e todos os répteis da terra, segundo as suas espécies. E Deus viu que isto era bom. 26Depois, Deus disse: «Façamos o ser humano à nossa imagem, à nossa semelhança, para que domine sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu, sobre os animais domésticos e sobre todos os répteis que rastejam pela terra.» 27Deus criou o ser humano à sua imagem, criou-o à imagem de Deus; Ele os criou homem e mulher. 28Abençoando-os, Deus disse-lhes: «Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus e sobre todos os animais que se movem na terra.» 29Deus disse: «Também vos dou todas as ervas com semente que existem à superfície da terra, assim como todas as árvores de fruto com semente, para que vos sirvam de alimento. 30E a todos os animais da terra, a todas as aves dos céus e a todos os seres vivos que existem e se movem sobre a terra, igualmente dou por alimento toda a erva verde que a terra produzir.» E assim aconteceu. 31Deus, vendo toda a sua obra, considerou-a muito boa. Assim, surgiu a tarde e, em seguida, a manhã: foi o sexto dia. 1Foram assim terminados os céus e a Terra e todo o seu conjunto. 2Concluída, no sétimo dia, toda a obra que tinha feito, Deus repousou, no sétimo dia, de todo o trabalho por Ele realizado. 3Deus abençoou o sétimo dia e santificou-o, visto ter sido nesse dia que Ele repousou de toda a obra da criação. 4Esta é a origem da criação dos céus e da Terra.

Evangelho: Marcos 7, 1-13

Naquele tempo, reuniram-se à volta de Jesus os fariseus e alguns doutores da Lei vindos de Jerusalém, 2e viram que vários dos seus discípulos comiam pão com as mãos impuras, isto é, por lavar. 3É que os fariseus e todos os judeus em geral não comem sem ter lavado e esfregado bem as mãos, conforme a tradição dos antigos; 4ao voltar da praça pública, não comem sem se lavar; e há muitos outros costumes que seguem, por tradição: lavagem das taças, dos jarros e das vasilhas de cobre. 5Perguntaram-lhe, pois, os fariseus e doutores da Lei: «Porque é que os teus discípulos não obedecem à tradição dos antigos e tomam alimento com as mãos impuras?» 6Respondeu: «Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, quando escreveu: Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. 7Vazio é o culto que me prestam e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos. 8Descurais o mandamento de Deus, para vos prenderdes à tradição dos homens.» 9E acrescentou: «Anulais a vosso bel-prazer o mandamento de Deus, para observardes a vossa tradição. 10Pois Moisés disse: Honra teu pai e tua mãe; e ainda: Quem amaldiçoar o pai ou a mãe seja punido de morte. 11Vós, porém, dizeis: "Se alguém afirmar ao pai ou à mãe: ‘Declaro Qorban’ - isto é, oferta ao Senhor - aquilo que poderias receber de mim...", 12nada mais lhe deixais fazer por seu pai ou por sua mãe, 13anulando a palavra de Deus com a tradição que tendes transmitido. E fazeis muitas outras coisas do mesmo género.»

Reflexão

O livro do Génesis dá-nos uma esplêndida imagem do homem. Criado por Deus, à sua imagem e semelhança, o homem é chamado a dominar a terra, a ser seu senhor, a povoá-la: «Crescei e multiplicai-vos, enchei e dominai a terra… » (v. 28). Verdadeiramente, o homem é a obra-prima de Deus: «Quase fizeste dele um ser divino; de glória e de honra o coroaste. Deste-lhe domínio sobre as obras das tuas mãos, tudo submeteste a seus pés» (Sl 8, 7-8). À luz da Palavra de Deus, o homem é realmente grande, e há que resistir à tentação de, por qualquer modo, o diminuir. Deus quer o homem grande e glorioso. Deus não é um senhor mesquinho e invejoso. Deus é amor que Se dá, e Se dá com generosidade: «Façamos o ser humano à nossa imagem, à nossa semelhança» (v. 26). Deus é amor oblativo, sempre em expansão: dá generosamente e quer dar sempre mais. Tem grandes ambições para o homem, e não quer que ele se perca em ninharias. Como vemos no evangelho, nem sequer agrada a Deus que o homem se diminua numa religião feita de formalismos, de legalismo tacanho, que dá importância ao que o não merece. É certo que Jesus não ab-rogou a Lei nem os Profetas, mas reconduziu-os às suas intenções originárias, àqueles dados escritos que precedem todas as reelaborações da tradição. Ao fazer isso, recorda a hebreus e a cristãos que a prática da Lei e a obediência à Palavra escrita, é imitação de Deus que restabelece no homem a imagem do mesmo Deus, e a plena semelhança com o seu Criador. Em qualquer dos casos, torna-se claro que a honra que o homem dá a Deus consiste essencialmente em viver a sua vocação original: ser «imagem e semelhança» do Criador. É um enorme desafio que nos é posto. Há que optar e vivê-lo com todas as suas consequências. 


* 4ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Génesis 2, 4b-9, 15-17

Quando o Senhor Deus fez a Terra e os céus, 5e ainda não havia arbusto algum pelos campos, nem sequer uma planta germinara ainda, porque o Senhor Deus ainda não tinha feito chover sobre a terra, e não havia homem para a cultivar, 6e da terra brotava uma nascente que regava toda a superfície, 7então o Senhor Deus formou o homem do pó da terra e insuflou-lhe pelas narinas o sopro da vida, e o homem transformou-se num ser vivo. 8Depois, o Senhor Deus plantou um jardim no Éden, ao oriente, e nele colocou o homem que tinha formado. 9O Senhor Deus fez brotar da terra toda a espécie de árvores agradáveis à vista e de saborosos frutos para comer; a árvore da Vida estava no meio do jardim, assim como a árvore do conhecimento do bem e do mal. 15O Senhor Deus levou o homem e colocou-o no jardim do Éden, para o cultivar e, também, para o guardar. 16E o Senhor Deus deu esta ordem ao homem: «Podes comer do fruto de todas as árvores do jardim; 17mas não comas o da árvore do conhecimento do bem e do mal, porque, no dia em que o comeres, certamente morrerás.»

Evangelho: Marcos 7, 14-23

Naquele tempo, Jesus chamou de novo a multidão e disse-lhes: «Ouvi-me todos e procurai entender. 15Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o torna impuro. 16Se alguém tem ouvidos para ouvir, oiça.» 17Quando, ao deixar a multidão, regressou a casa, os discípulos interrogaram-no acerca da parábola. 18Ele respondeu: «Também vós não compreendeis? Não percebeis que nada do que, de fora, entra no homem o pode tornar impuro, 19porque não penetra no coração mas sim no ventre, e depois é expelido em lugar próprio?» Assim, declarava puros todos os alimentos. 20E disse: «O que sai do homem, isso é que torna o homem impuro. 21Porque é do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos, as prostituições, roubos, assassínios, 22adultérios, ambições, perversidade, má fé, devassidão, inveja, maledicência, orgulho, desvarios. 23Todas estas maldades saem de dentro e tornam o homem impuro.»

Reflexão

Mais uma vez, Jesus fala por enigmas: «Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o torna impuro» (v. 15). Como qualquer enigma, também este não é de fácil compreensão. Por isso é que Jesus começou por dizer: «Ouvi-me todos e procurai entender» (v. 14).
Estas palavras podem ser entendidas em sentido físico. Segundo a lei de Moisés, havia impurezas rituais concernentes aos alimentos e ao comer sem ter lavado as mãos. No evangelho de hoje a discussão partiu exactamente do facto dos Apóstolos comerem sem antes lavar as mãos. Mas havia outras impurezas ligadas aos que «sai do homem», tal como perdas de sangue e outras. A mulher do Evangelho, que tinha perdas de sangue, escondia-se para não tocar outras pessoas e torná-las impuras. Quem fosse tocado por ela, teria de lavar-se e aguardar algum tempo antes de poder participar no culto.
O enigma de Jesus poderia ser entendido no sentido em que Ele dava mais importância ao que sai do homem do que ao que ele come e bebe. Mas não era essa a intenção de Jesus: Ele distinguia o exterior e o interior no sentido do físico e do moral ou espiritual. Queria dizer que as coisas materiais têm menos importância para a pureza religiosa. E isto era uma verdadeira revolução religiosa, uma dessacralização. É certo que, para Jesus, todas as coisas têm relação com Deus e devem ser santificadas. Mas não devem ser sacralizadas, não se lhes deve dar uma importância desproporcionada. O alimento, o lavar as mãos, têm importância. Mas não devem ser entendidos como realidades sagradas. Uma coisa é a higiene; outra é a pureza religiosa. Há relação entre a limpeza do corpo e o respeito devido a Deus. Mas não se pode considerá-los tão importantes, que permitam esquecer outros aspectos bem mais importantes, e que não são tão facilmente alcançáveis. Purificar o coração é mais difícil do que lavar as mãos!
Jesus revela que a pureza religiosa não é exterior, mas interior. É preciso purificar o coração, o nosso íntimo, o nosso «eu profundo», onde realmente se dá o encontro com Deus, mais do que as mãos. Há que purificar as intenções, os desejos, os actos da vontade e da inteligência, pois é deles que nasce tudo o que é mau: «as prostituições, roubos, assassínios, adultérios, ambições, perversidade, má fé, devassidão, inveja, maledicência, orgulho, desvarios. Todas estas maldades saem de dentro e tornam o homem impuro» (v. 21-23). 


* 5ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Génesis 2, 18-25

O Senhor Deus disse: «Não é conveniente que o homem esteja só; vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele.» 19Então, o Senhor Deus, após ter formado da terra todos os animais dos campos e todas as aves dos céus, conduziu-os até junto do homem, a fim de verificar como ele os chamaria, para que todos os seres vivos fossem conhecidos pelos nomes que o homem lhes desse. 20O homem designou com nomes todos os animais domésticos, todas as aves dos céus e todos os animais ferozes; contudo, não encontrou auxiliar semelhante a ele. 21Então, o Senhor Deus fez cair sobre o homem um sono profundo; e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma das suas costelas, cujo lugar preencheu de carne. 22Da costela que retirara do homem, o Senhor Deus fez a mulher e conduziu-a até ao homem. 23Então, o homem exclamou: «Esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da minha carne. Chamar-se-á mulher, visto ter sido tirada do homem!» 24Por esse motivo, o homem deixará o pai e a mãe, para se unir à sua mulher; e os dois serão uma só carne. 25Estavam ambos nus, tanto o homem como a mulher, mas não sentiam vergonha.

Evangelho: Marcos 7, 24-30

Naquele tempo, Jesus partindo dali, foi para a região de Tiro e de Sídon. Entrou numa casa e não queria que ninguém o soubesse, mas não pôde passar despercebido, 25porque logo uma mulher que tinha uma filha possessa de um espírito maligno, ouvindo falar dele, veio lançar-se a seus pés. 26Era gentia, siro-fenícia de origem, e pedia-lhe que expulsasse da filha o demónio. 27Ele respondeu: «Deixa que os filhos comam primeiro, pois não está bem tomar o pão dos filhos para o lançar aos cachorrinhos.» 28Mas ela replicou: «Dizes bem, Senhor; mas até os cachorrinhos comem debaixo da mesa as migalhas dos filhos.» 29Jesus disse: «Em atenção a essa palavra, vai; o demónio saiu de tua filha.» 30Ela voltou para casa e encontrou a menina recostada na cama. O demónio tinha-a deixado.

Reflexão

As diferenças entre o homem e a mulher sempre suscitaram diversos sentimentos que podem ir desde a irritação, por se ter necessidade de alguém diferente de nós mesmos, até à tentação de desprezar o que é diferente. O desprezo da mulher pelo homem, a misoginia, bem como o desprezo do homem pela mulher, a misantropia, são tentações tão velhas como a humanidade. No nosso tempo, assistimos a algumas tentativas, no mínimo ridículas, para disfarçar as diferenças entre homem e mulher. A Bíblia já reagiu para demonstrar que as diferenças entre o homem e a mulher têm em vista a sua complementaridade e a vocação ao amor na unidade.
O relato bíblico insiste na fundamental igualdade e na profunda unidade entre o homem e a mulher. Deus verifica que o homem precisa de um auxiliar e procura-lho. O homem tem que aceitar serenamente a ideia de não ser completo em si mesmo, de precisar de um auxiliar que lhe seja igual. Neste momento que o autor sagrado insere a criação dos animais. O homem não encontra entre eles um que lhe seja semelhante (cf. v 20). Isto quer dizer que a mulher não é um animal. É certo que em muitas civilizações ela foi, e ainda continua a ser tratada como besta de carga. Mas o relato bíblico mostra que os animais são diferentes do homem, estão a outro nível, onde o homem não encontra, nem pode encontrar, o auxiliar de que precisa. Então, Deus intervém para lhe dar a ajuda de que precisa: «Então, o Senhor Deus fez cair sobre o homem um sono profundo; e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma das suas costelas, cujo lugar preencheu de carne. Da costela que retirara do homem, o Senhor Deus fez a mulher e conduziu-a até ao homem» (v. 21-22). É um modo imaginativo de dizer a profunda unidade entre o homem e a mulher. É esta unidade que o homem reconhece quando afirma: «Esta é, realmente, osso dos meus ossos e carne da minha carne. Chamar-se-á mulher (em hebraico: ishsha), visto ter sido tirada do homem (em hebraico: ish)!» (v. 23). O homem reconhece que a mulher é o auxiliar de que precisava. “Precisar” é sempre, em certo sentido, ser inferior. A mulher, por sua vez, tem de reconhecer que foi feita para ajudar o homem. Esta é a perspectiva do Antigo Testamento. Com Cristo, algo mudou na relação homem-mulher. S. Paulo afirma que, em Cristo, já não há homem nem mulher, e que a igualdade se tornou muito mais fundamental. Já não há Judeu ou pagão, homem livre ou escravo. Todos são um em Cristo. A unidade em Cristo relativiza qualquer diferença. Noutro passo, o Apóstolo diz que não há homem sem mulher, nem mulher sem homem, no Senhor. A mulher não existe sem o homem. O homem nasce da mulher e tudo isso vem de Deus. Homens e mulheres havemos de estar conscientes de que, a diferença e a complementaridade são necessárias para caminharmos no amor, saindo de nós mesmos e acolhendo o outro. Podemos ser tentados a procurar alguém idêntico a nós, a procurar a nossa imagem noutro. Mas isso pode ser uma forma de narcisismo. Aceitar alguém diferente de si mesmo é sair de si, e dar passos no amor, que é sempre saída de si mesmo. Homens e mulheres, precisamos de ajuda para caminhar no amor.
Os Padres da Igreja viram no relato da criação da mulher, a partir de uma costela de Adão, o nascimento da Igreja do Lado de Cristo, morto na Cruz. As nossas Constituições fazem eco dessa perspectiva, citando um texto do Pe. Dehon: «Do Coração de Cristo, aberto na cruz, nasce o homem de coração novo, animado pelo Espírito e unido aos seus irmãos na comunidade de amor, que é a Igreja (Cst 3; cf. Études sur le Sacré-Coeur, I, p. 114)». 


* 6ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Génesis 3, 1-8

A serpente era o mais astuto de todos os animais selvagens que o Senhor Deus fizera; e disse à mulher: «É verdade ter-vos Deus proibido comer o fruto de alguma árvore do jardim?» 2A mulher respondeu-lhe: «Podemos comer o fruto das árvores do jardim; 3mas, quanto ao fruto da árvore que está no meio do jardim, Deus disse: ‘Nunca o deveis comer, nem sequer tocar nele, pois, se o fizerdes, morrereis.’ 4A serpente retorquiu à mulher: ‘Não, não morrereis; 5porque Deus sabe que, no dia em que o comerdes, abrir-se-ão os vossos olhos e sereis como Deus, ficareis a conhecer o bem e o mal’.» 6Vendo a mulher que o fruto da árvore devia ser bom para comer, pois era de atraente aspecto e precioso para esclarecer a inteligência, agarrou do fruto, comeu, deu dele também a seu marido, que estava junto dela, e ele também comeu. 7Então, abriram-se os olhos aos dois e, reconhecendo que estavam nus, coseram folhas de figueira umas às outras e colocaram-nas, como se fossem cinturas, à volta dos rins.

Evangelho: Marcos 7, 31-37

Naquele tempo, Jesus deixou de novo a região de Tiro, veio por Sídon para o mar da Galileia, atravessando o território da Decápole. 32Trouxeram-lhe um surdo tartamudo e rogaram-lhe que impusesse as mãos sobre ele. 33Afastando-se com ele da multidão, Jesus meteu-lhe os dedos nos ouvidos e fez saliva com que lhe tocou a língua. 34Erguendo depois os olhos ao céu, suspirou dizendo: «Effathá», que quer dizer «abre-te.» 35Logo os ouvidos se lhe abriram, soltou-se a prisão da língua e falava correctamente. 36Jesus mandou-lhes que a ninguém revelassem o sucedido; mas quanto mais lho recomendava, mais eles o apregoavam. 37No auge do assombro, diziam: «Faz tudo bem feito: faz ouvir os surdos e falar os mudos.»

Reflexão

O desconhecimento de Deus está na base da tentação. A serpente tentadora sabe disso e, portanto, começa por insinuar uma falsa ideia de Deus: Deus é ciumento, é inimigo da liberdade, é inimigo do conhecimento. Numa palavra: Deus limita o nosso bem o mais que pode. A verdade é bem outra: Deus criou o homem à sua imagem e quer que se assemelhe o mais possível a Ele, defendendo-o de toda a tentação que impeça ou reduza essa semelhança.
Como criatura, o homem sempre se deu conta de que há uma diferença irredutível entre ele e Deus e que, portanto, há limites que não pode ultrapassar. Enquanto permanecer nesses limites, o homem pode ser feliz e gozar dos bens da criação. Mas o inimigo tenta e consegue impingir-lhe uma falsa imagem de Deus. Assim acontece o pecado original, que consiste nesta ultrapassagem dos limites fixados, com a pretensão de ser ilimitado como Deus.
A sedução da serpente ou, se quisermos, a sedução do pecado leva a uma tripla transgressão dos nossos limites de criaturas: arrogar-nos prerrogativas divinas, como a imortalidade («Não morrereis»), a omnisciência («Abrir-se-ão os vossos olhos»), a omnipotência («Sereis como Deus»).
Vamos limitar-nos a uma breve reflexão sobre a segunda pretensão, a da omnisciência («Abrir-se-ão os vossos olhos»). Trata-se da sedução intelectual, do desejo de conhecer tudo. Este desejo exacerbado acaba por levar à percepção da própria nudez, da própria pobreza: «reconhecendo que estavam nus, coseram folhas de figueira umas às outras e colocaram-nas, como se fossem cinturas, à volta dos rins» (v. 7).
O episódio evangélico da abertura dos ouvidos do surdo, realizada por Jesus, contrasta com a ilusória abertura dos olhos prometida pela serpente. O homem, para ser feliz, para se tornar como Deus, mais do que ver e do que conhecer, precisa de ouvir, de escutar e de obedecer. Só a Palavra de Deus lhe abre horizontes de vida. A palavra do egoísmo e da auto-suficiência fecha o homem e arrasta-o para onde não quer. É uma palavra enganosa, que o leva a ler de modo errado a sua própria realidade, a realidade do mundo e a realidade de Deus. E, assim, acaba por descobrir a sua vulnerabilidade. A Palavra de Deus, pelo contrário, insere-o na realidade, suscita nele sentimentos de espanto, leva-o a entoar hinos de louvor e de alegria. É uma alegria escutar a palavra do Senhor «abre-te!». Abertos a essa palavra, vemos a maravilhosa vocação a que somos chamados, abrimo-nos ao mundo com um novo olhar, ao amor com novo entusiasmo, ao conhecimento de Deus que é amor e luz, onde não há trevas. 


* SÁBADO - Anos Ímpares

Primeira leitura: Génesis 3, 9-24

O Senhor Deus chamou o homem e disse-lhe: «Onde estás?» 10Ele respondeu: «Ouvi a tua voz no jardim e, cheio de medo, escondi-me porque estou nu.» 11O Senhor Deus perguntou: «Quem te disse que estás nu? Comeste, porventura, da árvore da qual te proibi comer?» 12O homem respondeu: «Foi a mulher que trouxeste para junto de mim que me ofereceu da árvore e eu comi.» 13O Senhor Deus perguntou à mulher: «Por que fizeste isso?» A mulher respondeu: «A serpente enganou-me e eu comi.» 14Então, o Senhor Deus disse à serpente: «Por teres feito isto, serás maldita entre todos os animais domésticos e entre os animais selvagens. Rastejarás sobre o teu ventre, alimentar-te-ás de terra todos os dias da tua vida. 15Farei reinar a inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta esmagar-te-á a cabeça e tu tentarás mordê-la no calcanhar.» 16Depois, disse à mulher: «Aumentarei os sofrimentos da tua gravidez, entre dores darás à luz os filhos. Procurarás apaixonadamente o teu marido, mas ele te dominará.» 17A seguir, disse ao homem: «Porque atendeste à voz da tua mulher e comeste o fruto da árvore, a respeito da qual Eu te tinha ordenado: ‘Não comas dela’, maldita seja a terra por tua causa. E dela só arrancarás alimento à custa de penoso trabalho, todos os dias da tua vida. 18Produzir-te-á espinhos e abrolhos, e comerás a erva dos campos. 19Comerás o pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de onde foste tirado; porque tu és pó e ao pó voltarás.» 20Adão pôs à sua mulher o nome de Eva, porque ela seria mãe de todos os viventes. 21O Senhor Deus fez a Adão e à sua mulher túnicas de peles e vestiu-os. 22O Senhor Deus disse: «Eis que o homem, quanto ao conhecimento do bem e do mal, se tornou como um de nós. Agora é preciso que ele não estenda a mão para se apoderar também do fruto da árvore da Vida e, comendo dele, viva para sempre.» 23O Senhor Deus expulsou-o do jardim do Éden, a fim de cultivar a terra, da qual fora tirado. 24Depois de ter expulsado o homem, colocou, a oriente do jardim do Éden, os querubins com a espada flamejante, para guardar o caminho da árvore da Vida.

Evangelho: Marcos 8, 1-10

Naqueles dias, havia outra vez uma grande multidão e não tinham que comer. Jesus chamou os discípulos e disse: 2«Tenho compaixão desta multidão. Há já três dias que permanecem junto de mim e não têm que comer. 3Se os mandar embora em jejum para suas casas, desfalecerão no caminho, e alguns vieram de longe.» 4Os discípulos responderam-lhe: «Como poderá alguém saciá-los de pão, aqui no deserto?» 5Mas Ele perguntou: «Quantos pães tendes?» Disseram: «Sete.» 6Ordenou que a multidão se sentasse no chão e, tomando os sete pães, deu graças, partiu-os e dava-os aos seus discípulos para eles os distribuírem à multidão. 7Havia também alguns peixinhos. Jesus abençoou-os e mandou que os distribuíssem igualmente. 8Comeram até ficarem satisfeitos, e houve sete cestos de sobras. 9Ora, eram cerca de quatro mil. Despediu-os 10e, subindo logo para o barco com os discípulos, foi para os lados de Dalmanuta.

Reflexão

«Arrancarás alimento à custa de penoso trabalho», lemos na primeira leitura (v. 17). O evangelho, ao referir a milagrosa multiplicação dos pães, parece contradizer a palavra de Deus aos nossos primeiros pais. Que significa este contraste entre a primeira leitura e o evangelho? Significa que Jesus vai reparar completamente os pecados do homem, dando-lhe acesso à verdadeira prosperidade.
O relato do Génesis mostra-nos as consequências do pecado. O pecado separa-nos de Deus. Mas também dos nossos semelhantes: «Foi a mulher que trouxeste para junto de mim que me ofereceu da árvore e eu comi» (v. 12). Adão acusa a Deus e acusa a mulher! A mulher, por sua vez, também atira a culpa para a serpente: «A serpente enganou-me e eu comi» (v. 12).
O comportamento de Adão e de Eva é infantil. Não assumem as próprias responsabilidades e procuram atribuí-las a outros. Se pensarmos bem, também nós, por vezes, fazemos esse triste papel, criando separações entre nós. O sofrimento vivido na vontade de Deus une; a alegria vivida fora da vontade de Deus separa. A unidade e a comunhão encontram-se na vontade de Deus ou, se preferirmos, no amor de Deus manifestado na sua vontade, que acolhemos e realizamos.
Mas a primeira leitura, além de situações deploráveis, também contém promessas. Logo que o homem pecou, Deus concebeu um projecto para reparar o pecado do homem e restabelecê-lo na comunhão Consigo e com os outros homens: «Farei reinar a inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta esmagar-te-á a cabeça», diz Deus à serpente (v. 15). Esta promessa realizou-se na história de Maria, Mãe de Jesus, e na história do próprio Jesus. Segundo a Bíblia hebraica, é a «descendência» da mulher que esmaga a cabeça da serpente; na Vulgata é a própria mulher que esmaga essa cabeça. As duas afirmações estão correctas. No Calvário, Maria foi solidária com Cristo na obra da nossa redenção, e foi solidária connosco, porque não se separou dos pecadores. Aceitou o sofrimento de Cristo, e uniu-se a ele, para redenção dos pecadores. Ofereceu-se com Cristo para glória de Deus e salvação dos homens.

Ricardo Igreja


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