terça-feira, 22 de março de 2011

III DOMINGO TEMPO COMUM

* DOMINGO


«Vinde e segui-Me e farei de vós pescadores de homens»


LEITURA I – Is 8,23b-9,3

Assim como no tempo passado foi humilhada a terra de Zabulão e de Neftali, também no futuro será coberto de glória o caminho do mar, o Além do Jordão, a Galileia dos gentios. O povo que andava nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam nas sombras da morte uma luz se levantou. Multiplicastes a sua alegria, aumentastes o seu contentamento. Rejubilam na vossa presença, como os que se alegram no tempo da colheita, como exultam os que repartem despojos. Vós quebrastes, como no dia de Madiã, o jugo que pesava sobre o povo, o madeiro que ele tinha sobre os ombros e o bastão do opressor.

LEITURA II – 1 Cor 1,10-13.17

Irmãos: Rogo-vos, pelo nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, que faleis todos a mesma linguagem e que não haja divisões entre vós, permanecendo bem unidos, no mesmo pensar e no mesmo agir. Eu soube, meus irmãos, pela gente de Cloé, que há divisões entre vós, que há entre vós quem diga: «Eu sou de Paulo», «eu de Apolo», «eu de Pedro», «eu de Cristo». Estará Cristo dividido? Porventura Paulo foi crucificado por vós? Foi em nome de Paulo que recebestes o Baptismo? Na verdade, Cristo não me enviou para baptizar, mas para anunciar o Evangelho; não, porém, com sabedoria de palavras, a fim de não desvirtuar a cruz de Cristo.

EVANGELHO – Mt 4,12-23

Quando Jesus ouviu dizer que João Baptista fora preso, retirou-Se para a Galileia. Deixou Nazaré e foi habitar em Cafarnaum, terra à beira-mar, no território de Zabulão e Neftali. Assim se cumpria o que o profeta Isaías anunciara, ao dizer: «Terra de Zabulão e terra de Neftali, estrada do mar, além do Jordão, Galileia dos gentios: o povo que vivia nas trevas viu uma grande luz; para aqueles que habitavam na sombria região da morte, uma luz se levantou». Desde então, Jesus começou a pregar: «Arrependei-vos, porque o reino de Deus está próximo». Caminhando ao longo do mar da Galileia, viu dois irmãos: Simão, chamado Pedro, e seu irmão André, que lançavam as redes ao mar, pois eram pescadores. Disse-lhes Jesus: «Vinde e segui-Me e farei de vós pescadores de homens». Eles deixaram logo as redes e seguiram-n’O. Um pouco mais adiante, viu outros dois irmãos: Tiago, filho de Zebedeu, e seu irmão João, que estavam no barco, na companhia de seu pai Zebedeu, a consertar as redes. Jesus chamou-os e eles, deixando o barco e o pai, seguiram-n’O. Depois começou a percorrer toda a Galileia, ensinando nas sinagogas, proclamando o Evangelho do reino e curando todas as doenças e enfermidades entre o povo.

Reflexão

Na primeira parte (cf. Mt 4,12-16), Mateus refere como Jesus abandona Nazaré, o seu lugar de residência habitual, e se transfere para Cafarnaum. Mateus descobre nesse facto um significado profundo, à luz de Is 8,23-9,1: a “luz” que havia de eliminar as trevas e as sombras da morte de que fala Isaías é, para Mateus, o próprio Jesus. Na terra humilhada de Zabulão e Neftali, vai começar a brilhar a luz da libertação; e essa libertação vai atingir, também, os pagãos que acolherem o anúncio do Reino (para Mateus, é bem significativo que o primeiro anúncio ecoe na Galileia, terra onde os gentios se misturam com os judeus e, concretamente, em Cafarnaum, a cidade que, pela sua situação geográfica, é uma ponte para as terras dos pagãos). O anúncio libertador de Jesus apresenta, desde logo, uma dimensão universal.
Na segunda parte (cf. Mt 4,17-23), Mateus apresenta o lançamento da missão de Jesus: define-se o conteúdo básico da pregação que se inicia, mostra-se o “Reino” como realidade viva actuante, apresentam-se os primeiros discípulos que acolhem o apelo do “Reino” e que vão acompanhar Jesus na missão.
Qual é, em primeiro lugar, o conteúdo do anúncio? O versículo 17 di-lo de forma clara: Jesus veio trazer “o Reino”. A expressão “Reino de Deus” (ou “Reino dos céus”, como prefere dizer Mateus) refere-se, no Antigo Testamento e na época de Jesus, ao exercício do poder soberano de Deus sobre os homens e sobre o mundo. Decepcionado com a forma como os reis humanos exerceram a realeza (no discurso profético aparecem, a par e passo, denúncias de injustiças cometidas pelos reis contra os pobres, de atropelos ao direito orquestrados pela classe dirigente, de responsabilidades dos líderes no abandono da aliança, de graves omissões no que diz respeito aos compromissos assumidos para com Jahwéh), o Povo de Deus começa a sonhar com um tempo novo, em que o próprio Deus vai reinar sobre o seu Povo; esse reinado será marcado – na perspectiva dos teólogos de Israel – pela justiça, pela misericórdia, pela preocupação de Deus em relação aos pobres e marginalizados, pela abundância e fecundidade, pela paz sem fim.
Jesus tem consciência de que a chegada do “Reino” está ligada à sua pessoa. O seu primeiro anúncio resume-se, para Mateus, no seguinte slogan: “arrependei-os ('metanoeite') porque o Reino dos céus está a chegar”.
O convite à conversão (“metanoia”) é um convite a uma mudança radical na mentalidade, nos valores, na postura vital. Corresponde, fundamentalmente, a um reorientar a vida para Deus, a um reequacionar a vida, de modo a que Deus e os seus valores passem a estar no centro da existência do homem; só quando o homem aceita que Deus ocupe o lugar que Lhe compete, está preparado para aceitar a realeza de Deus… Então, o “Reino” pode nascer e tornar-se realidade no mundo e nos corações.
Na sequência, Mateus apresenta Jesus a construir activamente o “Reino” (vers. 23-24): as suas palavras anunciam essa nova realidade e os seus gestos (os milagres, as curas, as vitórias sobre tudo o que rouba a vida e a felicidade do homem) são sinais evidentes de que Deus começou já a reinar e a transformar a escravidão em vida e liberdade.
Finalmente, Mateus descreve o chamamento dos primeiros discípulos (vers. 18-22). Não se trata, segundo parece (a comparação deste relato, que Mateus toma de Marcos, com os relatos paralelos de Lucas e João, mostra que estamos diante de um relato estilizado, cujo objectivo é pôr em relevo os passos fundamentais da vocação) de um relato jornalístico de acontecimentos, mas de uma catequese sobre o chamamento e a adesão ao projecto do “Reino”. Através da resposta pronta de Pedro e André, Tiago e João, propõe-se um exemplo da conversão radical ao “Reino” e de adesão às suas exigências.
O relato sublinha uma diferença fundamental entre os chamados por Jesus e os discípulos que se juntavam à volta dos mestres do judaísmo: não são os discípulos que escolhem o mestre e pedem para entrar no seu grupo, como acontecia com os discípulos dos “rabbis”; mas a iniciativa é de Jesus, que chama os discípulos que Ele próprio escolheu, que os convida a segui-l’O e lhes propõe uma missão.
A resposta dos quatro discípulos ao chamamento é paradigmática: renunciam à família, ao seu trabalho, às seguranças instituídas e seguem Jesus sem condições. Esta ruptura (que significa não só uma ruptura afectiva com pessoas, mas também a ruptura com um quadro de referências sociais e de segurança económica) indicia uma opção radical pelo “Reino” e pelas suas exigências.
Uma palavra para a missão que é proposta aos discípulos que aceitam o desafio do “Reino”: eles serão pescadores de homens. O mar é, na cultura judaica, o lugar dos demónios, das forças da morte que se opõem à vida e à felicidade dos homens; a tarefa dos discípulos que aceitam integrar o “Reino” será, portanto, libertar os homens dessa realidade de morte e de escravidão em que eles estão mergulhados, conduzindo-os à liberdade e à realização plenas.
Estes quatro discípulos representam todo o grupo dos discípulos, de todos os tempos e lugares… Eles devem responder positivamente ao chamamento, optar pelo “Reino” e pelas suas exigências e tornarem-se testemunhas da vida e da salvação de Deus no meio dos homens e do mundo. 


* 2ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Hebreus 9, 15.24-28

Cristo é o mediador de uma nova aliança, um novo testamento; para que, intervindo a morte para a remissão das transgressões cometidas sob a primeira aliança, os chamados recebam a herança eterna prometida. 24Na realidade, Cristo não entrou num santuário feito por mão humana, figura do verdadeiro santuário, mas entrou no próprio céu, para se apresentar agora diante de Deus em nosso favor. 25E nem entrou para se oferecer a si mesmo muitas vezes, tal como o Sumo Sacerdote, que entra cada ano no santuário com sangue alheio; 26nesse caso, deveria ter sofrido muitas vezes desde a fundação do mundo. Agora, porém, na plenitude dos tempos, apareceu uma só vez para destruir o pecado pelo sacrifício de si mesmo. 27E, assim como está determinado que os homens morram uma só vez e depois tenha lugar o julgamento, 28assim também Cristo, que se ofereceu uma só vez para tirar os pecados de muitos, aparecerá uma segunda vez, não já por causa do pecado, mas para dar a salvação àqueles que o esperam.

Evangelho: Mc 3, 22-30

Naquele tempo, 22os doutores da Lei, que tinham descido de Jerusalém, afirmavam: «Ele tem Belzebu!» E ainda: «É pelo chefe dos demónios que expulsa os demónios.» 23Então, Jesus chamou-os e disse-lhes em parábolas: «Como pode Satanás expulsar Satanás? 24Se um reino se dividir contra si mesmo, tal reino não pode perdurar; 25e se uma família se dividir contra si mesma, essa família não pode subsistir. 26Se, portanto, Satanás se levanta contra si próprio, está dividido e não poderá subsistir; é o seu fim. 27Ninguém consegue entrar em casa de um homem forte e roubar-lhe os bens sem primeiro o amarrar; só depois poderá saquear-lhe a casa. 28Em verdade vos digo: todos os pecados e todas as blasfémias que proferirem os filhos dos homens, tudo lhes será perdoado; 29mas, quem blasfemar contra o Espírito Santo, nunca mais terá perdão: é réu de pecado eterno.» 30Disse-lhes isto porque eles afirmavam: «Tem um espírito maligno.»

Reflexão

A Carta aos Hebreus apresenta-nos o fundamento da unidade pela qual a Igreja reza: o único sacrifício de Cristo. O autor insiste em dizer que Cristo sofreu uma só vez: «apareceu uma só vez para destruir o pecado pelo sacrifício de si mesmo» (v. 26). Sendo assim, a Missa, que é o sacramento do único sacrifício de Cristo, é o fundamento da unidade. Quando participamos na Eucaristia, havemos de oferecer o sacrifício de Cristo pela unidade de todos os que acreditam n´Ele.
É bom rezarmos pela unidade da Igreja, particularmente neste tempo em que as diversas tradições cristãs o fazem. Mas o tema que unifica as duas leituras é o destino do homem, a sua salvação eterna ou condenação eterna. Ainda que frágil como a erva do campo, o homem não foi criado apenas para um breve respiro na terra. O seu destino é viver para sempre. Para sempre. A desproporção entre a nossa pequenez e a grandeza do nosso destino pode assustar-nos. Por isso, facilmente somos tentados a redimensionar a nossa vida, reduzindo-a ao tempo presente, satisfazendo-nos com um bom trabalho, honestas relações com os outros e pouco mais. Mas isso não chega! Ainda que tantas vezes sufocado, persiste em nós o desejo de infinito: o Espírito que habita em nós clama que fomos feitos para um amor sem medida. O homem está realmente condenado à santidade ou ao desespero. Mas, que é a santidade? O evangelho diz-nos, de modo muito simples, que ela é comunhão com Jesus. Então tudo muda de figura: quando rezo, estou com Jesus diante do Pai para adorar, interceder, dar graças; quando trabalho, estou com Jesus ao serviço do meu próximo; quando sofro, participo na paixão de Jesus para salvação do mundo; quando chega para mim a hora da morte, estou unido à morte redentora de Cristo, entro na sua páscoa e antegozo a alegria de ver descoberto o rosto d´Aquele que me amou e Se entregou por mim.
Afirmam as nossas Constituições: «Discípulos do Padre Dehon, queremos fazer da nossa união com Cristo, no seu amor pelo Pai e pelos homens, o princípio e o centro da nossa vida» (n. 17). Talvez fosse preferível escrever: «Discípulos de Cristo, por meio do P. Dehon…». De facto, Cristo é o único Mestre: «Um só é o vosso mestre e todos vós sois irmãos» (Mt 23, 8). De qualquer modo, o P. Dehon é sempre nosso modelo, também na vida de união a Cristo. Sabemos como essa união marcou a sua experiência de fé, que tem para nós um valor constitutivo, influencia a nossa própria experiência de fé, e marca a forma de seguirmos a Cristo, único Mestre. A união com Cristo tem o seu mais eficaz comentário na alegoria da videira (cf. Jo 15, 1-8). A união a Cristo é fundamento e condição para a união entre os seus discípulos. 


* 3ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Hebreus 10, 1-10

1Irmãos: A lei de Moisés, possuindo apenas a sombra dos bens futuros e não a expressão própria das coisas, a Lei nunca pode conduzir à perfeição aqueles que participam nos sacrifícios que se oferecem constantemente cada ano. 2Não se teria porventura deixado de os oferecer, se os que prestam culto, purificados de uma vez por todas, já não tivessem consciência de algum pecado? 3Pelo contrário, com esses sacrifícios, recordam-se anualmente os pecados, 4uma vez que é impossível que o sangue dos touros e dos bodes apague os pecados. 5Por isso, ao entrar no mundo, Cristo diz:Tu não quiseste sacrifício nem oferenda, mas preparaste-me um corpo. 6Não te agradaram holocaustos nem sacrifícios pelos pecados. 7Então, Eu disse: Eis que venho - como está escrito no livro a meu respeito - para fazer, ó Deus, a tua vontade. 8Disse primeiro: Não quiseste nem te agradaram sacrifícios, oferendas e holocaustos pelos pecados - e, no entanto, eram oferecidos segundo a Lei. 9Disse em seguida: Eis que venho para fazer a tua vontade. Suprime, assim, o primeiro culto, para instaurar o segundo. 10E foi por essa vontade que nós fomos santificados, pela oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez para sempre.

Evangelho: Mc 3, 31-35

Naquele tempo, 31chegam à casa onde estava Jesus, sua Mãe e seus irmãos que, ficando do lado de fora, o mandam chamar. 32A multidão estava sentada em volta dele, quando lhe disseram: «Estão lá fora a tua mãe e os teus irmãos que te procuram.» 33Ele respondeu: «Quem são minha mãe e meus irmãos?» 34E, percorrendo com o olhar os que estavam sentados à volta dele, disse: «Aí estão minha mãe e meus irmãos. 35Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe.»

Reflexão

As duas leituras de hoje iluminam-se reciprocamente. «Aquele que fizer a vontade de Deus, esse é que é meu irmão, minha irmã e minha mãe», diz-nos Jesus no evangelho. Lemos na Carta aos Hebreus: «Tu não quiseste sacrifício nem oferenda, mas preparaste-me um corpo… Então, Eu disse: Eis que venho para fazer, ó Deus, a tua vontade». E continua: «E foi por essa vontade que nós fomos santificados, pela oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez para sempre» (v. 10).
A vontade de Deus é, pois, um tesouro inestimável para nós. Mas não o aceitamos espontaneamente. Porquê? Porque provavelmente temos uma estreita visão da obediência e de estranhos preconceitos contra a vontade de Deus… Muitas vezes falamos de vontade de Deus nas provações, nos sofrimentos: «É vontade de Deus!», dizemos resignados. Isto pode ser um primeiro passo, mas não é toda a verdade. Para Jesus, a vontade de Deus era a ressurreição, não a morte! A morte era apenas uma passagem muito dolorosa, mas uma passagem rumo à transformação da natureza humana. Por isso, não podemos deter-nos na morte. A vontade de Deus é a transformação, a alegria. Por isso, havemos de viver as circunstâncias dolorosas, não só com resignação, mas também com confiança e adesão, com esperança. Deus quer realizar algo de positivo, que será a nossa alegria. A sua vontade é triunfar sobre tudo quanto é negativo. Lemos no salmo 18: «Atacaram-me no dia da minha desgraça, porém, o Senhor foi o meu amparo. Levou-me a um espaço aberto, libertou-me porque me quer bem» (Sl 18, 19-20). «Porque me quer bem»: a vontade de Deus é o seu querer-me bem!
Na plenitude da revelação, Jesus irá declarar: «A vontade daquele que me enviou é esta: que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas o ressuscite no último dia» (Jo 6, 39). Se a vontade de Deus é o nosso bem, que é então a obediência? Desde o «eis-me aqui!» de Abraão ao «eis-me aqui!» de Maria, do «eis-me aqui!» de Jesus ao «eis-me aqui!» de todos quantos Lhe seguem os passos, ela revela-se como um cântico nupcial que brota do coração desejoso de cooperar no desígnio divino da salvação. A obediência não é fria execução de severas ordens, mas o apaixonado envolvimento de toda a pessoa num confiante abandono Àquele que é omnipotente, mas também Pai; Altíssimo, mas também Emanuel, Deus-connosco. A obediência tem momentos difíceis, mas pressentirá sempre ao seu lado os passos d´Aquele que nos precede levando, por nosso amor, a sua e nossa cruz.
Segundo a expressão do Directório Espiritual, Cristo é «Aquele que nos precedeu neste caminho, que o tornou praticável e que deixou atrás de Si, como sinais dos Seus passos, pegadas sangrentas. Tal é a nossa vocação». O caminho de Cristo é o nosso caminho (cf. Cst 12). Neste caminho, caracterizado pelo abandono à vontade do Pai, pela oblação de amor, somos guiados e apoiados pelo Espírito (cf. Cst 16), que nos faz reviver, na fidelidade dinâmica, a «experiência de fé do P. Dehon», o qual escolheu como motes da sua vida: «Ecce venio... eis-me aqui!» (Heb 10,7): «Senhor, que queres que eu faça?» (Act 9, 6); “Fiat...faça-se!”.
Contemplar a Cristo na Sua obediência-oblação filial ao Pai, e vivê-la, é uma contemplação, uma forma de vida tipicamente dehoniana. É ser «Oblatos, Sacerdotes do Sagrado Coração de Jesus» (Cst 6). 


* 4ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Hebreus 10, 11-18

11Todo o sacerdote da antiga aliança se apresenta diariamente para oferecer o culto, oferecendo muitas vezes os mesmos sacrifícios, que nunca podem apagar os pecados. 12Cristo, porém, depois de oferecer pelos pecados um único sacrifício, sentou-se para sempre à direita de Deus, 13esperando, por último, que os seus inimigos sejam postos como estrado dos seus pés. 14De facto, com uma só oferta, Ele tornou perfeitos para sempre os que são santificados. 15É o que o Espírito Santo também nos atesta. De facto, depois disse: 16Esta é a aliança que estabelecerei com eles, depois daqueles dias, diz o Senhor: ‘Porei as minhas leis nos seus corações e gravá-las-ei nas suas mentes; 17e não mais me recordarei dos seus pecados nem das suas iniquidades.’ 18Ora, onde há perdão dos pecados, já não há necessidade de oferenda pelos pecados.

Evangelho: Mc 4, 1-20

Naquele tempo, 1Jesus, começou a ensinar De novo à beira-mar. Uma enorme multidão vem agrupar-se junto dele e, por isso, sobe para um barco e senta-se nele, no mar, ficando a multidão em terra, junto ao mar. 2Ensinava-lhes muitas coisas em parábolas e dizia nos seus ensinamentos: 3«Escutai: o semeador saiu a semear. 4Enquanto semeava, uma parte da semente caiu à beira do caminho e vieram as aves e comeram-na. 5Outra caiu em terreno pedregoso, onde não havia muita terra e logo brotou, por não ter profundidade de terra; 6mas, quando o sol se ergueu, foi queimada e, por não ter raiz, secou. 7Outra caiu entre espinhos, e os espinhos cresceram, sufocaram-na, e não deu fruto. 8Outra caiu em terra boa e, crescendo e vicejando, deu fruto e produziu a trinta, a sessenta e a cem por um.» 9E dizia: «Quem tem ouvidos para ouvir, oiça.» 10Ao ficar só, os que o rodeavam, juntamente com os Doze, perguntaram-lhe o sentido da parábola. 11Respondeu: «A vós é dado conhecer o mistério do Reino de Deus; mas, aos que estão de fora, tudo se lhes propõe em parábolas, 12para que ao olhar, olhem e não vejam, ao ouvir, oiçam e não compreendam, não vão eles converter-se e ser perdoados.» 13E acrescentou: «Não compreendeis esta parábola? Como compreendereis então todas as outras parábolas? 14O semeador semeia a palavra. 15Os que estão ao longo do caminho são aqueles em quem a palavra é semeada; e, mal a ouvem, chega Satanás e tira a palavra semeada neles. 16Do mesmo modo, os que recebem a semente em terreno pedregoso, são aqueles que, ao ouvirem a palavra, logo a recebem com alegria, 17mas não têm raiz em si próprios, são inconstantes e, quando surge a tribulação ou a perseguição por causa da palavra, logo desfalecem. 18Outros há que recebem a semente entre espinhos; esses ouvem a palavra, 19mas os cuidados do mundo, a sedução das riquezas e as restantes ambições entram neles e sufocam a palavra, que fica infrutífera. 20Aqueles que recebem a semente em boa terra são os que ouvem a palavra, a recebem, dão fruto e produzem a trinta, a sessenta e a cem por um.»

Reflexão

O mistério de Cristo é o mistério de uma natureza humana «tornada perfeita» por meio do sofrimento: «Convinha que aquele por quem e para quem existem todas as coisas, querendo levar muitos filhos à glória, levasse à perfeição, por meio dos sofrimentos, o autor da sua salvação» (Heb 2, 10). Depois desta afirmação, o autor descreve os sofrimentos de Cristo e conclui: Jesus «tornado perfeito, tornou-se para todos os que lhe obedecem fonte de salvação eterna, tendo sido proclamado por Deus Sumo Sacerdote segundo a ordem de Melquisedec» (Heb 5, 9-10). Pode parecer-nos estranho aplicar a Cristo a expressão «tornar perfeito» que, no Antigo Testamento, só é usado em referência à consagração dos sacerdotes, cujas mãos, e toda a sua pessoa, hão-de ser tornadas perfeitas para oferecer a Deus o sacrifico. Cristo foi transformado pelo seu sacrifício para se tornar o sacerdote absolutamente perfeito.
Mas a consagração sacerdotal de Cristo, obtida no seu sacrifício, vale para Ele, mas também para nós: «com uma só oferta, Ele tornou perfeitos para sempre os que são santificados» (v. 14). Aqui está a grande novidade: o autor aplica aos cristãos o mesmo verbo que aplicou acerca de Cristo «tornar perfeito». Cristo recebe a consagração sacerdotal e, ao mesmo tempo, confere-a a nós. Com o seu sacrifício, Cristo tornou-nos, também a nós, capazes de nos apresentar a Deus em atitude sacerdotal, apresentando ofertas. Por isso, graças ao sacrifico de Cristo, podemos aproximar-nos com toda a confiança diante de Deus, entrar no santuário mais secreto.
Na afirmação: «com uma só oferta, Ele tornou perfeitos para sempre os que são santificados» (v. 14), podemos distinguir dois aspectos: somos verdadeiramente consagrados a Deus e podemos oferecer o sacrifício; a nossa santificação é apenas um começo que exige desenvolvimento, crescimento: «tornou perfeitos para sempre os que são santificados» (v. 14). A santificação recebida no baptismo há-de desenvolver-se cada dia, aplicando à nossa pessoa o sacrifício de Cristo, mas também revivendo-o, de modo especial, nos nossos próprios sofrimentos e tribulações.
A presença misteriosa do cristão em Cristo morto e ressuscitado é expressa por Paulo com a simples expressão «en Christo» (in Christo) usado 164 vezes nas suas cartas, com diferentes matizes. Na Primeira Carta a Timóteo fala do mistério de Cristo como o grande mistério da piedade (3, 16). Deste mistério da piedade todo o baptizado participa: «Com uma só oferta (sacrifício, oblação), (Cristo) tornou perfeitos para sempre os que foram santificados» (Heb 10, 14; cf. 5, 9). A espiritualidade oblativa dehoniana é uma espiritualidade tipicamente baptismal (cf. Cst n. 13). A nossa missão dehoniana impele-nos a ser testemunhas desta espiritualidade baptismal com a nossa vida e com a nossa palavra junto dos irmãos cristãos.
O sacerdócio de Cristo não é um sacerdócio clerical, mas laical (cf. Heb 5, 6.10). Se todo o cristão participa do sacerdócio de Cristo é preciso desclericalizar o sacerdócio. Com isto não queremos confundir o sacerdócio universal com o sacerdócio ministerial; mas sem o primeiro, não existe o segundo. A função essencial do sacerdote é «oferecer». Não há sacerdócio sem uma vítima para oferecer. Jesus é a vítima do Seu sacerdócio (cf. Heb 5, 7-10). E é mesmo a sua atitude oblativa que constitui a essência do Seu sacerdócio (cf. Heb 10, 5-18). É o «Ecce venio», o «eis-me aqui!» (Heb 10, 7). As nossas Constituições afirmam: «Para o Padre Dehon, o Ecce Venio (Heb 10,7) define a atitude fundamental da nossa vida» (Cst 58; cf. n. 6). O Oblato-Sacerdote do Coração de Jesus, tal como Cristo, deve oferecer a si mesmo, no seu dia a dia (cf. Lc 9, 23). E, pela acção transformadora do Espírito Santo, todas as suas acções, mesmo as mais humildes, são qualificadas como sacerdotais e sacrificiais. 


* 5ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Hebreus 16, 19-25

Irmãos, 19temos plena liberdade para a entrada no santuário por meio do sangue de Jesus. 20Ele abriu para nós um caminho novo e vivo através do véu, isto é, da sua humanidade 21e, tendo um Sumo Sacerdote à frente da casa de Deus, 22aproximemo-nos dele com um coração sincero, com a plena segurança da fé, com os corações purificados da má consciência e o corpo lavado com água pura. 23Conservemos firmemente a profissão da nossa esperança, pois aquele que fez a promessa é fiel. 24Estejamos atentos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras, 25sem abandonarmos a nossa assembleia - como é costume de alguns - mas animando-nos, tanto mais quanto mais próximo vedes o Dia.

Evangelho: Mc 4, 21-25

Naquele tempo, disse Jesus à multdão: «21Põe-se, porventura, a candeia debaixo do alqueire ou debaixo da cama? Não é para ser colocada no candelabro? 22Porque não há nada escondido que não venha a descobrir-se, nem há nada oculto que não venha à luz. 23Se alguém tem ouvidos para ouvir, oiça.» 24E prosseguiu: «Tomai sentido no que ouvis. Com a medida que empregardes para medir é que sereis medidos, e ainda vos será acrescentado. 25Pois àquele que tem, será dado; e ao que não tem, mesmo aquilo que tem lhe será tirado.»

Reflexão

O autor da Carta aos Hebreus faz-nos entrever o mistério de Jesus Cristo, que transformou a situação do homem. Depois de se detido a apresentar esse mistério, e o sacrifício agradável Si mesmo, que Cristo ofereceu ao Pai, obtendo-nos a salvação, o autor manifesta o seu espanto pela transformação que esse mesmo sacrifício operou em nós. Implicitamente, o autor da Carta compara a nossa situação com a do Antigo Testamento, quando as relações com Deus estavam sujeitas a limitações e a obstáculos de toda a espécie. Só o Sumo Sacerdote podia entrar no santuário uma vez por ano. O povo tinha que ficar fora dele, e não tinha caminhos para chegar a Deus. Na verdade, os próprios sacerdotes eram imperfeitos, e os Sumos Sacerdotes eram pecadores que deviam oferecer sacrifícios de expiação por si mesmos. Mas estes sacrifícios eram ineficazes e não os tornavam dignos de se aproximarem de Deus. Nós, os cristãos, pelo contrário temos plena liberdade para entrar no santuário «no santuário por meio do sangue de Jesus. Ele abriu para nós um caminho novo e vivo através do véu, isto é, da sua humanidade» (v. 20). Através da humanidade de Cristo, podemos chegar a Deus, tendo uma guia para nos acompanhar no caminho «um Sumo Sacerdote à frente da casa de Deus» (v. 21).
Este texto aplica-se bem à Eucaristia. Para penetrarmos no santuário, havemos de caminhar por meio do sangue de Cristo neste caminho novo e vivo, que Ele mesmo inaugurou. E não podemos avançar sem Ele. Por Ele, com Ele e n´Ele, avançamos para Deus com toda a confiança, porque Cristo Lhe é agradável. As disposições com que havemos de caminhar são a fé, a esperança e a caridade: «aproximemo-nos dele com um coração sincero, com a plena segurança da fé, com os corações purificados da má consciência e o corpo lavado com água pura. Conservemos firmemente a profissão da nossa esperança, pois aquele que fez a promessa é fiel. Estejamos atentos uns aos outros, para nos estimularmos ao amor e às boas obras» (vv. 22-24). O caminho que, desde já nos leva a Deus, no sacramento, há-de levar-nos definitivamente a Ele para além da morte. Percorremos este caminho em comunidade, em Igreja. Daí que, depois da fé e da esperança, seja recomendada a caridade e a celebração comunitária da Eucaristia: «sem abandonarmos a nossa assembleia - como é costume de alguns - mas animando-nos, tanto mais quanto mais próximo vedes o Dia» (v. 25).
Louvemos o Senhor e agradeçamos-Lhe tudo quanto fez por nós em Jesus Cristo morto e ressuscitado. Segundo a Carta aos Romanos, o Pai destinou Cristo a servir de expiação, «como propiciatório» (ilasterion), com o Seu sangue, pelos nossos pecados (cf. Rm 3, 26). Na Segunda Carta aos Coríntios, Paulo afirma: «Aquele que não havia conhecido pecado (Cristo), Deus O fez pecado por nós para que nos tornássemos n´Ele justiça de Deus» (5, 21), isto é, Cristo assumiu uma carne pecadora, para se tornar vítima pelo pecado na carne pecadora, para que nós fôssemos justificados diante de Deus. Assim Cristo é a «vítima de expiação», imolada em holocausto pelo fogo do Espírito (cf. Heb 9, 14) «pelos nossos pecados”» (1 Jo 2, 2). Pode-se perfeitamente afirmar do Seu sangue aquilo que o Levítico diz do antigo holocausto que «consumado pelo fogo» era «perfume suave para o Senhor» (1, 17); esta imagem é retomada por Paulo: «Cristo amou-nos e Se entregou por nós a Deus, como oferenda e sacrifício de agradável odor» (Ef 5,2).


* 6ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Hebreus 10, 32-39

Irmãos, 32Recordai os primeiros dias nos quais, depois de terdes sido iluminados, 33suportastes a grande luta dos sofrimentos, tanto sendo expostos publicamente a insultos e tribulações, como sendo solidários com os que assim eram tratados. 34Tomastes parte nos sofrimentos dos encarcerados, aceitastes com alegria a confiscação dos vossos bens, sabendo que possuís bens melhores e mais duradouros. 35Não percais, pois, a vossa confiança, à qual está reservada uma grande recompensa. 36Na realidade, tendes necessidade de perseverança, para que, tendo cumprido a vontade de Deus, alcanceis a promessa. 37Pois ainda um pouco, de facto, um pouco apenas, e o que há-de vir, virá e não tardará. 38O meu justo viverá pela fé, mas, se ele voltar atrás, a minha alma não encontrará nele satisfação. 39Nós, porém, não somos daqueles que voltam atrás para a perdição, mas homens de fé para a salvação da nossa alma.

Evangelho: Mc 4, 26-34

Naquele tempo, disse Jesus à multidão: 26Dizia ainda: «O Reino de Deus é como um homem que lançou a semente à terra. 27Quer esteja a dormir, quer se levante, de noite e de dia, a semente germina e cresce, sem ele saber como. 28A terra produz por si, primeiro o caule, depois a espiga e, finalmente, o trigo perfeito na espiga. 29E, quando o fruto amadurece, logo ele lhe mete a foice, porque chegou o tempo da ceifa.» 30Dizia também: «Com que havemos de comparar o Reino de Deus? Ou com qual parábola o representaremos? 31É como um grão de mostarda que, ao ser deitado à terra, é a mais pequena de todas as sementes que existem; 32mas, uma vez semeado, cresce, transforma-se na maior de todas as plantas do horto e estende tanto os ramos, que as aves do céu se podem abrigar à sua sombra.» 33Com muitas parábolas como estas, pregava-lhes a Palavra, conforme eram capazes de compreender. 34Não lhes falava senão em parábolas; mas explicava tudo aos discípulos, em particular.

Reflexão

Podemos imaginar a alegria dos primeiros judeo-cristãos quando, iluminados pela graça, reconheceram em Jesus o Messias, o Esperado de todos os povos, o Salvador prometido. Essa descoberta surpreendente levou-os a entrar jubilosamente e a percorrer com entusiasmo e fervor o «caminho novo e vivo» que Deus lhes oferece em Jesus. Mas rapidamente se deram conta de que esse caminho é longo e duro e, à exaltação inicial, seguiu o cansaço e o desânimo. Era a hora da provação em que era preciso resistir com paciência. O autor da Carta aos Hebreus exorta os seus interlocutores à perseverança. Ainda que a paisagem se apresente desolada, cada passo aproxima-nos da meta. Na vida de cada um de nós há momentos em que precisamos de nos agarrar com todas as forças à esperança. Essa virtude é como que o bordão do peregrino a caminho do reino dos céus.
No evangelho, o Senhor ensina-nos a fé e a humildade, mas também a esperança. O crescimento espiritual não depende de nós, mas da Palavra de Deus semeada em nós. Só ela pode salvar a nossa vida. É bom desejar crescer e caminhar espiritualmente. É bom fazer por isso. Mas não basta a nossa boa vontade, não chegam os nossos esforços. O agricultor que lança a semente à terra, e procura rodeá-la das condições adequadas, não pode pretender fazê-la germinar e crescer. Esse poder não está nas suas mãos, mas nas de Deus.
O Senhor ensina-nos o abandono confiante a Deus na esperança. Como a terra acolhe a semente, assim devemos acolher a Palavra. E ela crescerá sem sabermos como. O abandono confiante a Deus e a esperança tornam suportável o tempo que vai da sementeira à colheita. Essa esperança baseia-se na experiência dos peregrinos de Emaús, na certeza de que Aquele que nos chama para a meta é também nosso silencioso companheiro de viagem. Quanto mais o caminho é difícil, mais Ele se faz presente.
Há pois que evitar a pressa de ver resultados, também no nosso itinerário espiritual. S. Francisco de Sales era severo com aqueles que se deixavam tomar por ela. Trabalhava muito mas ensinava que é preciso fazer tudo pacientemente: agir pacientemente, rezar pacientemente, sofrer pacientemente, lutar pacientemente. Se nos apoiarmos no Senhor verificaremos que Ele faz crescer em tudo, muitas vezes mais lentamente do que desejamos, mas outras vezes de modo mais belo e mais rápido do que esperamos. Não temos o metro para medir o crescimento, nem sequer o nosso. Por isso, precisamos de fé, de confiança, de paciência: o poder de fazer crescer pertence somente a Deus.
A vida de oblação que corresponde ao voto de vítima tão caro ao Pe. Dehon e aos nossos primeiros religiosos, passa pela aceitação das cruzes e canseiras de cada dia, no nosso itinerário espiritual, e também pela irradiação dos frutos do Espírito: a caridade, com os sinais da alegria e da paz; a paciência, a bondade e a benevolência; com as condições para viver os frutos do Espírito: a mansidão e a humildade do coração, o apego a Cristo, o deixar-se guiar nos pensamentos, desejos, projectos, afectos, palavras e acções, não pelo nosso eu, muitas vezes egoísta e apressado, mas pelo Espírito de Deus, que tudo cria e faz crescer ao ritmo que bem Lhe apraz. Vivendo assim, manifestamos aquele estilo de vida, aqueles comportamentos que caracterizaram o Pe. Dehon, por todos conhecido como o «Très bon Père», confiadamente abandonado e paciente em todas as circunstâncias da sua vida e do seu apostolado. 


* SÁBADO - Anos Ímpares

Primeira leitura: Hebreus 11, 1-2.8-19

1Irmãos: a fé é garantia das coisas que se esperam e certeza daquelas que não se vêem. 2Foi por ela que os antigos foram aprovados. 8Pela fé, Abraão, ao ser chamado, obedeceu e partiu para um lugar que havia de receber como herança e partiu sem saber para onde ia. 9Pela fé, estabeleceu-se como estrangeiro na Terra Prometida, habitando em tendas, tal como Isaac e Jacob, co-herdeiros da mesma promessa, 10pois esperava a cidade bem alicerçada, cujo arquitecto e construtor é o próprio Deus. 11Pela fé, também Sara, apesar da sua avançada idade, recebeu a possibilidade de conceber, porque considerou fiel aquele que lho tinha prometido. 12Por isso, de um só homem, e já marcado pela morte, nasceu uma multidão tão numerosa como as estrelas do céu e incontável como a areia da beira-mar. 13Foi na fé que todos eles morreram, sem terem obtido os bens prometidos, mas tendo-os somente visto e saudado de longe, confessando que eram estrangeiros e peregrinos sobre a terra. 14Ora, os que assim falam mostram que procuram uma pátria. 15Se eles tivessem pensado naquela que tinham deixado, teriam tido oportunidade de lá voltar; 16mas agora eles aspiram a uma pátria melhor, isto é, à pátria celeste. Por isso, Deus não se envergonha de ser chamado o «seu Deus», porque preparou para eles uma cidade. 17Pela fé, Abraão, quando foi posto à prova, ofereceu Isaac, e estava preparado para oferecer o seu único filho, ele que tinha recebido as promessas e 18a quem tinha sido dito: Por meio de Isaac será assegurada a tua descendência. 19De facto, ele pensava que Deus tem até poder para ressuscitar os mortos; por isso, numa espécie de prefiguração, recuperou o seu filho.

Evangelho: Mc 4, 35-41

Naquele dia, 35ao entardecer, disse Jesus aos discípulos: «Passemos para a outra margem.» 36Afastando-se da multidão, levaram-no consigo, no barco onde estava; e havia outras embarcações com Ele. 37Desencadeou-se, então, um grande turbilhão de vento, e as ondas arrojavam-se contra o barco, de forma que este já estava quase cheio de água. 38Jesus, à popa, dormia sobre uma almofada. 39Acordaram-no e disseram-lhe: «Mestre, não te importas que pereçamos?» Ele, despertando, falou imperiosamente ao vento e disse ao mar: «Cala-te, acalma-te!» O vento serenou e fez-se grande calma. 40Depois disse-lhes: «Porque sois tão medrosos? Ainda não tendes fé?» 41E sentiram um grande temor e diziam uns aos outros: «Quem é este, a quem até o vento e o mar obedecem?»

Reflexão

O autor da Carta aos Hebreus leva-nos, hoje, a reflectir sobre o grande dom da fé: «Pela fé, Abraão… obedeceu e partiu… estabeleceu-se como estrangeiro na Terra Prometida… Pela fé, também Sara recebeu a possibilidade de conceber…». E o refrão «pela fé» vai sendo repetido para falar de Abel, de Enoc, de Isaac… O nosso texto limita-se a referir Abraão que, pela fé, partiu sem saber para onde ia, permaneceu como estrangeiro na Terra Prometda e que, posto à prova, se dispos a oferecer o seu filho único, mas o recuperou «numa espécie de prefiguração» (v. 19). Refere também o exemplo de Sara, que se tornou mãe quando a idade já não o permitia, «porque considerou fiel aquele que lho tinha prometido» (v. 11).
Saber confiar em Alguém é o caminho para a liberdade. Em muitos casos, não se trata de deixar geograficamente a pátria, a família; trata-se de uma outra «saída» muito mais radical, que está no fundamento de todas as outras: a saída de si mesmo. Esta saída pode significar simplesmente retomar cada manhã os mesmos trabalhos domésticos, de percorrer o habitual caminho que leva ao serviço, ou de permanecer imóvel no leito de dor, oferecendo cada momento ao Senhor para que dele disponha como julgar melhor.
Abraão partiu comprometendo toda a sua vida e tornou-se «pai dos crentes». Todo o «sim» generoso dito a Deus é fonte de bem para muitos. Toda a resistência ou recusa a Deus atrasa o caminho de todos para a realização da história. Abraão é louvado pela sua fé, ainda que apenas visse à distância. No evangelho, os apóstolos são repreendidos pela sua falta de fé, apesar de Jesus estar próximo deles. Um incrível paradoxo que nos há-de levar a reflectir. A fé não precisa de especiais condições. Quem sabe olhar as profundidades do coração acaba por descobrir que a Terra Prometida está aí e que se pode alcançá-la pela acto de obediência e de entrega que o Espírito vai sugerindo a cada instante.
«Feliz de ti que acreditaste» (Lc 1, 45), dizia Isabel a Maria. Maria acreditou numa situação de profunda obscuridade, no momento da anunciação; mas acreditou também noutro momento de maior obscuridade ainda: a morte do seu Filho, no Calvário. Na sua noite escura da fé, sentimos a Virgem muito próxima de nós, em comunhão com as nossas dolorosas experiências espirituais, como uma mãe que participa, em tudo, da vida dos filhos.

Ricardo Igreja

Sem comentários:

Enviar um comentário