terça-feira, 22 de março de 2011

II DOMINGO TEMPO COMUM

* II DOMINGO


«Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo»


 LEITURA I – Is 49,3.5-6

Disse-me o Senhor: «Tu és o meu servo, Israel, por quem manifestarei a minha glória». E agora o Senhor falou-me, Ele que me formou desde o seio materno, para fazer de mim o seu servo, a fim de lhe reconduzir Jacob e reunir Israel junto d’Ele. Eu tenho merecimento aos olhos do Senhor e Deus é a minha força. Ele disse-me então: «Não basta que sejas meu servo, para restaurares as tribos de Jacob e reconduzires os sobreviventes de Israel. Vou fazer de ti a luz das nações, para que a minha salvação chegue até aos confins da terra».

LEITURA II – 1 Cor 1,1-3

Irmãos: Paulo, por vontade de Deus escolhido para Apóstolo de Cristo Jesus e o irmão Sóstenes, à Igreja de Deus que está em Corinto, aos que foram santificados em Cristo Jesus, chamados à santidade, com todos os que invocam, em qualquer lugar, o nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso: A graça e a paz de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo estejam convosco.

EVANGELHO – Jo 1,29-34

Naquele tempo, João Baptista viu Jesus, que vinha ao seu encontro, e exclamou: «Eis o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. Era d’Ele que eu dizia: “Depois de mim virá um homem, que passou à minha frente, porque existia antes de mim”. Eu não O conhecia, mas para Ele Se manifestar a Israel é que eu vim baptizar em água».  João deu mais este testemunho: «Eu vi o Espírito Santo descer do Céu como uma pomba e repousar sobre Ele. Eu não O conhecia, mas quem me enviou a baptizar em água é que me disse: “Aquele sobre quem vires o Espírito Santo descer e repousar é que baptiza no Espírito Santo”. Ora eu vi e dou testemunho de que Ele é o Filho de Deus».

Reflexão

João é, portanto, o apresentador oficial de Jesus. De que forma e em que termos o vai apresentar? A catequese sobre Jesus que aqui é feita expressa-se através de duas afirmações com um profundo impacto teológico: Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo; e é o Filho de Deus que possui a plenitude do Espírito. A primeira afirmação (“o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” – Jo 1,29) evoca, provavelmente, duas imagens tradicionais extremamente sugestivas. Por um lado, evoca a imagem do “servo sofredor”, o cordeiro levado para o matadouro, que assume os pecados do seu Povo e realiza a expiação (cf. Is 52,13-53,12); por outro lado, evoca a imagem do cordeiro pascal, símbolo da acção libertadora de Deus em favor de Israel (cf. Ex 12,1-28). Qualquer uma destas imagens sugere que a pessoa de Jesus está ligada à libertação dos homens. A ideia é, aliás, explicitada pela definição da missão de Jesus: Ele veio para tirar (“eliminar”) “o pecado do mundo”. A palavra “pecado” aparece, aqui, no singular: não designa os “pecados” dos homens, mas um “pecado” único que oprime a humanidade inteira; esse “pecado” parece ter a ver, no contexto da catequese joânica, com a recusa da proposta de vida com que Deus, desde sempre, quis presentear a humanidade (é dessa recusa que resulta o pecado histórico, que desfeia o mundo e que oprime os homens). O “mundo” designa, neste contexto, a humanidade que resiste à salvação, reduzida à escravidão e que recusa a luz/vida que Jesus lhe pretende oferecer… Deus propôs-se tirar a humanidade da situação de escravidão em que esta se encontra; enviou ao mundo Jesus, com a missão de realizar um novo êxodo, que leve os homens da terra da escravidão para a terra da liberdade.
A segunda afirmação (o “Filho de Deus” que possui a plenitude do Espírito Santo e que baptiza no Espírito – cf. Jo 1,32-34) completa a anterior. Há aqui vários elementos bem sugestivos: o “cordeiro” é o Filho de Deus; Ele recebeu a plenitude do Espírito; e tem por missão baptizar os homens no Espírito. Dizer que Jesus é o Filho de Deus é dizer que Ele é o Deus que se faz pessoa, que vem ao encontro dos homens, que monta a sua tenda no meio dos homens, a fim de lhes oferecer a plenitude da vida divina. A sua missão consiste em eliminar “o pecado” que torna o homem escravo e que o impede de abrir o coração a Deus. Dizer que o Espírito desce sobre Jesus e permanece sobre Ele sugere que Jesus possui definitivamente a plenitude da vida de Deus, toda a sua riqueza, todo o seu amor. Por outro lado, a descida do Espírito sobre Jesus é a sua investidura messiânica, a sua unção (“messias” = “ungido”). O quadro leva-nos aos textos do Deutero-Isaías, onde o “Servo” aparece como o eleito de Jahwéh, sobre quem Deus derramou o seu Espírito (cf. Is 42,1), a quem ungiu e a quem enviou para “anunciar a Boa Nova aos pobres, para curar os corações destroçados, para proclamar a libertação aos cativos, para anunciar aos prisioneiros a liberdade” (Is 61,1-2).
Jesus é, finalmente, aquele que baptiza no Espírito Santo. O verbo “baptizar” aqui utilizado tem, em grego, duas traduções: “submergir” e “empapar (como a chuva empapa a terra)”; refere-se, em qualquer caso, a um contacto total entre a água e o sujeito. “Baptizar no Espírito” significa, portanto, um contacto total entre o Espírito e o homem, uma chuva de Espírito que cai sobre o homem e lhe empapa o coração. A missão de Jesus consiste, portanto, em derramar o Espírito sobre o homem; e o homem que adere a Jesus, “empapado” do Espírito e transformado por essa fonte de vida que é o Espírito, abandona a experiência da escuridão (“o pecado”) e alcança o seu pleno desenvolvimento, a plenitude da vida. A declaração de João convida os homens de todas as épocas a voltarem-se para Jesus e a acolherem a proposta libertadora que, em nome de Deus, Ele faz: só a partir do encontro com Jesus será possível chegar à vida plena, à meta final do Homem Novo. 


* 2ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Hebreus 5, 1-10

1Todo o Sumo-sacerdote tomado de entre os homens é constituído em favor dos homens, nas coisas respeitantes a Deus, para oferecer dons e sacrifícios pelos pecados. 2Pode compadecer-se dos ignorantes e dos que erram, pois também ele está cercado de fraqueza; 3por isso, deve oferecer sacrifícios, tanto pelos seus pecados, como pelos do povo. 4E ninguém tome esta honra para si mesmo, mas somente quem é chamado por Deus, tal como Aarão. 5Assim também Cristo não se atribuiu a glória de se tornar Sumo-sacerdote, mas concedeu-lha aquele que lhe disse: Tu és meu Filho, Eu hoje te gerei. 6E, como diz noutro passo: Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec. 7Nos dias da sua vida terrena, apresentou orações e súplicas àquele que o podia salvar da morte, com grande clamor e lágrimas, e foi atendido por causa da sua piedade. 8Apesar de ser Filho de Deus, aprendeu a obediência por aquilo que sofreu 9e, tornado perfeito, tornou-se para todos os que lhe obedecem fonte de salvação eterna, 10tendo sido proclamado por Deus Sumo-sacerdote segundo a ordem de Melquisedec.

Evangelho: Marcos 2, 18-22

Naquele tempo, 18os discípulos de João e os fariseus guardavam o jejum. Vieram dizer-lhe: «Porque é que os discípulos de João e os dos fariseus guardam jejum, e os teus discípulos não jejuam?» 19Jesus respondeu: «Poderão os convidados para a boda jejuar enquanto o esposo está com eles? Enquanto têm consigo o esposo, não podem jejuar. 20Dias virão em que o esposo lhes será tirado; e então, nesses dias, hão-de jejuar.» 21«Ninguém deita remendo de pano novo em roupa velha, pois o pano novo puxa o tecido velho e o rasgão fica maior. 22E ninguém deita vinho novo em odres velhos; se o fizer, o vinho romperá os odres e perde-se o vinho, tal como os odres. Mas vinho novo, em odres novos.»

Reflexão

A palavra de Deus alerta-nos para a tentação de gerirmos a vida «religiosa» em vista da nossa segurança pessoal, de interpretarmos as Escrituras com critérios de racionalidade para nos protegermos das suas propostas radicais, por vezes incómodas, e de «usarmos» o culto como escudo protector para uma santidade construída à nossa medida. A única relação com Deus, que realmente nos dá segurança, é a modulada pela obediência. Obedecer a Deus é viver em união com Cristo, abertos ao Espírito, deixando-nos guiar por Ele, mais do que pelo nosso «bom senso», sempre dispostos a verificar a consistência das nossas habituais formas exteriores de manifestar a fé, convertendo-nos a uma maior autenticidade, e comprometendo com ela a nossa existência. É a novidade de vida proclamada pelo evangelho. O próprio Senhor inaugura essa novidade, oferecendo a Deus, não já coisas convencionais, mas a sua existência, como escutamos na primeira leitura. Os discípulos de João e os fariseus preocupavam-se, não com a forma de vida que levavam, mas com acrescentos a essa vida, tais como penitências para honrar a Deus. Para Jesus, o mais importante é a vida que se leva, e não o que se lhe acrescenta, tal como certas cerimónias ou penitências suplementares. Cristo sacerdote oferece a sua vida e não sacrifícios convencionais: «Nos dias da sua vida terrena, apresentou orações e súplicas àquele que o podia salvar da morte, com grande clamor e lágrimas, e foi atendido por causa da sua piedade» (v. 7). Jesus Cristo transformou em oferta a Deus o drama da sua vida. Esta transformação requer oração intensa e luta. É o que contemplamos na agonia de Jesus. O Senhor luta, com orações e súplicas, contra as dificuldades da vida e contra a necessidade da paixão. Assim transforma tudo em oferta digna de Deus, cheia do Espírito de Deus. Jesus também espera de nós, não coisas sobrepostas à nossa vida, mas sim a nossa própria vida transformada em sacrifício. São certamente necessárias orações e mortificações, que ajudam a transformar a vida. Mas o mais importante é essa transformação, é fazer da nossa existência uma oferta a Deus (cf. Rm 12, 1s).
Na eucaristia, unidos a Cristo, oferecemos ao Pai o seu sacrifício. Mas havemos de acrescentar-lhe a oferta de nós mesmos e da nossa vida, com as suas alegrias, dificuldades, tentações, desejos e esperanças. É este o sacrifício que agrada ao Senhor, o sacrifício da transformação da nossa vida, que o próprio Espírito de Jesus realiza em nós, se formos dóceis à sua acção. Esta espiritualidade, tão claramente expressa como oração na Prece Eucarística III, é comum a todos os cristãos. Os dehonianos procuram vivê-la com particulares acentuações e tonalidades, de acordo com o seu carisma. 


* 3ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Hebreus 6, 10-20

Irmãos, 10Deus não é injusto, para esquecer as vossas obras e o amor que mostrastes pelo seu nome, pondo-vos ao serviço dos santos e servindo-os ainda agora. 11Desejamos, porém, que cada um de vós mostre o mesmo zelo para a plena realização da sua esperança até ao fim, 12de modo que não vos torneis preguiçosos, mas imiteis aqueles que, pela fé e pela perseverança, se tornam herdeiros das promessas. 13Quando Deus fez a promessa a Abraão, como não tinha ninguém maior por quem jurar, jurou por si mesmo, 14dizendo: Na verdade, Eu te abençoarei e multiplicarei a tua descendência. 15E assim, Abraão, tendo esperado com paciência, alcançou a promessa. 16Ora, os homens juram por alguém maior do que eles, e o juramento é para eles uma garantia que põe fim a toda a controvérsia. 17Por isso, querendo Deus mostrar mais claramente aos herdeiros da promessa que a sua decisão era imutável, interveio com um juramento, 18para que, graças a duas acções imutáveis, nas quais é impossível que Deus minta, encontrássemos grande estímulo, nós os que procurámos refúgio nele, agarrando-nos à esperança proposta. 19Nessa esperança temos como que uma âncora segura e firme da alma, que penetra até ao interior do véu 20onde Jesus entrou como nosso precursor, tornando-se Sumo Sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec.

Evangelho: Marcos 2, 23-28

Passeava Jesus através das searas num dia de sábado, os discípulos puseram-se a colher espigas pelo caminho. 24Os fariseus diziam-lhe: «Repara! Porque fazem eles ao sábado o que não é permitido?» 25Ele disse: «Nunca lestes o que fez David, quando teve necessidade e sentiu fome, ele e os que estavam com ele? 26Como entrou na casa de Deus, ao tempo do Sumo Sacerdote Abiatar, e comeu os pães da oferenda, que apenas aos sacerdotes era permitido comer, e também os deu aos que estavam com ele?» 27E disse-lhes: «O sábado foi feito para o homem e não o homem para o sábado. 28O Filho do Homem até do sábado é Senhor.»

Reflexão

A primeira leitura, bastante complicada, apresenta-nos um pensamento fundamental simples e muito importante: é preciso conservar a esperança: «cada um de vós mostre o mesmo zelo para a plena realização da sua esperança até ao fim» (v. 11). A esperança dá juventude, dá dinamismo. A falta de esperança provoca velhice precoce e leva a todo o tipo de desordens, como ensina Paulo aos Romanos. Para nos manter na esperança, Deus adaptou-se aos modelos humanos: fez um juramento a Abraão e deu-nos um sumo sacerdote perfeito, Jesus Cristo. Uma vez que Ele nos representa, a sua glorificação é também nossa e, por isso, a nossa esperança é como «uma âncora segura e firme da alma, que penetra até ao interior do véu onde Jesus entrou como nosso precursor» (vv. 19-20). Se Jesus penetrou no céu como nosso precursor, temos a certeza de lá O encontrar. Além destes grandes motivos de esperança, temos muitos outros que Jesus nos deixou durante a sua vida histórica. No evangelho de hoje, Ele apresenta-nos Deus como o Senhor do tempo e da história, como liberdade absoluta, que não é reduzível a qualquer medida humana ou religiosa. A liberdade soberana de Deus coincide com o seu amor, que se manifesta na predilecção pelos mais pequenos, na capacidade de ver para além das aparências, no reconhecer o primado da pessoa humana afirmada na criação e jamais desmentido. Pergunto-me: na minha vida, mostro-me realmente filho deste Deus? Acolho a sua liberdade escrava de amor e assumo-a como atitude de vida? As opções divinas desorientam-me quando infringem ou põem em crise o status quo. É mais fácil orientar-me por regras claras e exactas do que pôr no centro a pessoa, toda e qualquer pessoa, com as suas exigências e características, que por vezes me desagradam, e até posso julgar inadequadas. A palavra de Deus convida-me e provoca-me a saber discernir a verdade das coisas lembrando-me que Ele é senhor de tudo. O evangelho é claramente contrário à rigidez cega, ao fanatismo. Exige o sacrifício de si mesmo, mas sempre à luz da misericórdia de Deus. Paulo escreverá aos Coríntios: «Ainda que eu distribua todos os meus bens e entregue o meu corpo para ser queimado, se não tiver amor, de nada me aproveita» (1 Cor 13, 3). O nosso compromisso da pobreza, que significa a entrega de toda a nossa vida ao serviço do Evangelho, é também um testemunho de esperança. Lemos nas Constituições: vivendo a pobreza, «seremos discípulos do Padre Dehon, que teve sempre uma particular atenção para com os homens do seu tempo, sobretudo os mais pobres: aqueles a quem faltam biblioteca, razões de viver e esperança» (Cst 52). 


* 4ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Hebreus 7, 1-3.15-17

Irmãos: 1Melquisedec, rei de Salém, sacerdote do Deus Altíssimo, foi ao encontro de Abraão quando ele voltava da derrota infligida aos reis e abençoou-o; 2Abraão concedeu-lhe o dízimo de todas as coisas; o seu nome significa, em primeiro lugar, rei de justiça, e depois, «rei de Salém», que quer dizer «rei de paz». 3Sem pai, sem mãe, sem genealogia, sem princípio de dias nem fim de vida, assemelha-se ao Filho de Deus e permanece sacerdote para sempre. 15E isto é ainda mais evidente, quando aparece outro sacerdote à semelhança de Melquisedec, 16instituído, não segundo o mandamento de uma lei humana, mas segundo o poder de uma vida indestrutível. 17Na verdade, dele se testemunha:Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec.

Evangelho: Marcos 3, 1-6

Naquele tempo, 1Jesus entrou de novo na sinagoga, onde estava um homem que tinha uma das mãos paralisada. 2Ora eles observavam-no, para ver se iria curá-lo ao sábado, a fim de o poderem acusar. 3Jesus disse ao homem da mão paralisada: «Levanta-te e vem para o meio.» 4E a eles perguntou: «É permitido ao sábado fazer bem ou fazer mal, salvar uma vida ou matá-la?» Eles ficaram calados. 5Então, olhando-os com indignação e magoado com a dureza dos seus corações, disse ao homem: «Estende a mão.» Estendeu-a, e a mão ficou curada. 6Assim que saíram, os fariseus reuniram-se com os partidários de Herodes para deliberar como haviam de matar Jesus.

Reflexão

O autor da Carta aos Hebreus, com admiração, vê na misteriosa figura de Melquisedec uma imagem de Cristo ressuscitado, que não tem pai nem mãe terrenos. A novidade de vida da ressurreição não tem origem terrestre. Jesus ressuscitado é Filho de Deus, também na sua natureza humana, e permanece assim sacerdote eterno. Esta descrição mostra a atitude dos primeiros cristãos na leitura do Antigo Testamento. Com alegria, por vezes com espanto, viam nele delinear-se a figura de Cristo, e enchiam-se de júbilo ao verificar que Deus tinha preparado a revelação de Cristo desde há muito tempo. «O Novo Testamento está escondido no Antigo», dirá Santo Agostinho, e Cristo, ao chegar, ilumina todo o Antigo Testamento. O que parecia misterioso e quase inexplicável torna-se claro porque se revela uma profecia de Cristo. Também nós somos chamados a ler o Antigo Testamento a esta luz cristã e a encontrar nele uma fonte de grande consolação espiritual, porque se aprofunda a nossa fé e nos damos conta com alegria que Deus, desde sempre, dispôs todas as coisas e todos os acontecimentos para glorificação do seu Filho. Ele veio para ser o santo e sumo sacerdote, e para nos dar a sua maravilhosa dignidade. Uma vez consumado na cruz o seu santo sacrifício, todo o homem pode oferecer ao Pai, por meio d´Ele e participando no seu sacerdócio, o único e perfeito sacrifício. Cada um reencontrou a inesperada dignidade de falar com Deus, de Lhe oferecer toda a Criação e, mais ainda, de ser aos seus olhos uma imagem viva do seu Filho muito amado no qual pôs todo o seu enlevo.
No evangelho contemplamos a vitória do Filho de Deus feito homem sobre a paralisia de um homem e sobre a interpretação opressiva da Lei pelos fariseus. Os seus adversários, indiferentes ao significado transcendente do milagre, só queriam surpreendê-lo a fazer uma cura ao sábado para O acusarem de violar o dia santificado. Mas Jesus indignado e entristecido com aquela cegueira moral, continua a cumprir o seu programa messiânico, obediente e fiel ao Pai, atento e solícito para com os homens


* 5ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Hebreus 7, 25-8, 6

Irmãos, 25Jesus pode salvar de um modo definitivo, os que por meio dele se aproximam de Deus, pois Ele está vivo para sempre, a fim de interceder por eles. 26Tal é, com efeito, o Sumo Sacerdote que nos convinha: santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores e elevado acima dos céus, 27que não tem necessidade, como os outros sacerdotes, de oferecer vítimas todos os dias, primeiro pelos seus próprios pecados e depois pelos do povo, porque Ele o fez uma vez por todas, oferecendo-se a si mesmo. 28A Lei, com efeito, constitui sumos sacerdotes a homens sujeitos à debilidade; mas a palavra do juramento, posterior à Lei, constitui o Filho perfeito para sempre. 1O ponto principal do que estamos a dizer é que temos um Sumo Sacerdote que se sentou nos céus à direita do trono da Majestade, 2como ministro do santuário e da verdadeira tenda, construída pelo Senhor e não pelo homem. 3Todo o Sumo Sacerdote é constituído para oferecer dons e sacrifícios; daí a necessidade de também ele ter algo para oferecer. 4Se Cristo estivesse na terra, nem sequer seria sacerdote, pois já existem aqueles que oferecem os dons segundo a Lei. 5Esses prestam um culto que é uma imagem e uma sombra das realidades celestes, como foi revelado a Moisés quando estava para construir a tenda. Foi-lhe dito: Presta atenção, faz tudo segundo o modelo que te foi mostrado no monte. 6Mas, de facto, ele obteve um ministério tanto mais elevado, quanto maior é a aliança de que é mediador, a qual foi estabelecida sobre melhores promessas.

Evangelho: Marcos 3, 7-12

Naquele tempo, 7Jesus retirou-se para o mar com os discípulos. Seguiu-o uma imensa multidão vinda da Galileia. E da Judeia, 8de Jerusalém, da Idumeia, de além-Jordão e das cercanias de Tiro e de Sídon, uma grande multidão veio ter com Ele, ao ouvir dizer o que Ele fazia. 9E disse aos discípulos que lhe aprontassem um barco, a fim de não ser molestado pela multidão, 10pois tinha curado muita gente e, por isso, os que sofriam de enfermidades caíam sobre Ele para lhe tocarem. 11Os espíritos malignos, ao vê-lo, prostravam-se diante dele e gritavam: «Tu és o Filho de Deus!» 12Ele, porém, proibia-lhes severamente que o dessem a conhecer.

Reflexão

Marcos descreve a multidão que precipitadamente envolve Jesus, levando-O a entrar numa barca para não ser molestado. O Senhor atrai pela sua bondade, pelo seu poder, gente da Galileia, da Judeia, de Jerusalém, mas também de regiões mais afastadas, como a Idumeia, a Transjordânia, Tiro e Sidon, terras pagãs. Vinham para obter a cura dos seus doentes e para alcançar a paz de Deus para os seus ansiosos corações.
A Carta aos Hebreus abre outra perspectiva a quem se sente aflito pelas doenças e outras provações da vida. Falando de Jesus, afirma: «Tal é o Sumo Sacerdote que nos convinha: santo, inocente, imaculado, separado dos pecadores e elevado acima dos céus» (v. 26). O Filho de Deus fez-se homem para realizar um acto único, perfeito, agradável ao Pai, oferecendo-Se a Si mesmo na fraqueza, na morte. Toda a sua existência, que culminou no dom de Si mesmo na cruz, tem a ver connosco, com a nossa vida, com as nossas canseiras e sofrimentos. Não vale a pena vivê-los afogados em vãos lamentos, em mal reprimida insatisfação. É melhor lançá-los generosamente no tesouro do seu generoso sofrer por amor, naquele acto perene que o torna sempre vivo a interceder por nós. Não há efectivamente ocupação ou adversidade que possa impedir-nos de lançar o olhar do nosso coração para a sua cruz e encher-nos da força de um acto de renovada adesão à vontade do Pai. Só assim saborearemos a doçura de ser curados das chagas do nosso cansaço para reencontramos a alegria de sermos filhos no Filho.
O texto de Marcos termina com os demónios a quererem revelar, antes do tempo, a identidade de Jesus e a sua grandeza. O Senhor opõe-se severamente porque sabe que a sua obra exige o sacrifício de Si mesmo, e que a sua dignidade de Filho de Deus só poderá ser verdadeiramente revelada na cruz. É o que também nos diz a primeira leitura: «Ele não tem necessidade, como os outros sacerdotes, de oferecer vítimas todos os dias, primeiro pelos seus próprios pecados e depois pelos do povo, porque Ele o fez uma vez por todas, oferecendo-se a si mesmo» (v. 27). Cristo realizou o culto perfeito, que não é apenas um símbolo como o antigo culto dos sacerdotes hebreus, que apenas era «uma imagem e uma sombra das realidades celestes» (v. 5). Ele recebeu um ministério mais elevado, que realiza de verdade o projecto de comunhão com o sacrifício de Si mesmo.
Na oração sacerdotal, Jesus mostra-se consciente da obra que tem para realizar «santificando a Si mesmo», isto é, sacrificando a sua vida. O Filho de Deus não assumiu a natureza humana só para curar as nossas doenças. Assumiu-a, sobretudo, para transformar a nossa natureza e restabelecer a relação entre Deus e nós. Como escreve o autor da Carta aos Hebreus, Cristo recebeu «um ministério tanto mais elevado, quanto maior é a aliança de que é mediador, a qual foi estabelecida sobre melhores promessas» (Heb 8, 6).
Em cada missa, havemos de aproximar-nos de Cristo com a pressa impaciente das multidões da Palestina e das regiões próximas, não só para que nos cure, mas para que nos ajude a descobrir um novo sentido para os nossos sofrimentos e, sobretudo, a uni-los aos seus para glória e alegria do Pai e salvação do mundo. O seu sacrifício, oferecido uma só vez, está à nossa disposição, para nos curar de todos os males, mas também para nos dar a graça necessária para transformar a nossa vida, com Ele, n´Ele e por Ele, oferta viva, santa e agradável. 


* 6ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Hebreus 8, 6-13

Irmãos: 6Jesus obteve um ministério tanto mais elevado, quanto maior é a aliança de que é mediador, a qual foi estabelecida sobre melhores promessas. 7Se, na verdade, a primeira fosse perfeita, não haveria lugar para a segunda. 8De facto, censurando-os, diz: Eis que vêm dias, diz o Senhor, em que farei com a casa de Israel e com a casa de Judá uma aliança nova, 9não como a aliança que fiz com os seus pais no dia em que os tomei pela mão, para os fazer sair do Egipto; porque eles não permaneceram na minha aliança, também Eu me desinteressei deles - diz o Senhor. 10Esta é a aliança que estabelecerei com a casa de Israel, depois daqueles dias. Diz o Senhor: Porei as minhas leis na sua mente e as imprimirei nos seus corações; serei o seu Deus e eles serão o meu povo. 11Ninguém ensinará o seu próximo nem o seu irmão, dizendo: ‘Conhece o Senhor’; porque todos me conhecerão, do mais pequeno ao maior, 12pois perdoarei as suas iniquidades e não mais me lembrarei dos seus pecados. 13Ao falar de uma aliança nova, Deus declara antiquada a primeira; ora, o que se torna antiquado e envelhece está prestes a desaparecer.

Evangelho: Marcos 3, 13-19

Naquele tempo, 13Jesus subiu a um monte, chamou os que Ele queria e foram ter com Ele. 14Estabeleceu doze para estarem com Ele e para os enviar a pregar, 15com o poder de expulsar demónios. 16Estabeleceu estes doze: Simão, ao qual pôs o nome de Pedro; 17Tiago, filho de Zebedeu, e João, irmão de Tiago, aos quais deu o nome de Boanerges, isto é, filhos do trovão; 18André, Filipe, Bartolomeu, Mateus, Tomé, Tiago, filho de Alfeu, Tadeu, Simão, o Cananeu, 19e Judas Iscariotes, que o entregou.

Reflexão

Na primeira leitura, escutamos o belo texto de Jeremias sobre a «aliança nova» (v. 8), que trará uma viragem na relação dos homens com Deus. A «aliança nova» não será «como a aliança que fiz com os seus pais no dia em que os tomei pela mão, para os fazer sair do Egipto» (v. 9), diz o Senhor. A primeira aliança ficava pelo exterior, pela observância da Lei dada por Deus. Mas, sendo exterior, a Lei tornava-se, sobretudo, um obstáculo para muitos, porque, quando uma lei é imposta, a primeira reacção do homem é opor-se a ela. Os hebreus veneravam a Lei, mas poucos a observavam de verdade. Aliás, o profeta anuncia a aliança nova num tempo em que, por causa das graves violações da Lei, Deus castigara severamente o seu povo com a destruição do Templo e com o exílio em Babilónia. Mas é exactamente nesse momento dramático que Deus surpreende com a promessa de uma aliança nova e de uma Lei, não já escrita em tábuas de pedra, mas nas mentes e nos corações: «Porei as minhas leis na sua mente e as imprimirei nos seus corações» (v. 10). Isto quer dizer que os homens estarão intimamente de acordo com Deus, amarão a sua vontade, terão desejo de cumpri-la, terão a mesma vontade e os mesmos desejos de Deus. É a aliança instituída por Jesus com o seu sacrifício. Ele mesmo se torna a nossa lei na caridade universal. Afirmamo-lo na eucaristia: «Este é o cálice do meu sangue, o sangue da nova e eterna aliança». Esta aliança definitiva e perfeita, une-nos definitivamente com Deus e une-nos entre nós. É bom lembrarmos isto, numa época do ano em que as igrejas cristãs rezam pela unidade.
O evangelho apresenta-nos outra condição para a unidade: a eleição dos Doze, a instituição que exprime a pluralidade na unidade, a que se deve aderir para estar unidos a Deus. As divisões na igreja têm origem na falta de fé e de adesão à autoridade. Os pastores da Igreja são certamente homens fracos e imperfeitos. Mas Jesus constituiu-os para conservarem a unidade. Por há que rodeá-los de afecto e compreensão. Cristo Jesus está com eles!
«Que todos sejam um só. Como Tu, ó Pai, estás em Mim, e Eu em Ti, que também eles estejam em Nós, para que o mundo creia que Tu me enviaste», rezava Jesus (Jo 17, 21). Notemos a insistência do Senhor, não só sobre a unidade no amor, mas também sobre a dimensão missionária da comunidade cristã unida no amor. 


* SÁBADO - Anos Ímpares

Primeira leitura: Hebreus 9,2-3.11-14

Irmãos: 2Na primeira aliança, tinha-se construído uma tenda, a primeira, chamada o Santo, na qual se encontrava o candelabro e a mesa dos pães da oferenda. 3Por detrás do segundo véu estava a tenda chamada Santo dos Santos. 11Mas, Cristo veio como Sumo Sacerdote dos bens futuros, através de uma tenda maior e mais perfeita, que não é feita por mão humana, isto é, não pertence a este mundo criado. 12Entrou uma só vez no Santuário, não com o sangue de carneiros ou de vitelos, mas com o seu próprio sangue, tendo obtido uma redenção eterna. 13Se, de facto, o sangue dos carneiros e dos touros e a cinza da vitela com que se aspergem os impuros, os santifica, purificando-os no corpo, 14quanto mais o sangue de Cristo, que pelo Espírito eterno se ofereceu a si mesmo a Deus, sem mácula, purificará a nossa consciência das obras mortas, para que prestemos culto ao Deus vivo!

Evangelho: Marcos 3, 20-21

Naquele temo, 20Jesus chegou a casa com os seus discípulos. E de novo a multidão acorreu, de tal maneira que nem podiam comer. 21E quando os seus familiares ouviram isto, saíram a ter mão nele, pois diziam: «Está fora de si!»

Reflexão

A Carta aos Hebreus fala-nos do dom total de Si mesmo feito por Jesus Cristo. Jesus, animado por um «Espírito eterno, ofereceu-se a si mesmo a Deus, sem mácula» (v. 14). Cristo realizou a oblação perfeita de Si mesmo, uma oblação bem diferente das oblações do culto antigo, antes referido. Jesus entrou no santuário, «não com o sangue de carneiros ou de vitelos, mas com o seu próprio sangue» (v. 12). Oferecer coisas externas é relativamente fácil; oferecer a si mesmo é mais difícil. Jesus mostrou-nos este caminho: não ofertas externas, mas ofertas pessoais. Oferecer a si mesmo, pôr-se à disposição do amor de Deus, para o serviço dos irmãos e das irmãs, até ao ponto de pôr em perigo a própria vida, se for necessário!
Jesus pôde fazer esta oferta pessoal perfeita porque não tinha qualquer mancha, era imaculado, perfeitamente íntegro. Por outro lado, pôde oferecer-Se a Si mesmo porque tinha uma generosidade inspirada pelo Espírito Santo: «pelo Espírito eterno se ofereceu a si mesmo a Deus» (v. 14). A sua oblação transformou o sangue derramado em sangue de aliança, em sangue que purifica e santifica. O sangue de Cristo, graças a esta oblação, «purificará a nossa consciência das obras mortas» e pôr-nos-á em condições de «prestarmos culto ao Deus vivo!»
Na verdade, Jesus estava «fora de si» (v. 21). S. Paulo fala-nos da «loucura da cruz» (1 Cor 1, 18), uma loucura de amor, uma loucura fecunda. Depois de Jesus, quantos seus discípulos foram acusados de loucos por desprezarem a sabedoria deste mundo e se entregarem completamente à sabedoria da cruz, oferecendo-se inteiramente a Deus e ao serviço dos irmãos. Pensemos em Francisco de Assis, em João de Deus, em Leão Dehon. A loucura de Deus, como diz Paulo, é mais sábia que a sabedoria racional dos homens, porque é uma loucura que vem do amor e que, portanto, salva.
Como Cristo «se deu totalmente ao Pai» (Cst 35) assim também «Se entregou totalmente... aos homens» (Cst 35). O que o Senhor rezou pelos apóstolos, também o reza por cada um de nós: «Por eles Me consagro (sacrifico, ofereço) a Mim mesmo, para que também eles sejam consagrados na verdade» (Jo 17, 19). O Pai, em Cristo, purificando-nos com o Seu sangue, habilitou-nos para o serviço do Deus vivo, para uma verdadeira vida de oblação (cf. Heb 9, 14), «ao Pai pelos irmãos» (Cst 6). «Essa vida leva-nos a procurar, cada vez mais fielmente, com o Senhor pobre e obediente, a vontade do Pai a nosso respeito e a respeito do mundo e torna-nos atentos aos apelos que o Pai nos dirige através dos acontecimentos pequenos e grandes e nas expectativas e realizações humanas» (Cst 35).

Ricardo Igreja

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