terça-feira, 9 de agosto de 2011

XXXII DOMINGO TEMPO COMUM

* DOMINGO


«O Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob’ 
Não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão vivos»


LEITURA I – 2 Mac 7,1-2.9-14

Naqueles dias, foram presos sete irmãos, juntamente com a mãe, e o rei da Síria quis obrigá-los, à força de golpes de azorrague e de nervos de boi, a comer carne de porco proibida pela Lei judaica. Um deles tomou a palavra em nome de todos e falou assim ao rei: «Que pretendes perguntar e saber de nós? Estamos prontos para morrer, antes que violar a lei de nossos pais». Prestes a soltar o último suspiro, o segundo irmão disse: «Tu, malvado, pretendes arrancar-nos a vida presente, mas o Rei do universo ressuscitar-nos-á para a vida eterna, se morrermos fiéis às suas leis». Depois deste começaram a torturar o terceiro. Intimado a pôr fora a língua, apresentou-a sem demora e estendeu as mãos resolutamente, dizendo com nobre coragem: «Do Céu recebi estes membros e é por causa das suas leis que os desprezo, pois do Céu espero recebê-los de novo». O próprio rei e quantos o acompanhavam estavam admirados com a força de ânimo do jovem, que não fazia nenhum caso das torturas. Depois de executado este último, sujeitaram o quarto ao mesmo suplício. Quando estava para morrer, falou assim: «Vale a pena morrermos às mãos dos homens, quando temos a esperança em Deus de que Ele nos ressuscitará; mas tu, ó rei, não ressuscitarás para a vida».

LEITURA II – 2 Tes 2,16-3,5

Irmãos: Jesus Cristo, nosso Senhor, e Deus, nosso Pai, que nos amou e nos deu, pela sua graça, eterna consolação e feliz esperança, confortem os vossos corações e os tornem firmes em toda a espécie de boas obras e palavras. Entretanto, irmãos, orai por nós, para que a palavra do Senhor se propague rapidamente e seja glorificada, como acontece no meio de vós. Orai também, para que sejamos livres dos homens perversos e maus, pois nem todos têm fé. Mas o Senhor é fiel: Ele vos dará firmeza e vos guardará do Maligno. Quanto a vós, confiamos inteiramente no Senhor que cumpris e cumprireis o que vos mandamos. O Senhor dirija os vossos corações, para que amem a Deus e aguardem a Cristo com perseverança.

EVANGELHO – Lc 20,27-38

Naquele tempo, aproximaram-se de Jesus alguns saduceus – que negam a ressurreição – e fizeram-Lhe a seguinte pergunta: «Mestre, Moisés deixou-nos escrito: ‘Se morrer a alguém um irmão, que deixe mulher, mas sem filhos, esse homem deve casar com a viúva, para dar descendência a seu irmão’. Ora havia sete irmãos. O primeiro casou-se e morreu sem filhos. O segundo e depois o terceiro desposaram a viúva; e o mesmo sucedeu aos sete, que morreram e não deixaram filhos. Por fim, morreu também a mulher. De qual destes será ela esposa na ressurreição, uma vez que os sete a tiveram por mulher?» Disse-lhes Jesus: «Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento. Mas aqueles que forem dignos de tomar parte na vida futura e na ressurreição dos mortos, nem se casam nem se dão em casamento. Na verdade, já nem podem morrer, pois são como os Anjos, e, porque nasceram da ressurreição, são filhos de Deus. E que os mortos ressuscitam, até Moisés o deu a entender no episódio da sarça ardente, quando chama ao Senhor ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob’  Não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão vivos».

REFLEXÃO

A questão central do nosso texto gira à volta da ressurreição, um tema que não significava nada para os saduceus. Percebendo que, quanto a essa questão, a perspectiva de Jesus estava próxima da dos fariseus, os saduceus apresentaram uma hipótese académica, com o objectivo de ridicularizar a crença na ressurreição: uma mulher casou, sucessivamente, com sete irmãos, cumprindo a lei do levirato (segundo a qual, o irmão de um defunto que morreu sem filhos devia casar com a viúva, a fim de dar descendência ao falecido e impedir que os bens da família fossem parar a mãos estranhas, cf. Dt 25,5-10). Quando ressuscitarem, ela será mulher de qual dos irmãos?
A primeira parte da resposta de Jesus (vers. 27-36) afirma que a ressurreição não é (como pensavam os fariseus do tempo) uma simples continuação da vida que vivemos neste mundo (na linha de uma revivificação – ideia apresentada na primeira leitura), mas uma vida nova e distinta, uma vida de plenitude que dificilmente podemos entender a partir das nossas realidades quotidianas. A questão do casamento não se porá, então (a expressão “são semelhantes aos anjos” do vers. 30 não é uma expressão de depreciação do matrimónio, mas a afirmação de que, nessa vida nova, a única preocupação será servir e louvar a Deus). O poder de Deus, que chama os homens da morte à vida, transforma e assume a totalidade do ser humano, de forma que nascemos para uma vida totalmente nova e em que as nossas potencialidades serão elevadas à plenitude. A nossa capacidade de compreensão deste mistério é limitada, pois estamos a contemplar as coisas e a classificá-las à luz das nossas realidades terrenas; no entanto, a ressurreição que nos espera ultrapassa totalmente a nossa realidade terrena.
A segunda parte da resposta de Jesus (vers. 37-38) é uma afirmação da certeza da ressurreição. Como não podia apoiar-se nos textos recentes da Escritura (como Dn 12,2-3), que sugeriam a fé na ressurreição (pois esses textos não tinham qualquer valor para os saduceus), Jesus cita-lhes a “Torah” (cf. Ex 3,6): no episódio da sarça-ardente, Jahwéh revelou-Se a Moisés como “o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacob”… Ora, se Deus Se apresenta dessa forma – muitos anos depois de Abraão, Isaac e Jacob terem desaparecido deste mundo – isso quer dizer que os patriarcas não estão mortos (um homem “morto” – ou seja, um homem reduzido ao estado de uma sombra inconsciente e privada de vida no “sheol”, segundo a ideia semita corrente – tinha perdido a protecção de Deus, pois já não existia como homem vivo e consciente). Na perspectiva de Jesus, portanto, os patriarcas não estão reduzidos ao estado de sombras na obscuridade absoluta do “sheol”, mas vivem actualmente em Deus. Conclusão: se Abraão, Isaac e Jacob estão vivos, podemos falar em ressurreição.


* 2ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Sabedoria 1, 1-7

Amai a justiça, vós que governais a terra, tende para com o Senhor sentimentos rectos e buscai-o com sinceridade de coração. 2Porque Ele deixa-se encontrar por aqueles que não o tentam e revela-se aos que não perdem a fé nele. 3Com efeito, os pensamentos perversos afastam de Deus; e o seu poder, posto à prova, confunde os insensatos. 4A sabedoria não entrará numa alma maligna nem habitará num homem sujeito ao pecado. 5O espírito santo, que nos educa, foge da duplicidade, afasta-se dos pensamentos insensatos, retira-se ao aproximar-se a iniquidade. 6A sabedoria é um espírito benevolente mas que não deixará sem castigo os lábios blasfemos, porque Deus é testemunha dos seus pensamentos, examina o seu coração segundo a verdade e escuta as suas palavras. 7O espírito do Senhor enche o universo, e Ele, que tudo abrange, tem conhecimento de quanto se diz.

Evangelho: Lucas 17, 1-6

Naquele tempo: Jesus disse aos seus discípulos: «É inevitável que haja escândalos; mas ai daquele que os causa! 2Melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço uma pedra de moinho e o lançassem ao mar, do que escandalizar um só destes pequeninos. 3Tende cuidado convosco!Se o teu irmão te ofender, repreende-o; e, se ele se arrepender, perdoa-lhe. 4Se te ofender sete vezes ao dia e sete vezes te vier dizer: ‘Arrependo-me’, perdoa-lhe.» 5Os Apóstolos disseram ao Senhor: «Aumenta a nossa fé.» 6O Senhor respondeu: «Se tivésseis fé como um grão de mostarda, diríeis a essa amoreira: ‘Arranca-te daí e planta-te no mar’, e ela havia de obedecer-vos.»

REFLEXÃO

«A sabedoria é um espírito benevolente», diz-nos a primeira leitura (v. 6). Este espírito guia-nos com suavidade e força, ensinando-nos o caminho para chegarmos a Deus, e para estabelecermos uma relação correcta com os outros.
O evangelho apresenta-nos Jesus, Sabedoria de Deus, simultaneamente severo e indulgente: «Ai daquele que causa escândalos! Melhor seria para ele que lhe atassem ao pescoço uma pedra de moinho e o lançassem ao mar… Se o teu irmão te ofender sete vezes ao dia e sete vezes te vier dizer: ‘Arrependo-me’, perdoa-lhe.» (vv. 1-4).
Ao longo da nossa vida, é frequente deparar-nos com situações que exigem atitudes opostas. Nem sempre é fácil fazer um discernimento correcto sobre a altitude a tomar. Muitas vezes, o mais espontâneo é assumir atitudes exactamente opostas àquelas que o evangelho nos recomenda. Somos naturalmente indulgentes connosco. Quando provocamos escândalo, nem sempre nos damos conta disso. Mas, se nos dermos conta, facilmente nos desculpamos, dizendo que, afinal, não há motivos para escândalo. Mas, quando se trata dos nossos interesses, tornamo-nos muito severos. Se alguém nos ofende, achamos que se trata de uma enormidade, que naturalmente não podemos, nem devemos, tolerar nem perdoar. Também é fácil julgarmos, como coisa de pouca importância, aquilo que o Senhor julga com severidade. Pelo contrário somos severos com coisas que Ele olha com indulgência.
A Lei era estimada pelos Hebreus como um dos mais preciosos dons de Deus, que distinguia o Povo de Israel, pela sabedoria, de todos os outros povos, e que indicava o caminho da vida (cf. Sl 119(118). A nova lei, a lei do amor, dá ao novo povo de Deus uma sabedoria ainda maior, que lhe permite praticar sempre a justiça, porque «o amor é paciente, o amor é prestável, não é invejoso, não é arrogante nem orgulhoso, nada faz de inconveniente, não procura o seu próprio interesse, não se irrita nem guarda ressentimento. Não se alegra com a injustiça, mas rejubila com a verdade.Tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta. O amor jamais passará.» (1 Cor 13, 4-7).
Peçamos ao Senhor o dom da sabedoria para julgarmos correctamente, segundo os seus critérios, os critérios do amor.


* 3ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Sabedoria 2, 23 – 3, 9

Deus criou o homem para a incorruptibilidade e fê-lo à imagem do seu próprio ser. 24Por inveja do diabo é que a morte entrou no mundo, e hão-de prová-la os que pertencem ao diabo. 1As almas dos justos estão nas mãos de Deus e nenhum tormento os atingirá. 2Aos olhos dos insensatos pareceram morrer, a sua saída deste mundo foi tida como uma desgraça, 3a sua morte, como uma derrota. Mas eles estão em paz. 4Se aos olhos dos homens foram castigados, a sua esperança estava cheia de imortalidade. 5Depois de terem sofrido um pouco, receberão grandes bens, pois Deus os provou e achou dignos de si. 6Ele os provou como ouro no crisol e aceitou-os como um holocausto. 7No tempo da intervenção de Deus, os justos resplandecerão e propagar-se-ão como centelhas através da palha. 8Julgarão as nações e dominarão os povos, e o Senhor reinará sobre eles para sempre. 9Aqueles que nele confiam compreenderão a verdade, e os que são fiéis no amor habitarão com Ele, pois a graça e a misericórdia são para os seus eleitos.

Evangelho: Lucas 17, 7-10

Naquele tempo, disse o Senhor: «Qual de vós, tendo um servo a lavrar ou a apascentar gado, lhe dirá, quando ele regressar do campo: ‘Vem cá depressa e senta-te à mesa’? 8Não lhe dirá antes: ‘Prepara-me o jantar e cinge-te para me servires, enquanto eu como e bebo; depois, comerás e beberás tu’? 9Deve estar grato ao servo por ter feito o que lhe mandou? 10Assim, também vós, quando tiverdes feito tudo o que vos foi ordenado, dizei: ‘Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer.’»

REFLEXÃO

O livro da Sabedoria convida-nos a olhar em profundidade o mundo, a vida, o tempo que passa, sem nos deixarmos iludir pelas aparências: «As almas dos justos estão nas mãos de Deus… Aos olhos dos insensatos pareceram morrer, a sua saída deste mundo foi tida como uma desgraça, a sua morte, como uma derrota. Mas eles estão em paz. Se aos olhos dos homens foram castigados, a sua esperança estava cheia de imortalidade» (vv. 1-4). A ilusão de quem julga pelas aparências está em acreditar que quem é contrariado, perseguido, atormentado pelos homens, é profundamente infeliz. Mas a realidade é bem diferente: aquele que é perseguido por causa da sua fé está nas mãos de Deus, unido a Ele, cheio de esperança e de paz, em qualquer situação. Quem consegue ver o mais profundo da realidade dá-se conta de que a felicidade não está nos prazeres mundanos. Estes provocam no homem um terrível vazio, que o leva a procurar mais prazeres, numa correria louca para encontrar satisfação e plenitude de vida.
O mártir sabe que não está só. Unido à paixão de Cristo, tem consciência de o próprio Cristo sofre com ele, sofre nele. «Deus os provou e achou dignos de si. Ele os provou como ouro no crisol e aceitou-os como um holocausto» (vv. 5s.).
Em todos os sofrimentos, busquemos a intenção de Deus, que é sempre uma intenção de amor. Prova-nos como ouro no crisol para nos purificar, para nos conduzir a um amor mais profundo, mais desinteressado. Se alcançarmos de Deus a graça de compreender isto, estaremos sempre em paz, mesmo no meio dos maiores sofrimentos. Pensemos nos Mártires, mas também em tantos outros Santos, como Francisco de Assis, que, já doente e cego, entoou o cântico do irmão Sol. Pensemos em tantos outros santos, que encontramos ao longo da vida, e que, no meio de enormes sofrimentos, nos souberam transmitir serenidade e paz. Recordo concretamente um cristão, que encontrei em Moçambique, em 1967, e que, já no leito de morte, cantava a alegria do encontro com o Senhor, que sabia estar prestes a acontecer. Lembro uma enfermeira que, a morrer de cancro, num hospital de Lisboa, transmitia paz, serenidade e esperança a quem dela se aproximava. É bem certo que: «aqueles que confiam em Deus compreenderão a verdade, e os que são fiéis no amor habitarão com Ele, pois a graça e a misericórdia são para os seus eleitos.» (v. 9).
O cristão consegue ver para além das suas aparências mais ou menos dramáticas da morte. O seu sofrimento é iluminado pela esperança, tanto no que se refere à sua morte como à dos outros, a quem se une, “na esperança” de os rever no céu. Também nós, dehonianos, participamos dessa esperança. Mas para além dela, consideramos a sua e a nossa morte como o último e supremo acto da nossa oblação de amor e de reparação, em união “à oblação reparadora de Cristo ao Pai pelos homens” (Cst 6), a continuar na eternidade.


* 4ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Sabedoria 6, 1-11

Ouvi, ó reis, e entendei; aprendei, ó vós que governais em toda a terra! 2Prestai ouvidos, vós que reinais sobre as multidões e vos gloriais do número dos vossos povos! 3Porque do Senhor recebestes o poder, e a soberania vem do Altíssimo, que julgará as vossas obras e examinará os vossos pensamentos. 4Pois, sendo ministros do reino, não governastes com rectidão nem respeitastes a Lei, nem seguistes a vontade de Deus. 5De modo terrível e inesperado, Ele vos aparecerá, pois um julgamento rigoroso será feito aos grandes. 6O pequeno, com efeito, encontrará misericórdia, mas os poderosos serão examinados com rigor. 7O Senhor de todos não temerá ninguém nem se intimidará com a grandeza, pois Ele criou o pequeno e o grande e de todos cuida igualmente. 8Mas, para os poderosos, o julgamento será severo. 9A vós, pois, ó reis, se dirigem as minhas palavras para que aprendais a sabedoria e não pequeis. 10Aqueles que se conduzem segundo as leis santas serão reconhecidos como santos, e os que se deixam instruir por elas, nelas encontrarão a sua defesa. 11Ansiai, pois, pelas minhas palavras, desejai-as ardentemente e sereis instruídos.

Evangelho: Lucas 17, 11-19

Naquele tempo, 11Quando caminhava para Jerusalém, Jesus passou através da Samaria e da Galileia. 12Ao entrar numa aldeia, dez homens leprosos vieram ao seu encontro; mantendo-se à distância, 13gritaram, dizendo: «Jesus, Mestre, tem misericórdia de nós!» 14Ao vê-los, disse-lhes: «Ide e mostrai-vos aos sacerdotes.» Ora, enquanto iam a caminho, ficaram purificados. 15Um deles, vendo-se curado, voltou, glorificando a Deus em voz alta; 16caiu aos pés de Jesus com a face em terra e agradeceu-lhe. Era um samaritano. 17Tomando a palavra, Jesus disse: «Não foram dez os que ficaram purificados? Onde estão os outros nove? 18Não houve quem voltasse para dar glória a Deus, senão este estrangeiro?» 19E disse-lhe: «Levanta-te e vai. A tua fé te salvou.»

REFLEXÃO

A gratidão parece uma das tantas espécies em vias de extinção no mundo de hoje. Todos reivindicamos direitos, mas nem sempre sentimos o dever de agradecer a quem livre e desinteressadamente nos faz bem. Muitas vezes não agradecemos sequer a Deus pelos seus inumeráveis dons de cada dia. Talvez saibamos pedi-los. Mas nem sempre agradecemos convenientemente.
As leituras de hoje podem ajudar-nos a meditar na importância da gratidão. Os reis e governadores da primeira leitura orgulhavam-se do seu poder. Mas não se lembravam que ele lhes fora dado pelo Senhor para governarem com rectidão, segundo a Lei, e cumprirem a vontade do Altíssimo. Era essa a forma de mostrarem gratidão para com Deus. Cumprindo a sua vontade, reconheciam que não eram donos de nada nem de ninguém, mas que tudo tinham recebido d´Ele para o serviço dos seus povos.
No evangelho, Jesus acentua a importância da gratidão. O Senhor curou dez leprosos. Mas só um sentiu necessidade de voltar atrás para agradecer. Os outros, habituados aos benefícios de Deus, julgavam ter-lhes direito e não se sentiram na obrigação de agradecer. Não se passará o mesmo connosco, cumulados de bênçãos de Deus? Não continuarão os afastados do Senhor a manifestar maior admiração do que nós pelas suas intervenções misericordiosas? Mas, se nos habituarmos a não agradecer a Deus as graças que nos dá, afastamo-nos d´Ele, e perdemos dons ainda maiores. Só àquele estrangeiro que voltou a agradecer a cura da lepra, Jesus pôde dizer: «Levanta-te e vai. A tua fé te salvou.» (v. 19). Os outros apenas ficaram com a cura da sua doença! Mas, mais importante do que essa cura era a relação com Jesus, a relação da fé que salva. Receber um milagre é, no fundo, algo de secundário. O mais importante é a relação com Deus, a que o milagre nos convida. Para uma criança, mais importante do que receber um presente, é sentir-se amada. Deus quer que sintamos o seu amor, quer que O reconheçamos, não porque reivindica os seus direitos, mas porque, mais do que dar-nos isto ou aquilo, quer dar-se a Si mesmo. Reconhecendo os seus dons, e agradecendo, completamos a relação por Ele iniciada, e que não fica perfeita sem a nossa colaboração. É por isso que é importante agradecer, reconhecer que Deus nos ama!
A gratidão para com Deus é, pois, uma grande ajuda na nossa caminhada espiritual. Quando não agradecemos, facilmente podemos cair o egoísmo e no orgulho, como os reis e governadores da primeira leitura.
Jesus estava sempre pronto a dar graças ao Pai, mesmo durante a Paixão. A Paixão é, aliás, um sacrifício de acção de graças, como vemos na instituição da Eucaristia.


* 5ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Sabedoria 7, 22 – 8, 1

Na sabedoria há um espírito inteligente e santo, único, múltiplo e subtil, ágil, penetrante e puro, límpido, invulnerável, amigo do bem e perspicaz, 23livre, benéfico e amigo dos homens, estável, firme e sereno, que tudo pode e tudo vê, que penetra todos os espíritos, os inteligentes, os puros e os mais subtis. 24A sabedoria é mais ágil que todo o movimento e por sua pureza tudo atravessa e penetra. 25Ela é um sopro do poder de Deus, uma irradiação pura da glória do Omnipotente, pelo que nada de impuro entra nela. 26Ela é um reflexo da luz eterna, um espelho imaculado da actividade de Deus e uma imagem da sua bondade. 27Sendo uma só, tudo pode; permanecendo em si mesma, tudo renova; e, derramando-se nas almas santas de cada geração, ela forma amigos de Deus e profetas, 28pois Deus só ama quem vive com a sabedoria. 29Ela é mais radiante que o sol, e supera todas as constelações; comparada com a luz, sai vencedora, 30pois a luz dá lugar à noite, mas sobre a sabedoria não prevalece o mal. 1Ela estende-se com vigor de uma extremidade à outra e tudo governa com bondade.

Evangelho: Lucas 17, 20-25

Naquele tempo: Interrogado pelos fariseus sobre quando chegaria o Reino de Deus, Jesus respondeu-lhes:«O Reino de Deus não vem de maneira ostensiva. 21Ninguém poderá afirmar: ‘Ei-lo aqui’ ou ‘Ei-lo ali’, pois o Reino de Deus está entre vós.» 22Depois, disse aos discípulos: «Tempo virá em que desejareis ver um dos dias do Filho do Homem e não o vereis. 23Vão dizer-vos: ‘Ei-lo ali’, ou então: ‘Ei-lo aqui.’ Não queirais ir lá nem os sigais. 24Porque, como o relâmpago, ao faiscar, brilha de um extremo ao outro do céu, assim será o Filho do Homem no seu dia. 25Mas, primeiramente, Ele tem de sofrer muito e ser rejeitado por esta geração.

REFLEXÃO

Os sábios do Antigo Testamento reconheceram que a sabedoria não é dos homens, mas tem algo de divino: «um espírito inteligente e santo, único, múltiplo e subtil, ágil, penetrante e puro, límpido, invulnerável, amigo do bem e perspicaz, livre, benéfico e amigo dos homens, estável, firme e sereno, que tudo pode e tudo vê, que penetra todos os espíritos, os inteligentes, os puros e os mais subtis» (vv. 22s.). Mais ainda: «Ela é um sopro do poder de Deus, uma irradiação pura da glória do Omnipotente» (v. 25). A sabedoria é, pois, uma luz intelectual, que penetra todas as coisas, mas também luz espiritual, que é muito mais, pois dá conhecimento às pessoas, as põe em relação com o próprio Deus e, «forma amigos de Deus e profetas» (v. 27). Esta revelação do Antigo Testamento já é muito preciosa: a nossa vida intelectual é uma certa participação na vida divina. Mas, no Novo Testamento, é completada e ultrapassada pela revelação de Jesus, Sabedoria divina que ilumina todas as circunstâncias da vida humana e os faz viver em total relação com Deus. A Sabedoria não é somente «um sopro do poder de Deus» (v. 25), mas, como lemos na carta aos Hebreus, é «resplendor da sua glória e imagem fiel da sua substância e que tudo sustenta com a sua palavra» (1, 3). É o Verbo Incarnado. Sendo assim, o dom de Deus, o reino de Deus, no meio de nós, é Jesus: «O Reino de Deus não vem de maneira ostensiva… o Reino de Deus está entre vós.» (vv. 20-22). É, pois, preciso acolher Jesus dentro de nós, cumprindo o seu ardente desejo expresso na oração ao Pai, antes da Paixão: «Eu neles e Tu em mim, para que eles cheguem à perfeição da unidade e assim o mundo reconheça que Tu me enviaste e que os amaste a eles como a mim» (Jo 17, 23). Para reconhecer a luz e o amor de Deus na vida de cada dia, é preciso estar vigilantes. Jesus, que era o Reino de Deus em pessoa, aparentemente era um homem como os outros, não manifestava habitualmente a sua glória de Filho de Deus. E todavia veio do Pai para nos ensinar o caminho da sabedoria. A Sabedoria é Ele mesmo.


* 6ª FEIRA - Anos Ímpares

Primeira leitura: Sabedoria 13, 1-9

São insensatos todos aqueles homens em que se instalou a ignorância de Deus e que, a partir dos bens visíveis, não foram capazes de descobrir aquele que é, nem, considerando as obras, reconheceram o Artífice. 2Antes foi o fogo, o vento ou o ar subtil, a abóbada estrelada, ou a água impetuosa, ou os luzeiros do céu que tomaram por deuses, governadores do mundo. 3Se, fascinados pela sua beleza, os tomaram por deuses, aprendam quão mais belo que tudo é o Senhor, pois foi o próprio autor da beleza que os criou. 4E se os impressionou a sua força e o seu poder, compreendam quão mais poderoso é aquele que os criou, 5pois na grandeza e na beleza das criaturas se contempla, por analogia, o seu Criador. 6Estes, contudo, merecem só uma leve censura porque talvez se extraviem, apenas por buscarem Deus e quererem encontrá-lo. 7Movendo-se no meio das suas obras, investigam-nas, mas deixam-se seduzir pela aparência, pois são belas as coisas que vêem. 8De qualquer modo, nem sequer estes são desculpáveis, 9porque, se tiveram tanta capacidade para poderem perscrutar o universo, como não descobriram, primeiro, o Senhor dessas coisas?

Evangelho: Lucas 17, 26-37

Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: 26Como sucedeu nos dias de Noé, assim sucederá também nos dias do Filho do Homem: 27comiam, bebiam, os homens casavam-se e as mulheres eram dadas em casamento, até ao dia em que Noé entrou na Arca e veio o dilúvio, que os fez perecer a todos. 28O mesmo sucedeu nos dias de Lot: comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam, construíam; 29mas, no dia em que Lot saiu de Sodoma, Deus fez cair do céu uma chuva de fogo e enxofre, que os matou a todos. 30Assim será no dia em que o Filho do Homem se revelar. 31Nesse dia, quem estiver no terraço e tiver as suas coisas em casa não desça para as tirar; e, do mesmo modo, quem estiver no campo não volte atrás. 32Lembrai-vos da mulher de Lot. 33Quem procurar salvar a vida, há-de perdê-la; e quem a perder, há-de conservá-la. 34Digo-vos que, nessa noite, estarão dois numa cama: um será tomado e o outro será deixado. 35Duas mulheres estarão juntas a moer: uma será tomada e a outra será deixada. 36Dois homens estarão no campo: um será tomado e o outro será deixado.» 37Tomando a palavra, os discípulos disseram-lhe: «Senhor, onde sucederá isso?» Respondeu-lhes: «Onde estiver o corpo, lá se juntarão também os abutres.»

REFLEXÃO

A Criação, na multiplicidade das suas formas e manifestações, oferece-nos um precioso espaço para a nossa relação com Deus. Mais ainda: as criaturas falam-nos do Criador. Sendo assim, a Criação é a primeira manifestação da beleza e do amor de Deus, e é, ao mesmo tempo, a primeira palavra com que respondemos ao seu amor.
A palavra de Jesus, hoje, diz-nos que Ele há-de voltar. Quando tal acontecer, compreenderemos que a nossa vida vale na medida em que a damos a Ele, e a gastamos no cumprimento dos nossos deveres de cada dia, em união com Ele. É desse modo que estaremos prontos para o encontro definitivo. Não poderá surpreender-nos a vinda d´Aquele com quem vivemos em permanente relação.
No tempo de Jesus, os Judeus desejavam ardentemente a vinda do Reino de Deus. Várias vezes interrogaram Jesus sobre o «dia do Filho do homem», em que se havia de realizar o desígnio da justiça divina. Jesus nunca indicou uma data. Limitou-se a exortar à vigilância, a estar prontos. O Senhor não queria fazer profecias extraordinárias, tão ao gosto das pessoas do seu tempo, como do nosso. O mais importante era que compreendessem, e também nós compreendamos, que é preciso estar prontos para receber Deus na nossa vida, seja nos acontecimentos extraordinários como nos de cada dia. Quem não estiver preparado pode ser surpreendido, «como sucedeu nos dias de Noé… e sucedeu nos dias de Lot: comiam, bebiam, compravam, vendiam, plantavam, construíam». Quando Deus veio, não os encontrou preparados. Também na nossa vida, o encontro com Deus pode acontecer de modo inesperado. A morte, mesmo para quem está gravemente doente, chega sempre de improviso! Há, pois, que estar preparados, vivendo em união com o Senhor. A árvore cai para onde pende. Quem vive em união com o Senhor, «em Cristo», só pode morrer em união com o Senhor, «em Cristo» (cf. Rm 6, 1ss.).


* SÁBADO - Anos Ímpares

Primeira leitura: Sabedoria 18, 14-16; 19, 6-9

Quando um silêncio profundo envolvia todas as coisas e a noite ia a meio do seu curso, 15então, a tua palavra omnipotente desceu do céu e do trono real e, como um implacável guerreiro, lançou-se para o meio da terra condenada à ruína, trazendo, como espada afiada, o teu irrevogável decreto. 16 Deteve-se e encheu de morte o universo;de um lado, tocava o céu, do outro, pisava a terra. 6É que toda a criação, obediente às tuas ordens, tomava novas formas em sua própria natureza para guardar os teus filhos de todo o mal. 7Uma nuvem cobriu de sombra o acampamento e do que dantes era água viu-se emergir terra seca, o Mar Vermelho tornou-se um caminho transitável, e as ondas impetuosas, uma planície verdejante; 8por ali passou todo o povo, protegido pela tua mão, contemplando prodígios admiráveis. 9Iam como cavalos pastando no prado,e como cordeiros saltitando, e glorificavam-te, Senhor, a ti que os salvavas.

Evangelho: Lucas 18, 1-8

Naquele tempo: Depois, disse-lhes uma parábola sobre a obrigação de orar sempre, sem desfalecer: 2«Em certa cidade, havia um juiz que não temia a Deus nem respeitava os homens. 3Naquela cidade vivia também uma viúva que ia ter com ele e lhe dizia: ‘Faz-me justiça contra o meu adversário.’ 4Durante muito tempo, o juiz recusou-se a atendê-la; mas, um dia, disse consigo: ‘Embora eu não tema a Deus nem respeite os homens, 5contudo, já que esta viúva me incomoda, vou fazer-lhe justiça, para que me deixe de vez e não volte a importunar-me.’» 6E o Senhor continuou: «Reparai no que diz este juiz iníquo. 7E Deus não fará justiça aos seus eleitos, que a Ele clamam dia e noite, e há-de fazê-los esperar? 8Eu vos digo que lhes vai fazer justiça prontamente. Mas, quando o Filho do Homem voltar, encontrará a fé sobre a terra?»

REFLEXÃO

Provavelmente, não há criatura humana que, durante a sua existência, pelo menos por alguns momentos, não tenha desejado perceber sensivelmente a presença de Deus, e ter sinais inequívocos de que Ele se interessa por nós e escuta as nossas orações.
Talvez também eu tenha vivido pessoalmente esses anseios, ficando perplexo e desiludido por não os ver realizados. Deus parece escapar-nos, mesmo quando nos parece vislumbrá-l´O perto de nós. Mas a palavra de Deus recorda-nos, hoje, algo que facilmente esquecemos: é na história que encontro a Deus e posso estabelecer uma relação íntima e pessoal com Ele. Não são os espaços infinitos das experiências exotéricas que me conduzem ao encontro com Deus, mas os eventos concretos que tecem a minha vida e a história. É aí que hei-de procurar respostas às minhas preces e sinais concretos da sua acção misericordiosa e salvadora. Deus não “manobra” a história: guarda-a e sustem-na. Faz com que tudo concorra para a realização da sua obra salvadora.
Tudo isto me interpela. A fé é uma relação com Deus, é adesão a Ele e aos seus desígnios, e não um facto ocasionado por uma necessidade que quero ver satisfeita, ou o reflexo de ímpeto emotivo. A fé de Maria, invocada pela Igreja como sede da Sabedoria, foi essa adesão incondicional a Deus e ao seu projecto de salvação da humanidade. São muito poucas as palavras de Maria conservadas nos evangelhos. Mas há um ensinamento precioso que nos deixou: «Fazei o que Ele (Jesus) vos disser» (Jo 2, 5). Em Caná, tendo os servos feito o que Jesus disse, a água foi transformada em vinho. A palavra do Senhor, «Fazei o que Ele (Jesus) vos disser» (Jo 2, 5), tornou-se a regra essencial da vida cristã, que não é outra coisa que fazer e viver o que Jesus fez e disse. Vivendo essa regra, o nosso dia a dia, ainda que nos pareça insignificante e monótono, como a “água” de um rio que corre e não deixa marcas, pode transformar-se no «melhor vinho» (Jo 2, 10), se for feito e vivido na docilidade à vontade de Deus, caminhando no seu amor. Em união com Jesus, todas as nossas acções, mesmo a mais insignificantes e banais se transformam em «melhor vinho».

Ricardo Igreja



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