sábado, 26 de março de 2011

III DOMINGO QUARESMA

* DOMINGO


 «Aquele que beber da água que Eu lhe der nunca mais terá sede»


LEITURA I – Ex 17,3-7

Naqueles dias, o povo israelita, atormentado pela sede, começou a altercar com Moisés, dizendo: «Porque nos tiraste do Egipto? Para nos deixares morrer à sede, a nós, aos nossos filhos e aos nossos rebanhos?» Então Moisés clamou ao Senhor, dizendo: «Que hei de fazer a este povo? Pouco falta para me apedrejarem». O Senhor respondeu a Moisés: «Passa para a frente do povo e leva contigo alguns anciãos de Israel. Toma na mão a vara com que fustigaste o rio e põe te a caminho. Eu estarei diante de ti, sobre o rochedo, no monte Horeb. Baterás no rochedo e dele sairá água; então o povo poderá beber». Moisés assim fez à vista dos anciãos de Israel. E chamou àquele lugar Massa e Meriba, por causa da altercação dos filhos de Israel e por terem tentado o Senhor, ao dizerem: «O Senhor está ou não no meio de nós?» 

LEITURA II – Rom 5,1-2.5-8

Irmãos: Tendo sido justificados pela fé, estamos em paz com Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual temos acesso, na fé, a esta graça em que permanecemos e nos gloriamos, apoiados na esperança da glória de Deus. Ora, a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado. Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores. Dificilmente alguém morre por um justo; por um homem bom, talvez alguém tivesse a coragem de morrer. Deus prova assim o seu amor para connosco: Cristo morreu por nós, quando éramos ainda pecadores.

EVANGELHO – Jo 4,5-42

Naquele tempo, chegou Jesus a uma cidade da Samaria, chamada Sicar, junto da propriedade que Jacob tinha dado a seu filho José, onde estava a fonte de Jacob. Jesus, cansado da caminhada, sentou Se à beira do poço. Era por volta do meio dia. Veio uma mulher da Samaria para tirar água. Disse lhe Jesus: «Dá Me de beber». Os discípulos tinham ido à cidade comprar alimentos. Respondeu Lhe a samaritana: «Como é que Tu, sendo judeu, me pedes de beber, sendo eu samaritana?» De facto, os judeus não se dão com os samaritanos. Disse lhe Jesus: «Se conhecesses o dom de Deus e quem é Aquele que te diz: ‘Dá Me de beber’, tu é que Lhe pedirias e Ele te daria água viva». Respondeu Lhe a mulher: «Senhor, Tu nem sequer tens um balde, e o poço é fundo: donde Te vem a água viva? Serás Tu maior do que o nosso pai Jacob, que nos deu este poço, do qual ele mesmo bebeu, com os seus filhos a os seus rebanhos?» Disse Lhe Jesus: «Todo aquele que bebe desta água voltará a ter sede. Mas aquele que beber da água que Eu lhe der nunca mais terá sede: a água que Eu lhe der tornar se á nele uma nascente que jorra para a vida eterna». «Senhor, suplicou a mulher dá me dessa água, para que eu não sinta mais sede e não tenha de vir aqui buscá la». Vejo que és profeta. Os nossos pais adoraram neste monte e vós dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar». Disse lhe Jesus: «Mulher, podes acreditar em Mim: Vai chegar a hora em que nem neste monte nem em Jerusalém adorareis o Pai. Vós adorais o que não conheceis; nós adoramos o que conhecemos, porque a salvação vem dos judeus. Mas vai chegar a hora – e já chegou – em que os verdadeiros adoradores hão de adorar o Pai em espírito a verdade, pois são esses os adoradores que o Pai deseja. Deus é espírito e os seus adoradores devem adorá l’O em espírito e verdade». Disse Lhe a mulher: «Eu sei que há de vir o Messias, isto é, Aquele que chamam Cristo. Quando vier há de anunciar nos todas as coisas». Respondeu lhe Jesus: «Sou Eu, que estou a falar contigo». Muitos samaritanos daquela cidade acreditaram em Jesus, por causa da palavra da mulher. Quando os samaritanos vieram ao encontro de Jesus, pediram Lhe que ficasse com eles. E ficou lá dois dias. Ao ouvi l’O, muitos acreditaram e diziam à mulher: «Já não é por causa das tuas palavras que acreditamos. Nós próprios ouvimos e sabemos que Ele é realmente o Salvador do mundo».

Reflexão

No centro da cena, está o “poço de Jacob”. À volta do “poço” movimentam-se as personagens principais: Jesus e a samaritana.
A mulher (aqui apresentada sem nome próprio) representa a Samaria, que procura desesperadamente a água que é capaz de matar a sua sede de vida plena. Jesus vai ao encontro da “mulher”. Haverá neste episódio uma referência ao Deus/esposo que vai ao encontro do povo/esposa infiel para lhe fazer descobrir o amor verdadeiro? Tudo indica que sim (aliás, o profeta Oseias, o grande inventor desta imagem matrimonial para representar a relação Deus/Povo, pregou aqui, na Samaria).

O “poço” representa a Lei, o sistema religioso à volta do qual se consubstanciava a experiência religiosa dos samaritanos. Era nesse “poço” que os samaritanos procuravam a água da vida plena. No entanto: o “poço” da Lei correspondia à sede de vida daqueles que o procuravam?
Não. Os próprios samaritanos tinham reconhecido a insuficiência do “poço” da Lei e haviam buscado a vida plena noutras propostas religiosas (por isso, Jesus faz referência aos “cinco maridos” que a mulher já teve: há aqui, provavelmente, uma alusão aos cinco deuses dos samaritanos de que se fala em 2 Re 17,29-41).
Estamos, pois, diante de um quadro que representa a busca da vida plena. Onde encontrar essa vida? Na Lei? Noutros deuses? A mulher/Samaria dá conta da falência dessas “ofertas” de vida: elas podem “matar a sede” por curtos instantes; mas quem procura a resposta para a sua realização plena nessas propostas voltará a ter sede.

É aqui que entra a novidade de Jesus. Ele senta-se “junto do poço”, como se pretendesse ocupar o seu lugar; e propõe à mulher/Samaria uma “água viva”, que matará definitivamente a sua sede de vida eterna (vers. 10-14). Jesus passa a ser o “novo poço”, onde todos os que têm sede de vida plena encontrarão resposta para a sua sede.
Qual é a água que Jesus tem para oferecer? É a “água do Espírito” que, no Evangelho de João, é o grande dom de Jesus. Na conversa com Nicodemos, Jesus já havia avisado que “quem não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus” – Jo 3,5; e quando Jesus se apresenta como a “água viva” que matará a sede do homem, João tem o cuidado de explicar que Ele se referia ao Espírito, que iam receber aqueles que acreditassem n’Ele (cf. Jo 7,37-39). Esse Espírito, uma vez acolhido no coração do homem, transforma-o, renova-o e torna-o capaz de amar Deus e os outros.

Como é que a mulher/Samaria responde ao dom de Jesus? Inicialmente, ela fica confusa. Parece disposta a remediar a situação de falência de felicidade que caracteriza a sua vida, mas ainda não sabe bem como: essa vida plena que Jesus está a propor-lhe significa que a Samaria deve abandonar a sua especificidade religiosa e ceder às pretensões religiosas dos judeus, para quem o verdadeiro encontro com Deus só pode acontecer no Templo de Jerusalém e na instituição religiosa judaica (“nossos pais adoraram neste monte, mas vós dizeis que é em Jerusalém que se deve adorar”)?
No entanto, Jesus nega que se trate de escolher entre o caminho dos judeus e o caminho dos samaritanos. Não é no Templo de pedra de Jerusalém ou no Templo de pedra do monte Garizim que Deus está… O que se trata é de acolher a novidade do próprio Jesus, aderir a Ele e aceitar a sua proposta de vida (isto é, aceitar o Espírito que Ele quer comunicar a todos os homens). Dessa forma – e só dessa forma – desaparecerá a barreira de inimizade que separa os povos – judeus e samaritanos. A única coisa que passa a contar é a vida do Espírito que encherá o coração de todos, que a todos ensinará o amor a Deus e aos outros e que fará de todos – sem distinção de raças ou de perspectivas religiosas – uma família de irmãos.
A mulher/Samaria responde à proposta de Jesus abandonando o cântaro (agora inútil), e correndo a anunciar aos habitantes da cidade o desafio que Jesus lhe faz. O texto refere, ainda, a adesão entusiástica de todos os que tomam conhecimento da proposta de Jesus e a “confissão da fé”: Jesus é reconhecido como “o salvador do mundo” – isto é, como Aquele que dá ao homem a vida plena e definitiva (vers. 28-41).

O nosso texto define, portanto, a missão de Jesus: comunicar ao homem o Espírito que dá vida. O Espírito que Jesus tem para oferecer desenvolve e fecunda o coração do homem, dando-lhe a capacidade de amar sem medida. Eleva, assim, esses homens que buscam a vida plena e definitiva à categoria de Homens Novos, filhos de Deus que fazem as obras de Deus.
Do dom de Jesus nasce a nova comunidade.

Ricardo Igreja

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