quinta-feira, 10 de junho de 2010

V DOMINGO TEMPO COMUM

*  V  DOMINGO



«Deixaram tudo e seguiram Jesus»


LEITURA I – Is 6,1-2a.3-8

No ano em que morreu Ozias, rei de Judá, vi o Senhor, sentado num trono alto e sublime; a fímbria do seu manto enchia o templo. À sua volta estavam serafins de pé, que tinham seis asas cada um e clamavam alternadamente, dizendo: «Santo, santo, santo é o Senhor do Universo. A sua glória enche toda a terra!» Com estes brados as portas oscilavam nos seus gonzos e o templo enchia-se de fumo. Então exclamei: «Ai de mim, que estou perdido, porque sou um homem de lábios impuros, moro no meio de um povo de lábios impuros e os meus olhos viram o Rei, Senhor do Universo». Um dos serafins voou ao meu encontro, tendo na mão um carvão ardente que tirara do altar com uma tenaz. Tocou-me com ele na boca e disse-me: «Isto tocou os teus lábios: desapareceu o teu pecado, foi perdoada a tua culpa». Ouvi então a voz do Senhor, que dizia: «Quem enviarei? Quem irá por nós?» Eu respondi: «Eis-me aqui: podeis enviar-me».

LEITURA II – 1 Cor 15,1-11

Recordo-vos, irmãos, o Evangelho que vos anunciei e que recebestes, no qual permaneceis e pelo qual sereis salvos, se o conservais como eu vo-lo anunciei; aliás teríeis abraçado a fé em vão. Transmiti-vos em primeiro lugar o que eu mesmo recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e apareceu a Pedro e depois aos Doze. Em seguida apareceu a mais de quinhentos irmãos de uma só vez, dos quais a maior parte ainda vive, enquanto alguns já faleceram. Posteriormente apareceu a Tiago e depois a todos os Apóstolos. Em último lugar, apareceu-me também a mim, como o abortivo. Porque eu sou o menor dos Apóstolos e não sou digno de ser chamado Apóstolo, por ter perseguido a Igreja de Deus. Mas pela graça de Deus sou aquilo que sou e a graça que Ele me deu não foi inútil. Pelo contrário, tenho trabalhado mais que todos eles, não eu, mas a graça de Deus, que está comigo. Por conseguinte, tanto eu como eles, é assim que pregamos; e foi assim que vós acreditastes.

EVANGELHO – Lc 5,1-11

Naquele tempo, estava a multidão aglomerada em volta de Jesus, para ouvir a palavra de Deus. Ele encontrava-Se na margem do lago de Genesaré e viu dois barcos estacionados no lago. Os pescadores tinham deixado os barcos e estavam a lavar as redes. Jesus subiu para um barco, que era de Simão, e pediu-lhe que se afastasse um pouco da terra. Depois sentou-Se e do barco pôs-Se a ensinar a multidão. Quando acabou de falar, disse a Simão: «Faz-te ao largo e lançai as redes para a pesca». Respondeu-Lhe Simão: «Mestre, andámos na faina toda a noite e não apanhámos nada. Mas, já que o dizes, lançarei as redes». Eles assim fizeram e apanharam tão grande quantidade de peixes que as redes começavam a romper-se. Fizeram sinal aos companheiros que estavam no outro barco para os virem ajudar; eles vieram e encheram ambos os barcos de tal modo que quase se afundavam. Ao ver o sucedido, Simão Pedro lançou-se aos pés de Jesus e disse-Lhe: «Senhor, afasta-Te de mim, que sou um homem pecador». Na verdade, o temor tinha-se apoderado dele e de todos os seus companheiros, por causa da pesca realizada.
Isto mesmo sucedeu a Tiago e a João, filhos de Zebedeu, que eram companheiros de Simão. Jesus disse a Simão: «Não temas. Daqui em diante serás pescador de homens». Tendo conduzido os barcos para terra, eles deixaram tudo e seguiram Jesus.

Reflexão:

O texto que nos é proposto como Evangelho é uma catequese que procura apresentar as coordenadas fundamentais da identidade cristã: o que é ser cristão? Como se segue Jesus? O que é que implica seguir Jesus?
Ser cristão é, em primeiro lugar, estar com Jesus “no mesmo barco” (vers. 3). É desse barco (a comunidade cristã), que a Palavra de Jesus se dirige ao mundo, propondo a todos a libertação (“pôs-Se a ensinar, da barca, a multidão”).
Ser cristão é, em segundo lugar, escutar a proposta de Jesus, fazer o que Ele diz, cumprir as suas indicações, lançar as redes ao mar (vers. 4-5). Às vezes, as propostas de Jesus podem parecer ilógicas, incoerentes, ridículas (e quantas vezes o parecem, face aos esquemas e valores do mundo…); mas é preciso confiar incondicionalmente, entregar-se nas mãos d’Ele e cumprir à risca as suas indicações (“porque Tu o dizes, lançarei as redes” – vers. 5).
Ser cristão é, em terceiro lugar, reconhecer Jesus como “o Senhor” (vers. 8): é o que faz Pedro, ao perceber como a proposta de Jesus gera vida e fecundidade para todos.
O título “Senhor” (em grego, “kyrios”) é o título que a comunidade cristã primitiva dá a Jesus ressuscitado, reconhecendo n’Ele o “Senhor” que preside ao mundo e à história.
Ser cristão é, em quarto lugar, aceitar a missão que Jesus propõe: ser pescador de homens (vers. 10). Para entendermos o verdadeiro significado da expressão, temos de recordar o que significava o “mar” no ideário judaico: era o lugar dos monstros, onde residiam os espíritos e as forças demoníacas que procuravam roubar a vida e a felicidade do homem. Dizer que os seus discípulos vão ser “pescadores de homens” significa que a missão do cristão é continuar a obra libertadora de Jesus em favor do homem, procurando libertar o homem de tudo aquilo que lhe rouba a vida e a felicidade. Trata-se de salvar o homem de morrer afogado no mar da opressão, do egoísmo, do sofrimento, do medo – as forças demoníacas que impedem a felicidade do homem.
Ser cristão é, finalmente, deixar tudo e seguir Jesus (vers. 11). Esta alusão ao desprendimento do discípulo é típica de Lucas (cf. Lc 5,28;12,33;18,22): Lucas expressa, desta forma, que a generosidade e o dom total devem ser sinais distintivos das comunidades e dos crentes que seguem Jesus.
Uma palavra, ainda, para o papel proeminente que Pedro aqui desempenha: a comunidade lucana é uma comunidade estruturada, que reconhece em Pedro o “portavoz” de todos e o principal animador dessa comunidade de Jesus que navega nos mares da história.


*  2ª FEIRA

Primeira leitura: 1 Reis 8, 1-7.9-13

Naqueles dias, 1o rei Salomão reuniu junto de si em Jerusalém os anciãos de Israel. Todos os chefes das tribos, os chefes das famílias dos filhos de Israel, para transladarem da cidade de David, em Sião, a Arca da aliança do Senhor. 2Todos os homens de Israel se reuniram na presença do rei Salomão no mês de Etanim, que é o sétimo mês, durante a festa solene. 3Quando todos os anciãos de Israel acabaram de chegar, os sacerdotes transportaram a Arca. 4Fizeram subir a Arca do Senhor, a tenda da reunião, com todos os utensílios sagrados que estavam na tenda; foram os sacerdotes e os levitas quem a transportou. 5O rei Salomão e toda a assembleia de Israel reunida junto dele caminhavam à frente da Arca e iam sacrificando tão grande quantidade de ovelhas e bois que não se podiam contar nem enumerar. 6Os sacerdotes levaram a Arca da aliança do Senhor para o seu lugar no santuário do templo, o Santo dos Santos, sob as asas dos querubins. 7Com efeito, os querubins estendiam as suas asas sobre o lugar da Arca, cobrindo-a e aos seus varais com suas asas. 9Na Arca não havia senão as duas tábuas de pedra que Moisés lá colocara no monte Horeb, quando o Senhor concluiu a Aliança com os filhos de Israel, ao saírem da terra do Egipto. 10Quando os sacerdotes saíram do santuário, a nuvem encheu o templo do Senhor. 11Deste modo, os sacerdotes não puderam ficar ali para exercerem o seu ministério, por causa da nuvem, já que a glória do Senhor enchia o templo do Senhor. 12Disse então Salomão: «O Senhor escolheu habitar em nuvem escura! 13Por isso é que eu te edifiquei um palácio, um lugar onde habitarás para sempre.»

Evangelho: Marcos 6, 53-56

Naquele tempo, 53Jesus e os seus discípulos fizeram a travessia do lago e vieram para a terra de Genesaré, onde aportaram. 54Assim que saíram do barco, reconheceram-no. 55Acorreram de toda aquela região e começaram a levar os doentes nos catres para o lugar onde sabiam que Ele se encontrava. 56Nas aldeias, cidades ou campos, onde quer que entrasse, colocavam os doentes nas praças e rogavam-lhe que os deixasse tocar pelo menos as franjas das suas vestes. E quantos o tocavam ficavam curados.

Reflexão:

Jesus acaba de atravessar o lago de Genesaré, unindo a margem leste, onde habitam os pagãos, com a margem oeste, onde habitam os hebreus. A descrição de Marcos lembra-nos as promessas messiânicas: «Acorrerão ao monte do Senhor todas as gentes, virão muitos povos e dirão… Ele nos ensinará os seus caminhos» (cf. Is 2, 2-3); «Virão povos e habitantes de grandes cidades. E os habitantes de uma cidade irão para outra, dizendo: ‘Vamos implorar a face do Senhor!» (Zc 8, 21). Todos os que se reconhecem carecidos de salvação dirigem-se a Jesus. Diante dele são expostas todas as misérias humanas. As pessoas não se deixam dominar pela vergonha, mas agem com confiança: basta que os Senhor lhes toque apenas com «as franjas das suas vestes». Assim se cumpre a palavra do profeta: «Assim fala o Senhor do universo: Naqueles dias, dez homens de todas as línguas das nações tomarão um judeu pela dobra do seu manto e dirão: ‘Nós queremos ir convosco, porque soubemos que Deus está convosco’» (Zc 8, 23). Não precisamos de nos esforçar para demonstrar que, no Evangelho, se tratava sempre de verdadeiros milagres, e não de casos idênticos àqueles de que fala hoje a parapsicologia. Uma correcta cristologia não exige que Jesus fosse um super-homem. Marcos não usa métodos racionalistas para demonstrar a divindade de Jesus. Aliás, para ele, a fé é um dom gratuito de Deus que geralmente precede os «milagres». O interessante é que as pessoas perceberam que a mensagem do Evangelho não era algo de abstracto de puramente filosófico, mas que implicava a melhoria da sua situação. Se, intuindo que Deus estava com Jesus, acorriam a Ele, depois de estarem com Ele, partiam gritando: Deus está connosco e a nossa favor… em Jesus.


*  3ª FEIRA

Primeira leitura: 1 Reis 8, 22-23.27-30

Naqueles dias, 22o rei Salomão colocou-se diante do altar do Senhor, perante toda a assembleia de Israel; levantou as mãos para o céu 23e disse:«Senhor, Deus de Israel, não há Deus semelhante a ti, nem no mais alto dos céus nem cá em baixo, na terra, para guardar a misericordiosa Aliança para com os servos, que andam na tua presença, de todo o coração. 27Será que Deus poderia mesmo habitar sobre a terra? Pois se nem os céus em os céus dos céus te conseguem conter! Quanto menos este templo que eu edifiquei?
28Mesmo assim, atende, Senhor, meu Deus, a oração e as súplicas do teu servo. Escuta o grito e a prece que o teu servo hoje te dirige. 29Estejam os teus olhos abertos dia e noite sobre este templo, sobre este lugar do qual disseste: ‘Aqui estará o meu nome.’ Ouve a oração que neste lugar te faz o teu servo. 30Escuta a súplica do teu servo e a do teu povo, Israel, quando aqui orarem. Ouve-os do alto da tua mansão, no céu; ouve-os e perdoa!

Evangelho: Marcos 7, 1-13

Naquele tempo, 1reuniram-se à volta de Jesus os fariseus e alguns doutores da Lei vindos de Jerusalém, 2e viram que vários dos seus discípulos comiam pão com as mãos impuras, isto é, por lavar. 3É que os fariseus e todos os judeus em geral não comem sem ter lavado e esfregado bem as mãos, conforme a tradição dos antigos; 4ao voltar da praça pública, não comem sem se lavar; e há muitos outros costumes que seguem, por tradição: lavagem das taças, dos jarros e das vasilhas de cobre. 5Perguntaram-lhe, pois, os fariseus e doutores da Lei: «Porque é que os teus discípulos não obedecem à tradição dos antigos e tomam alimento com as mãos impuras?» 6Respondeu: «Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, quando escreveu:Este povo honra-me com os lábios, mas o seu coração está longe de mim. 7Vazio é o culto que me prestam e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos. 8Descurais o mandamento de Deus, para vos prenderdes à tradição dos homens.» 9E acrescentou: «Anulais a vosso bel-prazer o mandamento de Deus, para observardes a vossa tradição. 10Pois Moisés disse: Honra teu pai e tua mãe; e ainda: Quem amaldiçoar o pai ou a mãe seja punido de morte. 11Vós, porém, dizeis: "Se alguém afirmar ao pai ou à mãe: ‘Declaro Qorban’ - isto é, oferta ao Senhor - aquilo que poderias receber de mim...", 12nada mais lhe deixais fazer por seu pai ou por sua mãe, 13anulando a palavra de Deus com a tradição que tendes transmitido. E fazeis muitas outras coisas do mesmo género.»

Reflexão:

O texto que hoje escutamos parece dar-nos a perceber que Marcos escreve para uma comunidade judeo-cristã que procurava ultrapassar certos dados da sua origem. Provavelmente tratava-se de judeo-cristãos de cultura helenista, isto é, de judeus da dispersão, cujas formas e costumes tinham sido influenciados pela cultura grega. Marcos procura mostrar-lhes que a nova relação entre os discípulos e Jesus de Nazaré também implicava uma nova relação entre os eles e as regras estabelecidas pelos homens para o encontro com Deus, nomeadamente no que se refere à pureza ritual: «Porque é que os teus discípulos não obedecem à tradição dos antigos e tomam alimento com as mãos impuras?» (v. 5). Mais do que nas suas palavras, é na sua Pessoa que encontramos a resposta à questão que Lhe é posta. Ao revelar-se como o Filho de Deus, o Mediador entre Deus e os homens, Jesus relativiza as regras e preceitos humanos. Não os anula, mas mostra que são válidos se estiverem relacionados com Ele. Ele é a norma, Ele é a incarnação do mandamento de Deus, a Palavra viva.


*  4ª FEIRA

Primeira leitura: 1 Reis 10, 1-10

Naqueles dias, 1a rainha de Sabá, tendo ouvido falar da fama que Salomão alcançara para glória ao Senhor, veio pô-lo à prova por meio de enigmas. 2Chegou a Jerusalém com um séquito muito importante, com camelos carregados de aromas, enorme quantidade de ouro e pedras preciosas. Tendo-se apresentado a Salomão, falou-lhe de tudo quanto trazia na ideia. 3Salomão respondeu-lhe a tudo; nenhuma questão foi tão enredada que o rei lhe não desse solução. 4A rainha de Sabá viu toda a sabedoria de Salomão bem como a casa que ele tinha construído; 5viu as provisões da sua mesa e o alojamento dos seus criados, as habitações e os uniformes dos seus oficiais, os copeiros do rei e os holocaustos que imolava no templo do Senhor, e ficou deslumbrada. 6Disse então ao rei: «É realmente verdade o que tenho ouvido na minha terra acerca das tuas palavras e da tua sabedoria. 7Não quis acreditar nisso antes de vir aqui e ver com meus próprios olhos; ora o que me diziam não era sequer metade; tu ultrapassas em sabedoria e dignidade tudo quanto até mim tinha chegado. 8Felizes os teus homens, felizes os teus servos que estão sempre contigo e ouvem a tua sabedoria! 9Bendito seja o Senhor, teu Deus, a quem aprouve colocar-te sobre o trono de Israel. É porque o Senhor ama Israel com amor eterno que Ele te constituiu rei para exercer o direito e a justiça.» 10Depois ela deu ao rei cento e vinte talentos de ouro e grande quantidade de perfumes e pedras preciosas. Jamais se tinha acumulado tão grande quantidade de perfumes como os que a rainha de Sabá ofereceu ao rei Salomão.

Evangelho: Marcos 7, 14-23

Naquele tempo, 14Jesus chamou de novo a multidão e disse-lhes: «Ouvi-me todos e procurai entender. 15Nada há fora do homem que, entrando nele, o possa tornar impuro. Mas o que sai do homem, isso é que o torna impuro. 16Se alguém tem ouvidos para ouvir, oiça.» 17Quando, ao deixar a multidão, regressou a casa, os discípulos interrogaram-no acerca da parábola. 18Ele respondeu: «Também vós não compreendeis? Não percebeis que nada do que, de fora, entra no homem o pode tornar impuro, 19porque não penetra no coração mas sim no ventre, e depois é expelido em lugar próprio?» Assim, declarava puros todos os alimentos. 20E disse: «O que sai do homem, isso é que torna o homem impuro. 21Porque é do interior do coração dos homens que saem os maus pensamentos, as prostituições, roubos, assassínios, 22adultérios, ambições, perversidade, má fé, devassidão, inveja, maledicência, orgulho, desvarios. 23Todas estas maldades saem de dentro e tornam o homem impuro.»

Reflexão:

Jesus dirige-se agora ao povo simples e, num segundo momento, apenas aos discípulos. Enfrenta questões legais delicadas para a mentalidade dos judeus piedosos e observantes. Jesus difere dos profetas e dos judeus de cultura helenista. Não se pode distinguir a esfera religiosa, divina, e a vida, como esfera quotidiana, que não pertence a Deus. As coisas do mundo não são «impuras» em si mesmas. São os homens que as podem tornar impuras. A comunidade de Jesus acredita na bondade da criação.
Podemos distinguir no texto três momentos: o ensinamento de Jesus à multidão (vv. 14-16); a sentença de Jesus (v. 15); o ensinamento aos discípulos (vv. 17-23); a verdadeira impureza, o coração, o catálogo dos vícios. Mas o mais importante é o comportamento dos homens diante das exigências do reino de Deus. A pureza ou a impureza das coisas depende do coração do homem. É a atitude do homem perante elas, é o uso que faz delas que as pode tornar impuras. Não há nada sagrado ou profano, puro ou impuro em si. A criação é «secular»: pode ser profana e pode ser sagrada. A sacralidade e a pureza vêm ao homem e ao mundo, não de modo automático pelo contacto com determinadas coisas, lugares ou pessoas, mas unicamente através do canal do diálogo entre Deus e o homem.


*  5ª FEIRA

Primeira leitura: 1 Reis 11, 4-13

4Na idade senil de Salomão, as suas mulheres desviaram-lhe o coração para outros deuses; e assim o seu coração já não era inteiramente do Senhor, seu Deus, contrariamente ao que sucedeu com David, seu pai. 5Foi atrás de Astarté, deusa dos sidónios, e de Milcom, abominação dos amonitas. 6Salomão fez o mal aos olhos do Senhor e não seguiu inteiramente o Senhor, como David, seu pai. 7Por essa altura, ergueu Salomão um lugar alto a Camós, deus de Moab e a Moloc, ídolo dos amonitas, sobre o monte que fica mesmo em frente de Jerusalém. 8E fez o mesmo por todas as suas mulheres estrangeiras, que queimavam incenso e sacrificavam aos seus deuses. 9O Senhor irritou-se contra Salomão, pois o seu coração se afastara do Senhor, Deus de Israel, que se lhe tinha revelado por duas vezes, 10e lhe ordenou sobre estas coisas para não seguir os deuses estrangeiros. Ele, porém, não cumpriu o que o Senhor lhe prescrevera. 11Então o Senhor disse-lhe: «Já que procedeste assim e não guardaste a minha aliança nem as leis que te prescrevi, vou tirar-te o reino e vou dá-lo a um dos teus servos. 12Entretanto, não o farei durante a tua vida, por causa de David teu pai; é das mãos de teu filho que Eu o arrancarei.

Evangelho: Marcos 7, 24-30

Naquele tempo, 24Jesus partindo dali, foi para a região de Tiro e de Sídon. Entrou numa casa e não queria que ninguém o soubesse, mas não pôde passar despercebido, 25porque logo uma mulher que tinha uma filha possessa de um espírito maligno, ouvindo falar dele, veio lançar-se a seus pés. 26Era gentia, siro-fenícia de origem, e pedia-lhe que expulsasse da filha o demónio. 27Ele respondeu: «Deixa que os filhos comam primeiro, pois não está bem tomar o pão dos filhos para o lançar aos cachorrinhos.» 28Mas ela replicou: «Dizes bem, Senhor; mas até os cachorrinhos comem debaixo da mesa as migalhas dos filhos.» 29Jesus disse: «Em atenção a essa palavra, vai; o demónio saiu de tua filha.» 30Ela voltou para casa e encontrou a menina recostada na cama. O demónio tinha-a deixado.

Reflexão:

Depois de ter curado muitos doentes e discutido com os fariseus em Genesaré, Jesus prossegue a sua viagens por Tiro, Sídon e Decápole, terras pagãs. E também aí realiza milagres: a cura da filha da mulher cananeia, que escutamos hoje, e a do surdo-mudo, que escutaremos amanhã.
No diálogo com a mulher cananeia emerge a tensão entre o papel proeminente de Israel na história da salvação e o universalismo da mesma salvação. Não só os «filhos», os judeus, mas também os «cães», os pagãos, segundo a metáfora, são chamados à salvação. A única condição é escutar a Boa Nova e acolher Jesus como Senhor: «Dizes bem, Senhor…», exclama a mulher. «Em atenção a essa palavra, - diz-lhe Jesus - vai; o demónio saiu de tua filha». A fé da cananeia dissolveu a tensão e alcançou-lhe o milagre. A filha foi libertada do demónio.
No diálogo entre Jesus e a mulher aparecem as expressões «pão dos filhos» e «migalhas dos cachorrinhos». É já um anúncio do milagre da multiplicação dos pães, que Marcos narrará pouco depois (cf. Mc 8, 1-10).
Jesus também continua a rebater, com palavras e acções, o legalismo dos judeus, dando atenção ao mundo e à cultura grega. Não esqueçamos que Marcos escreve para uma comunidade cristã grega.


*  6ª FEIRA

Primeira leitura: 1 Reis 11, 29-32; 12, 19

Naqueles dias, 29quando Jeroboão saía de Jerusalém, o profeta Aías de Silo encontrou-o no caminho. Aías estava coberto com um manto novo, e estavam só os dois no campo. 30Então, Aías tomou o manto novo com que se cobria e rasgou-o em doze pedaços. 31E disse a Jeroboão: «Toma dez pedaços para ti, pois assim diz o Senhor, Deus de Israel: ‘Eis que Eu vou tirar o reino das mãos de Salomão e dar-te-ei as dez tribos. 32Ficar-lhe-á, porém, uma tribo por causa do meu servo David e da cidade de Jerusalém, que Eu escolhi de entre todas as tribos de Israel. 19Israel esteve em revolta contra a casa de David até ao dia de hoje.

Evangelho: Marcos 7, 31-37

Naquele tempo, 31Jesus deixou de novo a região de Tiro, veio por Sídon para o mar da Galileia, atravessando o território da Decápole. 32Trouxeram-lhe um surdo tartamudo e rogaram-lhe que impusesse as mãos sobre ele. 33Afastando-se com ele da multidão, Jesus meteu-lhe os dedos nos ouvidos e fez saliva com que lhe tocou a língua. 34Erguendo depois os olhos ao céu, suspirou dizendo: «Effathá», que quer dizer «abre-te.» 35Logo os ouvidos se lhe abriram, soltou-se a prisão da língua e falava correctamente. 36Jesus mandou-lhes que a ninguém revelassem o sucedido; mas quanto mais lho recomendava, mais eles o apregoavam. 37No auge do assombro, diziam: «Faz tudo bem feito: faz ouvir os surdos e falar os mudos.»

Reflexão:

Desta vez, Jesus cura um surdo tartamudo, cuja capacidade intelectual estava condicionada pela sua deficiência. Por isso, ao tocar-lhe os órgãos doentes com saliva, Jesus não quer fazer magia à maneira dos taumaturgos da época, mas apenas dirigir-se à consciência daquele que ia ser objecto do prodígio. Noutros casos bastavam as palavras. Aqui, tratando-se de um surdo tartamudo, são precisos gestos. E Jesus fá-los.
É o segundo milagre que Jesus faz em território pagão e este texto, exclusivo de Marcos, pretende continuar a descrição da actividade missionária da primeira comunidade cristã e assinalar a abertura dos pagãos à fé em Jesus Cristo.
O assombro dos que presenciam os milagres de Jesus lembra-nos Gn 1: «E Deus viu que tudo era bom», mas também Isaías: «O mudo gritará de alegria» (Is 35, 6). Em Jesus realizam-se as promessas de salvação. Não se trata, pois, de triunfalismo político-messiânico, mas de um reconhecimento gozoso da eficácia desalienante da presença do reino de Deus.


*  SÁBADO

Primeira leitura: 1 Reis 12, 26-32; 13, 33-34

26Quando Jeroboão se tornou rei das dez tribos de Israel, pensou para consigo: «Como as coisas estão, pode muito bem o reino voltar para a casa David. 27Se este povo continua a subir à casa do Senhor que está em Jerusalém para aí oferecer sacrifícios, o coração deste povo é capaz de regressar a Roboão, seu senhor, rei de Judá! Hão-de trucidar-me e regressarão a Roboão, rei de Judá.» 28Então, o rei deliberou para consigo e mandou fazer dois bezerros de ouro e disse-lhes: «Vós tendes subido a Jerusalém com demasiada frequência. Aqui estão os vossos deuses, ó Israel, aqueles que vos fizeram sair da terra do Egipto.» 29E colocou um em Betel e o outro em Dan. 30Nisto consistiu o pecado: o povo pôs-se em marcha à frente de um dos bezerros até Dan. 31Jeroboão construiu templos nos lugares altos, nomeou sacerdotes de entre a massa do povo, que não eram filhos de Levi. 32Jeroboão instituiu ainda uma festa no oitavo mês, no décimo quinto dia do mês, como a festa que se celebrava em Judá; ele mesmo subiu ao altar. Assim fez também em Betel, para sacrificar aos bezerros que tinha mandado fazer. Estabeleceu em Betel sacerdotes dos lugares altos que tinha instituído. 33Não obstante estas palavras, Jeroboão não se converteu da sua conduta perversa. Mas continuou a fazer sacerdotes dos lugares altos a homens oriundos da massa do povo; a quem ele queria, consagrava-os e ficavam sacerdotes dos lugares altos. 34Nisto é que consistiu o pecado da casa de Jeroboão; por isso é que ela foi destruída e desapareceu da face da terra.

Evangelho: Marcos 8, 1-10

Naqueles dias, 1havia outra vez uma grande multidão e não tinham que comer. Jesus chamou os discípulos e disse: 2«Tenho compaixão desta multidão. Há já três dias que permanecem junto de mim e não têm que comer. 3Se os mandar embora em jejum para suas casas, desfalecerão no caminho, e alguns vieram de longe.» 4Os discípulos responderam-lhe: «Como poderá alguém saciá-los de pão, aqui no deserto?» 5Mas Ele perguntou: «Quantos pães tendes?» Disseram: «Sete.» 6Ordenou que a multidão se sentasse no chão e, tomando os sete pães, deu graças, partiu-os e dava-os aos seus discípulos para eles os distribuírem à multidão. 7Havia também alguns peixinhos. Jesus abençoou-os e mandou que os distribuíssem igualmente. 8Comeram até ficarem satisfeitos, e houve sete cestos de sobras. 9Ora, eram cerca de quatro mil. Despediu-os 10e, subindo logo para o barco com os discípulos, foi para os lados de Dalmanuta.

Reflexão:

A crítica interroga-se se esta multiplicação dos pães é, de facto, um novo milagre ou se é uma segunda versão do que foi narrado em Mc 6, 34-44. Mas, mais importante que saber se se trata de um ou de dois prodígios diferentes, é conhecer as intenções querigmáticas do evangelista.
Toda esta secção parece orientada para realçar a finalidade da evangelização, incluindo o seu aspecto taumatúrgico, a saber: libertar o homem da alienação e de tudo o que ameaça a sua existência, não só no limite extremo entre a vida e a morte, mas também na sua acção de cada dia. Nos dois relatos facilmente se pode ver uma alusão à refeição eucarística, tal como era celebrada pela comunidade judeo-helenista de Cesareia, em cujo seio nasceu o evangelho de Marcos. O evangelista parece querer realçar a multiplicação dos pães como prefiguração da eucaristia cristã e das suas implicações a favor dos pagãos. De facto, anota: «alguns vieram de longe» (v. 3b). Além disso, a compaixão de Jesus é suscitada pela miséria física daquela gente que andava com Ele havia três dias. É este sentimento de compaixão que provoca o milagre. É esse mesmo sentimento que há-de levar à partilha na comunidade, em favor dos carenciados.


Ricardo Igreja

 
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